O ex-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas adjunto, Coronel António Afonso Té, disse que o exército da Guiné-Bissau não reúne nenhuma condição logística, sobretudo a nível marítimo e aéreopara participar numa guerra fora do seu território, integrando a força de reserva da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que prepara uma missão ao Níger para restaurar a democracia e, consequentemente, libertar o Presidente Mohamed Bazoum das mãos dos golpistas.
“A Guiné-Bissau precisa de uma unidade de transporte, barco ou avião, para movimentar o seu efetivo. É do conhecimento de todos que o nosso país não tem esses meios e nem sequer tem dinheiro para alugar o avião capaz de transportar os seus militares. Como é uma iniciativa sub-regional é mais certo que pedirá à Nigéria ou ao Gana para transportar os seus efetivos e os respetivos materiais”, disse o Coronel na reserva e antigo comando ranger do exército guineense, durante a entrevista ao Jornal O Democrata para falar dos procedimentos da operação militar para a invasão ao Níger pela força da CEDEAO, como também dos procedimentos militares necessários para a participação da Guiné-Bissau neste eventual teatro de guerra.
Um grupo de militares nigerinos liderado pelo General Abdourahamane Tchiani derrubou o regime do Presidente Bazoum, na madrugada do dia 27 de julho, por meio das forças especiais da Guarda Presidencial. A CEDEAO condenou o golpe e advertiu os militares para libertarem o chefe de Estado eleito democraticamente e devolvê-lo ao poder, caso contrário serão obrigados a recorrer ao uso da força.
Passado o prazo de uma semana dado aos militares para devolverem o poder ao Presidente Bazoum, a CEDEAO reuniu o seu comité dos chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas para analisar os planos da invasão militar ao Níger, com o propósito de retirar os militares do poder, libertar o Bazoum e restaurar a democracia.
SELEÇÃO DE EFETIVO MILITAR PARA JUNTAR-SE A CEDEAO DEPENDERÁ DA MISSÃO QUE O PAÍS SERÁ CONFIADO
O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau adjunto [no período das vésperas do conflito militar de 07 de junho de 1998], Coronel António Afonso Té, disse que um eventual envolvimento do exército guineense ou da seleção da unidade que irá se juntar às forças de reserva da CEDEAO, dependerá da missão que será confiada ao país.
“A força da Guiné-Bissau poderá ser incumbida a cumprir uma missão do comando ou dos fuzileiros, contudo o Níger não tem mar, mas tem rios. Se for a missão do Comando para uma penetração no solo serão,então, selecionadas as unidades do exército, mas uma coisa certa é que a Guiné não tem experiência de lutar no deserto, aliás, a maioria dos países que manifestou vontade de enviar efetivos não tem experiência de lutar no deserto” assegurou, avançando que o Níger como seus possíveis aliados (Mali, Burkina Faso e Argélia) têm uma larga experiência de conflitos no deserto.
Enfatizou que, para qualquer missão a ser incumbida ao exército guineense é melhor usar um navio para transportar o seu efetivo e assim poderá levar todos os elementos selecionados que podem ser estimados em 200 homens, inclusive os materiais, porque missões deste tipo, primeiramente dependem de próprios meios (materiais) e depois poder-se-á utilizar a logística (materiais) da comunidade. Acrescentou que alguns países ou a própria comunidade poderá engajar-se em fornecer meios materiais para a força da CEDEAO, porque a campanha pode durar e a maioria dos países não tem condições de sustentar a sua força por uma longa campanha.
“A seleção de unidades para se juntar à força da CEDEAO deve ser feita na base da missão confiada à Guiné-Bissau, por exemplo, se lhefor confiada uma missão de ação no solo ou aérea. Uma missão aérea é difícil porque a Guiné não tem paraquedistas e muito menos aviões de combate. Neste caso, apenas pode assumir uma missão no solo, participando com as unidades do exército, elementos dos comandospode contar com os fuzileiros, que é uma força especial”, aconselhou.
Sobre as condições legais para a participação dos militares guineenses no conflito levado ao cabo pela CEDEAO, o jurista e também o líder do Partido Republicano para a Independência e Desenvolvimento (PRID), explicou que na verdade a Constituição concede ao Presidente da República o “poder” de declarar a guerra e a paz.
“O Presidente pode declarar a guerra, mas para fazer engajar todas as estruturas do Estado é preciso que a Assembleia Nacional Popular aprove uma resolução a favor, que permita o governo utilizar o exército neste conflito” disse, acrescentando que esta é a única via legal, contudo frisou que o país pode entrar neste conflito apenas com uma decisão do chefe de Estado e reunindo o Conselho da Defesa Nacional, que no seu entendimento, será uma decisão fora do quadro legal estabelecido pela Constituição da República.
INVASÃO AO NÍGER EXIGIRÁ UMA CAMPANHA MILITAR LONGA COM MEIOS ROBUSTOS DE QUE A CEDEAO NÃO DISPÕE
Relativamente aos procedimentos operacionais de uma força sub-regional para a invasão ao Níger, o Coronel na reserva, alertou as forças da CEDEAO à não esperarem uma facilidade por causa da complexidade do terreno e da surpresa da força inimiga. Afirmou que a guerra vai durar e que exigirá meios logísticos robustos para uma campanha militar.
