sexta-feira, 3 de abril de 2020

"E SE ACABÁSSEMOS COM O SEF?" - DR. MAMADU BA

Os contornos macabros do caso de Ihor Homenyuk são gravíssimos. Olhando para isso e para a ligação umbilical do SEF com o modus operandi do tempo da velha senhora, não será descabido exigir a sua extinção.

Tal como no filme de Sérgio Tréfaut, Viagem a Portugal (2011), o caso de Ihor Homenyuk, o imigrante ucraniano recentemente morto depois de ter sido alegadamente espancado por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), é uma história de suspeição, arbitrariedade, humilhação e abuso de poder que, por vezes, acaba em tragédia. Não é ficção, é a história real vivida por imigrantes nos aeroportos portugueses.

O alegado homicídio de Ihor, que só veio a ser conhecido duas semanas depois e que conduziu à prisão domiciliária dos três suspeitos, bem como à demissão da direção do SEF, inscreve-se nas inúmeras histórias de humilhação e violência contra imigrantes nas zonas internacionais dos aeroportos portugueses. Neste caso houve uma tentativa de ocultação e manipulação de factos, que pode indiciar habituais contornos de opacidade na atuação do SEF. Não fosse o momento de pandemia que vivemos, este caso teria maiores repercussões.

Espera-se, agora, mais do que celeridade e transparência do inquérito, uma alteração radical de procedimentos do Estado nesta questão. Porque os relatos que frequentemente chegam dos Centros de Instalação Temporária (CIT), na maior parte em aeroportos, e dos Espaços Equiparados a Centros de Instalação Temporária (EECIT), não deixam margem para questionar vários atropelos à dignidade humana. Aliás, discutindo o relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção de 2018, a Provedoria de Justiça disse mesmo que “os CIT são o verdadeiro no man’s land contemporâneo”. Assim, este caso obriga que se encarem frontalmente as políticas de imigração e se questionem os seus instrumentos de gestão: os EECIT e os CIT são prisões; as zonas internacionais dos aeroportos são, há muito, espaços onde a aplicação do direito e da justiça depende de critérios arbitrários e do poder discricionário de agentes policiais; os pedidos de emissão e renovação de documentos pelos imigrantes são mais expedientes policiais do que atos administrativos, devendo por isso sair da esfera policial nas atribuições do SEF, o que é fundamental para que os imigrantes gozem efetivamente de uma cidadania plena.

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