segunda-feira, 13 de março de 2023

Dia internacional da mulher: ATIVISTAS E POLÍTICA DENUNCIAM DISCRIMINAÇÃO DE MULHERES NO SEIO DE FORMAÇÕES POLÍTICAS

As mulheres ativistas sociais e dirigentes políticos denunciaram a discriminação das mulheres que decidiram exercer a atividade política no seio das formações políticas, que alegam falta da capital político às mulheres para elas serem colocadas como cabeças de lista para cargos de deputados e nos lugares de decisão nas instituições públicas e empresas de capital público.

O Democrata deu voz às mulheres dirigentes políticas, ativistas sociais e uma empreendedora, no âmbito da celebração do dia internacional da mulher que se assinala a 08 de março, que debruçaram sobre a luta empreendida pela mulher guineense para se afirmar na política e na sociedade.

A reportagem de O Democrata ouviu a vice-presidente do Partido da Unidade Nacional (PUN), Nelvina Barreto, que falou da luta ferrenha enfrentada pela mulher para se afirmar na política. A reportagem de O Democrata ouviu também ouviu a presidente da Rede Nacional de Luta Contra Violência Baseada no Gênero e Crianças na Guiné-Bissau (RENLUV), Aissatu Camará Injai, que falou da emancipação da mulher na sociedade guineense e dos esforços da Organizações Não Governamentais na luta pela abertura do espaço político para as mulheres. A empreendedora Delbora Opidjé, falou dos desafios encarrados para consolidar-se no mercado nacional sem nenhuma ajuda do executivo.

O dia 8 de março foi instituído como dia internacional das mulheres pelas Nações Unidas e atualmente, a data é comemorada em mais de 100 países, tendo como objetivo lembrar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, independentemente de divisões nacionais, étnicas, linguísticas, culturais, econômicas ou políticas.

“MULHERES SÃO CONFINADAS A LUGARES E TAREFAS SUBALTERNOS NOS PARTIDOS” – VICE-PRESIDENTE DO PUN

Nelvina Barreto, vice-presidente do Partido da Unidade Nacional (PUN), afirmou que nas formações políticas, as mulheres são confinadas a lugares e tarefas subalternas que não exigem capacidade de decisão, liderança, pensamento ou visão estratégica, adiantando que só são utilizadas na medida em que o partido entenda que podem ser úteis para atrair o voto feminino.

Barreto disse que é lamentável esta situação porque as mulheres compõem 51,8 por cento da população guineense, realçando a contribuição das mulheres para manter de pé a economia nacional e o trabalho feito para garantir o sustento familiar, a escola e a saúde, através do trabalho informal. Acrescentou que mesmo com todo este esforço, a mulher guineense continua a ser desvalorizada pela sociedade.

A dirigente do Partido da Unidade Nacional afirmou que os partidos políticos poderiam ser a porta de entrada para as mulheres encontrarem o espaço que lhes permita dar melhor o seu contributo. Contudo, lamentou que “infelizmente, os partidos políticos replicam a mesma injustiça que existe na sociedade contra as mulheres, de maneira que não é de estranhar que se mantenha a sub representatividade a nível de participação nos órgãos da decisão política, por exemplo, no parlamento, no governo, nas empresas públicas, nos governos regionais ou no funcionalismo público, onde as mulheres não ultrapassam os 25 por cento dos efetivos”.

“Foi aprovada em agosto e publicada em dezembro de 2018, a lei da paridade que deveria instituir uma quota de 36 por cento para as mulheres nas listas de candidato a deputados dos partidos políticos, mas essa lei não foi aplicada nas eleições que se seguiram em março de 2019. Poucas mulheres foram colocadas em lugares elegíveis e menos ainda figuravam como cabeças de listas. Nós que estivemos no Parlamento para fazer pressão aos deputados, sensibilizando as diferentes bancadas parlamentares, o que ouvimos por parte dos deputados e incluindo deputadas mulheres dizerem que estávamos a ser muito ambiciosas e que as coisas têm que seguir devagar! Não podemos forçar o passo, porque as mulheres não têm capital político e que nenhum partido prescindiria do seu campeão nas regiões para que as mulheres chefiassem as listas de candidatos a deputado em nome da lei da paridade”, revelou.

