Num momento em que a Guiné-Bissau é
auxiliado por um programa de ajuda económica e financeira urge encontrar meios
que possibilitem reduzir a despesa do estado e alavancar o processo de
desenvolvimento do país.
Concluído o processo de negociação do
plano estratégico e operacional em Bruxelas é chegado o momento de proceder à avaliação
e montagem dos mecanismos de gestão e de resposta às questões de controlo e de
execução dos projetos previamente negociados e comprometidos. Seguidamente,
apresento algumas sugestões meramente técnicas enquadradas no âmbito da gestão
dos projetos de investimento e de desenvolvimento.
Na verdade a obtenção dos recursos
externos implicam maiores responsabilidades ao país uma vez que importa acautelar
determinados aspetos legais, políticos e técnicos, nomeadamente o modelo
de gestão e de governação dos fundos, evidenciando o processo de
contratação pública e da concorrência, a auditoria e os mecanismos de controlo
das contas públicas, o papel das autoridades fiscalizadoras, accountability e a questão da
transparência e participação em negócio dos agentes detentores de cargos
públicos, o plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações associadas e,
por último, o efeito multiplicador do investimento.
Em primeiro lugar, parece-me importante acautelar, em relação ao modelo
de gestão e de governação, a arquitetura organizacional tendo em conta
dois níveis de coordenação, nomeadamente política
e técnica, visando os objetivos seguintes: a simplificação, privilegiando a segregação das
responsabilidades para o exercício das funções de orientação política e
técnica, e valorizando o envolvimento dos parceiros; a orientação para resultados, concretizada através da valorização
dos resultados e a sua avaliação e consequências daí decorrentes na gestão dos
projetos; por último, o estabelecimento
de regras que assegurem condições de transparência e de responsabilização
dos agentes vinculados ao processo.
Atuando dessa forma, tornará possível
evidenciar um conjunto de princípios que norteiam todo o processo de gestão
deste importante instrumento financeiro, concretamente: concentração - concentrar o apoio dos fundos num número limitado de
prioridades, tal como definido no plano estratégico e operacional apresentado; disciplina financeira e da integração
orçamental - garantir a coerência entre a programação dos fundos e a
programação orçamental nacional; transparência
e prestação de contas - garantir boas práticas de informação pública dos
apoios e da avaliação dos resultados obtidos.
Em segundo lugar e no que se refere
ao processo de contratação pública, é importante proceder a ajustamentos ao
diploma dos concursos públicos face aos desafios que se avizinham para o país,
adaptando-o aos mecanismos de maior transparência, rigor e celeridade em
matéria de execução de contratos administrativos, tendo em conta a relevância
da atividade administrativa contratualizada, bem como a indispensabilidade do
controlo da despesa pública.
Por um lado, é importante que a
disciplina aplicável à contratação pública tenha em consideração a fase de
formação dos contratos, devendo aplicar-se, em especial, à formação de
contratos cujo objeto abranja prestações que, designadamente em razão da sua natureza
ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no
contrato ou do contexto da sua própria formação, estão ou sejam suscetíveis de
estar submetidas à concorrência de mercado. É importante demonstrar que há
espírito concorrencial e que a autoridade pública é ou será o garante da
indispensabilidade dessa norma que rege o mercado.
Por outro lado, nunca é demais
sugerir a exigência ao nível da qualificação dos candidatos em sede de concursos
públicos, nomeadamente a verificação do preenchimento de requisitos mínimos de
capacidade técnica e de capacidade financeira, protegendo dessa forma o
investimento público e consequentemente a execução dos projetos importantes
para o país.
Ainda, no que se refere à contratação
pública, é importante instituir o fim da utilização do suporte papel nos
procedimentos de formação de contratos e consequente desmaterialização do mesmo.
Ou seja, suprimir a utilização do papel na submissão de propostas e
candidaturas e cessando também a figura do ato público para verificar a
conformidade de tais documentos, desenrolando-se todo o procedimento de
formação do contrato de forma eletrónica, aliás, este é um dos projetos que
poderá ser desenvolvido no âmbito da governação eletrónica que se
encontra em processo de discussão e implementação no país.
As plataformas eletrónicas são meios
eletrónicos compostos por um conjunto de serviços e aplicações informáticos
necessários ao funcionamento dos procedimentos eletrónicos prévios à
adjudicação de um contrato público, constituindo as infraestruturas sobre as
quais se desenrolam os procedimentos de formação daqueles contratos. Os
impactos da utilização das Plataformas Eletrónicas resultam no seguinte: acréscimo
da transparência - a contratação eletrónica permite a partilha de
informação entre interessados, candidatos ou concorrentes, sob forma eletrónica
e automática, em relação às principais etapas do procedimento de contratação; redução dos custos de transação - reduz-se
drasticamente a documentação em papel, obtendo-se elevados níveis de qualidade,
eficácia e eficiência; redução dos tempos
de contratação - a utilização das plataformas permite uma significativa
redução dos prazos para receção de propostas, associados aos diversos processos
concorrenciais; acréscimo da competitividade
- uma das consequências do anúncio do procedimento por via eletrónica é o
aumento dos potenciais interessados no concurso. Permite ainda maior valia da
proposta selecionada, pois uma das consequências do aumento da competitividade
é, naturalmente, a possibilidade de se vir a obter propostas mais vantajosas.
