[REPORTAGEM_julho_2019] A venda de produtos alimentares no chão e a falta de higiene que se registam nos principais mercados da capital deixam a Câmara Municipal de Bissau impotente na sua iniciativa de organização e de limpeza dos mercados. A vida dos utentes e dos cidadãos está em risco de contaminação por doenças.
Por outro lado, a falta de higiene e a desorganização dos mercados continuam a preocupar os utentes dos mercados, em particular nos principais mercados visitados pela equipa de reportagem do semanário O Democrata, designadamente o mercado de Caracol (Bairro Bandim), a chamada Feira de Cacheu (Bairro Mindara) e o mercado do Bairro Militar, que manifestam-se preocupadas com a situação neste período das chuvas.
De acordo com a constatação “in loco” feita pela nossa equipa de reportagem, na qual a questão do lixo bem como a falta de espaços para novos utentes continuam a ser o maior desafio da edilidade da capital, sobretudo no que concerne à limpeza dos mercados e à sua organização, proibindo a venda de produtos alimentares no chão.
O mercado de Caracol e de Cacheu (improvisado), as mais populares, também deparam-se com sérios problemas de higiene e de espaços adequados devido à situação geográfica dos mesmos. Aliás, os mesmos problemas são enfrentados pelos três principais mercados visitados, dado que estão no meio de habitações privadas, apesar de serem os mais frequentados.
CARACOL ENTRE A INICIATIVA DE BOAS PRÁTICAS DE LIMPEZA E A PERSISTÊNCIA DO LIXO
Não obstante a deterioração que se verifica em algumas zonas dos mercados confrontados com falta de higiene e falta de espaço, os utentes improvisam a venda dos peixe, fruta e outros produtos hortícolas no chão, onde estendem plásticos ou panos (em tecido africano) no chão para neles exporem os seus produtos.
A nossa reportagem não ouviu nenhum “viva-alma” que se movimentam naqueles mercados reclamar que os produtos alimentares estavam expostos no chão. Compram-nos sem hesitação.
Registaram-se algumas melhorias no mercado de Caracol em comparação com os anos anteriores, dado que os utentes em colaboração com funcionários de Câmara Municipal, removem o lixo todos os dias do interior do mercado. No fim de cada dia de trabalho lavam a zona pavimentada com produtos de limpeza enquanto outras zonas, fora do edifício do mercado, são deixadas abandonadas, sem cuidados nenhuns em termos de higiene. Muitas vezes são os próprios utentes quem limpa os lugares onde trabalham.
As mulheres “bideiras”, que vendem fora do edifício principal devido a falta do espaço no interior, improvisam, com recurso a baldes com água ou outros materiais, para conservar os seus produtos e assim evitar expô-las no chão.
Mas nem todos os utentes têm esse cuidado. Por falta de espaço no interior do mercado, a maioria que vende fora usa plásticos ou panos estendidos no chão, onde expõem para venda dos seus produtos, sem se preocuparem com o risco de contaminação dos seus produtos.
FORÇAS DE ORDEM GARANTEM SEGURANÇA DO MERCADO DE CARACOL E AOS UTENTES
Em termos de segurança, registaram-se melhorias significativas, de acordo com os utentes abordados pela nossa equipa de reportagem. O mercado conta com um corpo de elementos das forças de ordem pública colocados para garantir a segurança do mercado e dos utentes. As forças de ordem dispõem de uma esquadra situada a 100 metros do portão principal do mercado.
De acordo com os utentes, após a chegada das forças de segurança registou-se uma significativa redução de roubos, no período da noite, sobretudo os carteiristas que atuavam de dia, gatunos que perturbavam muito os cidadãos que circulavam no mercado. Os elementos da polícia circulam por todo o mercado durante o dia, alguns deles a paisana. Movimentam-se no interior e nos arredores, controlam o mercado a fim de garantir a segurança aos utentes e seus bens.
Os proprietários dos ’boutiques’ e armazéns do mercado contratam seguranças à empresas de segurança ou guardas particulares para cuidar dos seus armazéns no período da noite, dado que sentem-se mais confortáveis com os guardas privadas a noite, uma vez que as forças de ordem muitas vezes não conseguem garantir a total segurança do local.
No que diz respeito à água, Caracol dispõe de água canalizada junto às casas de banho. Estas têm condições básicas de funcionamento e é exigida uma taxa de 25 francos cfa para urinar, 100 francos cfa para um uso mais “pesado”.