Explicou, neste particular, que antes da aprovação da lei de paridade, os deputados retiraram todo o caráter obrigatório e sancionatório, como também retiraram o artigo que fala da obrigatoriedade da alternância por sexo nas listas dos partidos de candidato a deputado, o que segundo ela, “acabou por esvaziar o conteúdo da lei que não trouxe nenhum benefício visível para a camada feminina”.

Enfatizou que não obstante existirem mulheres que ocuparam alguns lugares “razoavelmente importantes” dentro das estruturas partidárias, “estas estão praticamente isoladas e que as suas vozes não se fazem ouvir, as suas opiniões contam pouco, pois não existe massa crítica feminina a nível dos partidos políticos”.

“O xadrez político e o espaço público na Guiné-Bissau são muito adversos à presença das mulheres e afugenta-as, pois elas têm muito receio, porque a história política guineense tem sido pautada por muita violência que acaba por fazer as mulheres fugirem desse espaço” criticou, lembrando que a mulher é a garante da sua casa e da família, pelo que se o espaço público é caracterizado por essa dose de violência física, moral e psicológica sobretudo atualmente nas redes sociais, qualquer mulher terá receio de se posicionar politicamente para não ser insultada.

Questionada sobre se a mulher deve beneficiar de quotas ou deve conquistar o seu lugar com base no mérito, respondeu que acha muita piada nesta questão, porque a mesma pergunta nunca é feita aos homens.

“Assisto com muita pena, à prestação de um grande número de deputados homens analfabetos, durante os debates no Parlamento. Ninguém os questiona sobre as suas incapacidades e isso é normal? Só as mulheres é que têm que dar prova do seu mérito” criticou ainda, para de seguida afirmar que todos os dias as mulheres dão provas do seu mérito em diferentes áreas sociais e económicas.

“MULHERES GUINEENSES SÃO EDUCADAS COM OS HOMENS NA BASE DE DISCRIMINAÇÃO ” – PRESIDENTE DA RENLUV

A presidente da Rede Nacional de Luta Contra Violência Baseada no Gênero e Crianças na Guiné-Bissau (RENLUV), Aissatu Camará Injai, disse que na Guiné-Bissau as mulheres não estão bem representadas nos órgãos de tomada de decisões, devido à educação de base em que os homens são educados para liderarem e se afirmarem na sociedade ao passo que as mulheres são educadas para serem submissas e servirem os seus maridos no matrimonio.

Informou que a mulher guineense é educada na base de discriminação em relação aos homens e aquela diferença na educação tem reflexos negativos na vida futura das mulheres, tanto matrimonial, como na vida profissional, política e social. Acrescentou que a mulher pode ter uma formação académica superior em relação ao homem, mas ela é desvalorizada por homem que por vezes afirma que a mulher não pode e não deve liderar, criticando que a própria mulher tem complexo de inferioridade perante o homem.

“Homens são educados na casa de família para liderarem e terem autonomia, mas as mulheres não, por isso que se refugiam tanto para as organizações da sociedade civil, porque lá não se regista muita a discriminação e a maioria dessas organizações é criada pelas próprias mulheres, de maneira que é normal ver essa camada na liderança. Fizemos tanto trabalho a nível da Plataforma Política das Mulheres no sentido de promover as mulheres para lugares de tomada de decisões reunimos com todas as formações políticas no sentido de sensibilizá-las para promoverem as mulheres nos lugares cimeiros, mas essa situação não foi verificada”, sublinhou.

Lembrou que a sua organização promoveu encontros com várias organizações da sociedade civil na cidade Canchungo que visavam refletir sobre o que se deveria fazer para a promoção da camada feminina na Guiné-Bissau, recordou também que um dos pontos da “Declaração de Canchungo” foi a adoção de uma lei de quotas que possa balizar a inclusão feminina na Guiné-Bissau e que ajudaria na resolução dos problemas.

