sexta-feira, 18 de novembro de 2016

«CRÓNICAS DE BISSAU» 'O ESCRITOR' - A. VERA CRUZ

A noite estava triste, não se sabia a razão, ela era alheia mas, mesmo assim, decidi envolver nessa tristeza com a incerteza e, aos poucos, a minha cabeça começava a dançar, de um modo enlouquecido, com o cinzento panorama político, pensando coisas ruins como, por exemplo, acabar com alguns políticos sujos, mas não queria matar ninguém, embora houvesse a vontade para o fazer.
Entretanto, pus-me a pensar em como evitar essa tamanha loucura. Como desviar a minha alucinação para não matar ninguém, para não cometer o pecado mortal, para não fazer exatamente igual aos próprios políticos da minha pátria amada, que matam todos os dias os que querem crescer, os que querem viver dignamente, os que querem impingir a honestidade, matam sobretudo a esperança de todo um povo, que eu admiro como um herói.  
Nesse vai vem de pensamento, rebentou uma determinação de ser escritor. Porquê? Sim, isso mesmo, porquê ser escritor?
A minha cebola do pescoço começava a falar comigo mesmo, interagíamos como se fosse o aluno e com professor, numa explicação particular. Eu fazia pergunta e ela respondia como se fosse uma outra pessoa dentro de mim, que respondia as minhas questões:
– Porquê ser escritor? – Voltei a perguntar, porque a resposta demorara para vir.
– Porque ser escritor te permite concretizar a tua vontade. – Disse ela.
– Mas qual vontade?
– Não sejas tonto, meu querido! A vontade de acabar com esses políticos sujos.
– Mas aquilo era apenas uma forma pacata de mostrar a mim mesmo a minha indignação com eles.
– Mais uma razão de ser escritor! Essa forma de mostrar a tua indignação, se decidires ser escritor vais emprestar a tua palavra, a tua escrita como a voz de todo um povo que está indignado de igual modo contigo.
– Mas escrever é difícil, não vou ter pachorra para essa brincadeira. – Rematei para desviar de mim mesmo.
– Não é difícil nada, vais escrever o que a tua cabeça vai te dizer, tu vais apenas emprestar-me a tua mão, vou fazer chegar as palavras a ti e tu põe-na no papel, o preto no branco. – Insistiu ela.
Não tinha mais argumento para resistir, o que me levou a ceder. Ela apercebeu-se que eu não estava convencido, embora vencido, acrescentou:
– Ser escritor vai permitir que consegues criar muitas histórias e, naturalmente, muitas personagens, em que elas podem mover dentro da tua história, e tu serás o todo poderoso desse mundo. Se quiseres acabar com esses políticos sujos mete-os na tua história como personagens e acaba com elas todas.  
A noite passou, o dia nasceu do ventre da esfera celeste e uma aurora cresceu e mais tarde um sol diferente, que brilhava como se não voltará a fazer o mesmo num outro dia, organizei as minhas coisas, fui ao meu escritório, tirei um papel branco, peguei na caneta preta que estava em cima da secretária (lembrei-me do “preto no branco”) e comecei a escrever uma história, em que decidi acabar com todos os políticos sujos. E, mais tarde, partilhei essa história com todos da minha terra.

Assim nasceu o escritor!

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