No que se refere aos mecanismos de
controlo, auditoria financeira e o papel das autoridades fiscalizadoras, é
importante ter em atenção os aspetos da legalidade e certificação das contas
por parte do promotor Estado, definindo claramente os sistemas de controlo que
garantam a boa execução dos projetos tanto em termos estratégicos como
financeiros e económicos, bem assim como a responsabilização dos agentes que
intervenham diretamente no processo. Daí, talvez seria importante pensar num Sistema Nacional de Controlo que
teria por finalidade assegurar a correta, rigorosa e eficaz aplicação dos
recursos financeiros a serem disponibilizados pelos parceiros, constituído por
órgãos que exercem de forma articulada um sistema de controlo organizado em pelo
menos três níveis: o controlo de primeiro nível teria a natureza de controlo
interno e competiria às autoridades descentralizadas de gestão, compreenderia a
fiscalização dos projetos nas suas componentes materiais, financeira e
contabilística, nos locais de realização do investimento e das ações,
certificando para o efeito todos os processos técnicos e documentos
comprovativos de despesa. O segundo nível traduz-se no controlo externo sobre a
gestão. Abrange a análise e avaliação do sistema de controlo de primeiro nível
e, sempre que tal se mostre necessário para testar a sua eficácia, o controlo
sobre as decisões tomadas pelos órgãos de gestão, bem como o controlo cruzado
junto de outras entidades envolvidas, a fim de ter acesso às informações
consideradas necessárias ao esclarecimento dos factos.
O controlo de alto nível corresponde
à coordenação global do sistema de controlo, cuja responsabilidade seria do
Ministério das Finanças, através da Inspeção Geral das Finanças, em estreita
colaboração com o Tribunal de Contas. Concretizar-se-ia através da articulação
e coordenação das atividades desenvolvidas pelos diversos serviços e organismos
que intervêm no sistema de controlo dos fundos, pela avaliação de sistemas de
gestão e controlo do primeiro e segundo níveis e ainda pela interação com as
instituições parceiras e doadoras, designadamente, na comunicação das
irregularidades detetadas pelo sistema de controlo aos serviços competentes nos
termos que elas vierem a ser regulamentadas.
Em relação a accountability, é considerada um aspeto central da governança,
tanto na esfera pública como na privada. Por accountability ou responsabilização se se quiser, entende-se à
“obrigação de membros de um órgão administrativo prestar contas as
instâncias controladoras ou aos seus representados”. Significa que “quem
desempenha funções de importância na sociedade deve regularmente explicar o que
anda a fazer, como faz, porque faz, quanto gasta e o que vai fazer a seguir”.
Não se trata, portanto, apenas de prestar contas em termos quantitativos, mas,
também, de autoavaliar a obra/projeto feito e desenvolvido, de dar a conhecer o
que se conseguiu e de justificar aquilo em que se falhou.
A obrigação de prestar contas, neste
sentido amplo, é tanto maior quanto a função é pública, ou seja, quando se
trata do desempenho de cargos públicos. Portanto, é importante que cada vez
mais se tenha este princípio como “preceito” e ser automaticamente acionado em
circunstâncias que denotam responsabilidade civil, obrigações e prestação de
contas.
Porém, para a implementação de todo este
processo de reengenharia e de gestão de projetos é importante uma aposta
inteligente na capacitação institucional e na formação dos agentes da
administração pública. Assim, torna-se evidente uma necessária reforma da
administração pública tendo em conta o perfil dos seus agentes e qualidade de
serviços que se pretende implementar, apostando em competências técnicas e
científicas necessárias para a execução das políticas públicas tendentes a
alavancar o país face aos recursos alocados para o efeito.
Por último, é importante que o efeito
multiplicador do investimento seja tido em conta, ou seja, que cada Dólar/Euro/XOF investido seja
multiplicado para outros tantos, que seja o sinónimo de eficiência e de boa
gestão dos recursos financeiros colocados à disposição do povo guineense
através das autoridades nacionais. Por outro lado, que cada investimento exibe
a sua justificação própria, trate-se de uma escola dotada dos meios de
aprendizagem ou de um hospital, que estende à região que vier a servir um
patamar mais alto de cuidados de saúde. Ainda, que cada troço de estrada
construído, cada rua reabilitada, cada novo cais-porto, aeroporto construído,
etc., têm de ter uma razão de ser própria e que tenham impacto social positivo
junto das comunidades.
Lisboa, 23 de Abril de 2015.
Luís Vicente
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