Advertiu o comando da força sub-regional que uma guerra num país como o Níger, que não tem mar e cujo boa parte do território está coberto pelo deserto, é preferível uma ação no solo e uma aérea.Contudo alertou, neste particular, que o espaço aéreo inimigo será protegido pelos seus aliados e que a força da CEDEAO, com os seus aliados, terão dificuldades de penetrar naquele espaço. As únicas viasde entrada tanto no solo como aérea será a partir dos territórios da Nigéria e do Benin.
“Uma das entradas da força da CEDEAO para o território do Níger é a partir da fronteira do Benin, que conta com mais de 200 quilómetros para Niamey, que pode ser usado para penetrar o território do Níger. A Nigéria é a segunda porta da entrada, dado que divide uma longa linha de fronteira de mais de 1.300 quilómetros, mas a maior parte desta zona de fronteira passa por estados de Kano e Sokoto, cujas florestas na linha de fronteiras são usados pelo grupo terrorista Boko Haram. Se uma força da CEDEAO tentar uma operação para atacar Agadez ou protegê-la contra qualquer operação dos militares nigerinos, tem que passar por essa zona usada pelos terroristas, passando por uma caminhada de mais de 500 quilómetros para subir até Agadez. Um dos obstáculos nesta operação é os terroristas do Boko Haram”, contou.
Explicou que a via mais curta, estrategicamente em termos de distância para chegar a Niamey, é através da fronteira do Benin, que segundo a sua explanação é também do conhecimento dos militares nigerinos e seus aliados, que estrategicamente é a via em que as forças da CEDEAO terão aplicar mais força para alcançar os objetivos, por isso alertou que poderão encontrar grandes obstáculos.
“Outro obstáculo para chegar a Niamey e assumir o poder é a população que demonstra a cada dia o seu apoio à junta militar. O Níger não estará sozinho nesta guerra. Como se sabe, é possível que contarão com os apoios do Mali e do Burkina Faso, que têm uma grande experiência de guerra no deserto. A única força com uma grande experiência de guerra no deserto e que não manifestou o interesse de participar nesta guerra é o Chade. A Nigéria que é o gigante militar nesta zona não tem experiência na guerra no deserto, porque nunca trabalhou em campanhas de guerra na zona do Sahel”, avisou.
Alertou ainda que estrategicamente a força da CEDEAO contará com uma vantagem, que segundo ele, é a maior vulnerabilidade do Níger e dos seus possíveis aliados (Mali e Burkina). Informou que o Níger tem uma força rebelde no seu território que atualmente desencadeia frequentemente ataques contra os militares, como também o Mali e o Burkina Faso têm rebeldes nos seus territórios, ou seja, todos eles não controlam parte dos seus territórios.
“Se essas forças rebeldes foram criadas pela França, como sempre é acusada, todos serão acionadas para posicionarem-se ao lado da força da CEDEAO e impedir qualquer movimentação dos militares do Mali, Burkina e do Níger, nas respetivas zonas” notou, acrescentando que a França poderá apoiar a força da CEDEAO e fazer uma pressão a partir de Agadez que dista quase 700 quilômetros para o Niamey.Militarmente é uma distância enorme e difícil de cobrir.
“A França tem uma presença militar forte naquele país, mas não creio que a França estaria disponível a colocar os seus militares no solo para um combate ferrenho contra os militares nigerinos, que provavelmente contarão com o apoio das populações. É bem provável que o exército francês possa usar a força rebelde no solo e apoiar com os seus bombardeiros para atacar as posições dos militares nigerinos”, frisou.
Questionou o porque de a CEDEAO alinhar nisso tudo, sobretudo aliar-se às forças rebeldes para atacar os militares nigerinos que assumiram o poder, dado que existem casos precedentes e não se registou uma reação da comunidade face à situação do Mali, da Guiné-Conacri e do Burkina Faso, por isso se questiona as motivações reais da intervenção militar da CEDEAO.
O especialista militar avisou que quaisquer resultados saídos desta guerra e sejam favoráveis a força invasora (CEDEAO) ou a junta militar nigerina e seus aliados, o maior perdedor será o Níger e o seu povo. Enfatizou ainda que golpes de Estado fazem os países perderem a dinâmica de desenvolvimento, mas uma guerra desta dimensão vai acabar completamente com aquele país que é considerado um dos mais pobres da África.
Avisou, neste particular, que a guerra tem a sua própria dinâmica quando se inicia, porque “quem começa uma guerra consegue desenhar os planos para a iniciar, mas nunca sabe como vai terminar e os contornos que poderá tomar em plena campanha”.
Refira-se que o Níger é um país com uma população estimada em 17 milhões de habitantes e uma superfície de 1 270 000 km2, tornando-se o maior país da CEDEAO em termos do espaço e tem mais de 75 por cento da sua área coberta pelo deserto do Saara. Faz fronteira no norte com a Argélia e Líbia, a leste com o Chade, a sul com a Nigéria e Benin e a oeste com Burkina Faso e Mali.
Por: Assana Sambú
Conosaba/odemocratagb
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