A responsável das mulheres vendedeiras do mercado de Caracol, Glόria Có, explicou na entrevista que a Câmara Municipal de Bissau conseguiu cumprir com parte da promessa feita de manter o edifício principal do mercado limpo. Contudo diz que falta a construção de balcões que também é uma das promessas feitas pelos responsáveis da edilidade, cujo objetivo é acabar com a venda de produtos alimentares no chão.
“Os agentes da Câmara, no final da tarde, fazem toda a limpeza, recolhem o lixo e lavam o recinto e os pavimentados. Essa iniciativa assumida pela Câmara ajuda muito a deixar o interior do mercado limpo e acaba com o mau cheiro”, contou para de seguida assegurar que nenhuma vendedeira deseja colocar os seus produtos no chão, sobretudo nesta época da chuva. Mas lamenta a falta de espaço adequado. Segundo a sua explanação, isso leva os utentes a vender os produtos no chão, com os riscos de contrair doenças infecciosas.
MERCADO IMPROVISADO DE CACHEU – UMA AMEAÇA À SÁUDE DE UTENTES E CONSUMIDORES
O mercado improvisado de Cacheu que se encontra no meio de habitações no bairro de Mindara é confrontado também com sérios problemas de higiene e de superlotação devido a falta do espaço, mas é um dos mercados mais procurados da capital para a venda de produtos hortícolas e peixe seco trazido da região de Cacheu.
A famosa feira de Cacheu ocupa uma rua estreita entre a antiga discoteca “Cabana” e o interior do bairro. Algumas vendedeiras ocupam outras ruas próximas, até a beira da estrada, com os seus produtos expostos no chão.
As vendedeiras ocupam casas particulares para colocar os seus produtos. Perante essa situação, são obrigadas a pagar o espaço ocupado do particular bem como a pagar a Câmara Municipal pela ocupação. A movimentação das pessoas naquele mercado leva as vendedeiras a ocupar até as bermas da estrada, o que torna muito difícil trânsito de carros e de pedestres.
Segundo Célia Yalá, uma moradora de Belém e utente daquele mercado improvisado, a localização geográfica do mercado não é nada boa porque interfere e dificulta o trânsito e cria aglomeração de pessoas na estrada.
“O mercado é muito apertado, sujo e com mau cheiro! Recorremos ao mesmo porque não temos alternativa. Vimos algumas vendedeiras a terem cuidado com os seus produtos, por isso usam objetos altos para colocar os produtos, mas nem todas tomam esses cuidados. Vimos todos os dias produtos expostos no chão junto ao lixo”, explicou.
VENDEDORES RESPONSABILISAM A CÂMARA MUNICIPAL PELA FALTA DE CONDIÇÕES DE HIGIENE
A localização do mercado não a permitiu ter casa de banho própria que estaria disponível para os utentes. Por isso, os utentes são obrigados a recorrer às casas de banho dos moradores, onde são obrigados a pagar 50 francos cfa para urinar e 100 francos para o outro “serviço”.
O mercado não dispõe de uma equipa encarregue da limpeza ou da remoção do lixo, pelo que são os utentes que acabam por fazer o serviço ou cada um procura limpar apenas o seu espaço.
A vendedora da peixe, Celeste Té, disse a repórter que pagam diariamente aos proprietários do terreno 300 francos cfa e à Câmara Municipal de Bissau 150 francos pela ocupação do espaço, mas lamenta o facto de serem eles mesmos a ocupar-se da limpeza do mercado e da remoção do lixo.
“Para além do espaço que pagamos duas vezes diariamente, ao proprietário e à Câmara Municipal, pagamos mais 100 francos aos jovens dos carrinhos de mão para remover o lixo retirado dos nossos espaços para um local onde há contentores de lixo. A câmara não fez nada aqui, para além de cobrar dinheiro aos utentes, por isso responsabilizamo-la pela situação da degradação em que se encontra este mercado. Se estivermos no espaço de particulares, que a câmara deixe de cobrar-nos o espaço, deixando apenas os proprietários cobrar”, lamentou para de seguida avançar que todos os dias recebem críticas de consumidores que circulam pelo mercado sobre a falta de higiene e relativas aos produtos expostos no chão.
Lembrou ainda que a Câmara, no passado, queria retirar-lhes daquele lugar, transferindo toda a gente para o mercado de Bandim, mas o mercado de Bandim estava totalmente lotado por comerciantes estrangeiros, razão pela qual não conseguiram mudar – se para aquele mercado, resolveram ficar.