“Dirigentes das formações políticas do país nasceram e foram educados em famílias onde a mulher é discriminada até neste preciso momento, mesmo nós que trabalhamos no domínio da promoção dos direitos das mulheres, às vezes, a nossa educação de base fala alto. Quando os meus filhos eram pequenos, aos domingos não costumávamos ter uma empregada, éramos nós que limpávamos a casa, cozinhávamos e fazíamos tudo. Quando eu me sentava ao pé de um rapaz, ao invés de chamar-lhe para fazer um trabalho, chamava a menina que estava mais afastada, tudo isso é a educação de base, mas sou uma defensora dos direitos das mulheres e acontece comigo sem eu dar conta, razão pela qual é preciso fazer um trabalho árduo com os pais para virar a página”, contou.

Questionada se pode exercer a atividade política ativa, mantendo o capote de ativista social para liderar organizações não governamentais, Aissatu Camará Injai respondeu que as organizações a que pertence não admitem ser ativista e político, mas as pessoas são diferentes e que ninguém é perfeito, por isso é notável ver pessoas que estão no ativismo social e ao mesmo tempo são políticos, de maneira que não pode negar essa situação.

Sobre as listas dos deputados nos partidos políticos, Injai disse que existe uma lei de paridade aprovada no Parlamento concernente a quota de 36 por cento, contudo diz que a lei é fraca, “porque retiraram alguns pontos que eram muito importantes para a sua eficácia que é a alternância, deixando assim de forma vaga e com o propósito de continuar a colocar a mulher nos lugares ilegíveis”.

“É DIFÍCIL UMA MULHER MONTAR UM NEGÓCIO SEM APOIO DO ESTADO E SEM CRÉDITO BANCÁRIO” – EMPREENDEDORA

A empreendedora Delbora José da Costa disse que as mulheres guineenses não devem estar tranquilas no conforto na vida proporcionado pelos pais ou maridos, sem se esforçarem para a sua autonomia financeira e afirmar-se na esfera de tomada de decisões a espera que tudo lhes encontre no regaço só por causa da igualdade de género.

A proprietária do Centro de culinária e decoração “Opidjé” defende que não basta só exigir a igualdade de género, mas também é necessário trabalhar na mobilização das mulheres para que estas entendam que uma pessoa deve ter um sonho e lutar para afirmar o seu sonho com consciência de que encontrará dificuldades, que devem ser ultrapassadas por ela mesma.

Contudo admitiu que é notável os esforços que a mulher guineense tem feito para a sua afirmação na esfera de decisão e de consciencialização sobre os direitos das mulheres.

Delbora criou o centro de culinária e decoração “Opidjé”, em 2016, e é instrutora culinária do próprio centro que está com nona geração de finalistas.

Explicou que para fazer afirmar o seu negócio teve muitos problemas e obstáculos, mas conseguiu vencê-los graças a sua força de vontade de ser independente.

“Consegui afirmar o meu centro com os meus próprios meios sem apoio financeiro de ninguém. Mas não foi fácil, porque eu vendia bolinhos, sandes e sumos a base de produtos naturais, na escola Salvador Allende e eu costumava guardar os lucros numa panela de pressão porque sempre sonhei criar um negócio mais rentável e durável e consegui e estou conseguindo. Tudo isso graças aos objetivos que defini para mim mesma, me desafiei-me” contou.

Para Delbora, é difícil uma mulher sozinha montar um negócio sem apoio do Estado e sem crédito bancário, principalmente montar um centro de culinário que exige um investimento desde os materiais de culinária e didáticos, entre outros materiais necessários para fazer funcionar o centro.

Por outro lado, disse que a culinária é vista como último curso, e que as pessoas formadas em culinária são muitas vezes humilhadas porque a sociedade entende que é um curso para pessoas menos escolarizadas ou menos inteligentes.

“Mas se enganam, porque a saúde está na alimentação. As mulheres devem procurar sempre formações de forma a serem independentes” insistiu, lembrando que teve apoio moral, mas para além disso só chegou a receber o apoio de uma ministra do Senegal, aquando da realização de um intercâmbio realizado em Cap Skiring, no Senegal, tendo apelado ao governo a começar a pensar numa política de apoio aos centros culinários.

“Para as mulheres em geral, digo que se esforcem cada vez mais e que comecem com o pouco que têm e aos poucos os seus negócios vão crescendo e pouco a pouco ganham a sua independência financeira e fazem afirmar a sua ideia e visão” aconselhou.

Por: Aguinaldo Ampa/Epifânia Mendonça
Conosaba/odemocratagb

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