“Outra razão para não estarmos no mercado de Badim tem a ver com a clientela. Se conseguir espaço e a maioria das colegas não conseguir, poderá ficar vítima e não ter muitos clientes no mercado de Bandim, sobretudo a procura de produtos hortícolas e de peixe seco. A maioria que ficar terá o domínio do mercado. É verdade que a situação deste mercado é precária, mas conseguimos vender e muito os nossos produtos e os clientes estão habituados ao espaço”, contou.
Lamentou ainda que atualmente o negócio esteja difícil devido à atual situação financeira do país, o que acaba por criar a subida de preços dos produtos. Informou, por exemplo, que compram o famoso peixe “Bica” junto dos pescadores no valor de 3500 (três mil e quinhentos) F.CFA por quilograma e outros peixes primeira a 2500 (dois mil e quinhentos) junto dos pescadores.
“Nós somos obrigados a aumentar um pouco, acima do valor de compra para podermos ganhar alguma coisa, tendo em conta os gastos que fizemos”, disse.
Um dos vendedores de panos de “Pinte” no mercado de Cacheu, Papis Ié, contou que pagam aos proprietários dos terrenos 5000 francos cfa mensais pela ocupação do espaço, enquanto pagam à Câmara Municipal 150 francos diários e 3000 francos mensais aos proprietários de armazéns onde guardam os materiais e os seus panos.
“O mercado não tem nenhumas condições para funcionar corretamente, mas não temos alternativa, por isso decidimos ficar aqui para trabalhar e conseguir o nosso ganha-pão do dia-a-dia. Comecei a vender aqui no ano passado depois de as mulheres abandonarem este espaço que estou a ocupar. Vendo panos tradicionais que custam entre 12 a 18 mil francos cfa, muito procurados para as cerimónias tradicionais”, notou.
MERCADO DO BAIRRO MILITAR – UM DOS MAIS PROCURADOS DA CAPITAL E MAIS VULNERÁVEL
O mercado do Bairro Militar, considerado o terceiro mais popular da Capital, é tido igualmente como um dos mercados mais vulneráveis devido à aglomeração dos utentes, o que dificulta a sua limpeza.
Contudo, é o mercado com mais organização em relação aos dois outros, nomeadamente o mercado do Caracol e o de Cacheu. A nossa repórter constatou que a maioria dos produtos vendidos são colocados em cima de balcões ou mesas construídas a madeira, evitando assim o contato direto com lamas e águas sujas nesta época da chuva. No entanto, nota-se ainda um pequeno número de mulheres que vedem cebolas, foles e outros produtos expostos no chão.
O mercado dispõe de casa de banhos para homens e para mulheres, situada a menos de 100 metros do sítio onde as mulheres preparam comidas (Tchep, Caldos e pratos tradicionais guineenses) e de outro local onde se deita lixo, o que constituiu perigo a saúde dos utentes e dos consumidores.
De acordo com informações recolhidas no terreno, a esquadra da polícia do bairro militar envia sempre alguns agentes para manter a segurança, que sofria roubos constantes e ataque de carteiristas e de gatunos. A semelhança de outros mercados visitados, os utentes contrataram guardas para o período da noite.
O Secretário-geral de associação dos utentes do mercado do Bairro Militar (AUMEB), Mamade Darame, disse que a situação tem vindo a melhorar aos poucos, graças à intervenção da sua organização, que trabalha para a melhoria das condições sanitárias do mercado e a instalação de uma política de boas maneiras.
Mostrou-se preocupado com a situação do lixo e de venda ilegal de medicamentos, que segundo a sua explicação, a sua organização não tem competências para exigir dos utentes cuidados na vendas dos produtos bem como dos moradores a não deitarem o lixo no mercado, mas acredita que as autoridades competentes farão esforços para pôr fim a tais práticas que põem em risco a saúde pública.
Explicou que, apesar de a Câmara retirar com regularidade o lixo, vê-se o acumular dos lixos no mercado devido ao número de utentes. Também alguns moradores dos arredores do mercado aproveitam e deitam o seu lixo junto ao mercado para que, quando a câmara passar, o possa recolher.
Contou que diariamente pagam 150 francos à Câmara Municipal e que são eles (os vendedores/proprietários de cacifos) que assumem as despesas com os guardas noturnos. As três casas de banho foram reabilitadas com esforços da associação mas que segundo ele são insuficientes aos seus utentes.
Por: Epifânea Mendonça
Foto: Marcelo Na Ritche
Conosaba/Odemocrata
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