[ENTREVISTA_fevereiro_2022] O Docente Universitário na Guiné-Bissau, Fernando Mandinga da Fonseca, afirmou que a presença de forças estrangeiras pressupõe que o país não é seguro, o que pode ter consequências nefastas para qualquer estratégia de crescimento económico de um país, dado que assusta e afugenta os investidores bem como mina, a curto e médio prazo, os projetos de desenvolvimento das instituições privadas, das organizações internacionais e das Organizações Não Governamentais sediadas na Guiné-Bissau.
O ativista social, que também é especialista em relações internacionais, fez essas afirmações em entrevista ao semanário O Democrata para falar da situação de insegurança que tem sido registada nos últimos dias no país e que ameaça a paz social e a estabilidade política e governativa, como também analisar a pertinência da vinda de uma força estrangeira com o mandato de apoiar a estabilização do país.
“A presença de uma força estrangeira coloca sérios riscos a nossa autodeterminação enquanto povo guineense e a nossa integridade territorial, que são os dois pilares fundamentais do direito internacional, um legado do tratado da constituição dos Estados modernos”, alertou o ativista.
Sobre o ataque à Rádio Capital FM, disse que a consequência deste ato “bárbaro” perpetrado, mais uma vez, contra aquela estação emissora irá manter a imagem negativa que o país vem acumulando ao longo dos últimos dois anos. Acrescentou que “é nítido, para quem quiser ver, que houve um retrocesso gigantesco nos avanços que haviam sido alcançados em relação aos direitos fundamentais, nos quais a liberdade de expressão e de imprensa está incluída”.
O Democrata (OD): O país voltou a registar mais uma situação de insegurança com a tentativa de golpe de Estado através do ataque ao Palácio do Governo. Esta situação que semeou medo no seio da população ameaça a paz e a estabilidade da Guiné-Bissau. O governo sente-se inconfortável e fala em ameaça à paz e à estabilidade política e governativa, por isso solicitou o envio de uma missão militar da CEDEAO para a estabilização do país. Defende o envio de uma força de estabilização ao país?
Fernando Mandinga da Fonseca (FMF): Não, sou contrário ao envio das forças de estabilização. E acredito que nenhum guineense deve defender esta posição, considerando as inúmeras implicações negativas que isso poderá acarretar, as quais sintetizo abaixo as minhas posições:
Primeiro, não estamos em um estado flagrante de conflito armado e a tentativa do golpe de Estado, segundo o comunicado da Presidência da República e do Governo, está controlada pelas nossas forças de Defesa e Segurança. Assim, torna-se contraproducente e contraditória a vinda de forças estrangeiras, pois coloca em xeque a autoridade e a capacidade das nossas forças de defesa e segurança que, de acordo com o governo, desmantelou os grupos golpistas, e que têm capacidade para pôr cobro à insegurança e a defesa do Estado e dos seus agentes.
Segundo, não há nenhuma evidência de que uma Força de Estabilização estrangeira daria maiores garantias de segurança ao país, pois a presença de forças estrangeiras pressupõe que o país não é seguro e isto tem consequências nefastas para qualquer estratégia de crescimento económico de um país; Assusta e afugenta os investidores, mina a curto e médio prazo, os projetos de desenvolvimento das instituições privadas, das organizações internacionais e das ONG’s sediadas na Guiné-Bissau, além da imagem de ser um país de risco para todos os efeitos.
Por outro lado, os fundos e os envelopes de ajuda ao Desenvolvimento, nas áreas sociais, podem ser direcionados a manutenção dessas forças estrangeiras, considerando que a CEDEAO ainda é extremamente dependente dos países ocidentais para executar algumas das suas políticas de integração sub-regional.
Por fim e mais grave, a presença de uma força estrangeira coloca sérios riscos a nossa autodeterminação, enquanto povo guineense, e a nossa integridade territorial, que são os dois pilares fundamentais do direito internacional, um legado do tratado da constituição dos Estados modernos.
OD: Reina neste momento um clima de medo no seio da população. Organizações de defesa dos direitos humanos denunciam sequestros, raptos e perseguições a políticos e até ao cidadão comum, suspeitos de envolvimento na tentativa de golpe de Estado. Que comentário oferece-lhe fazer sobre esse assunto?
FMF: O papel do Estado é garantir a paz e a segurança aos seus cidadãos, não pode ser o próprio Estado o fator de insegurança. A atuação do Estado perante esta situação de crimes está prevista na lei. O artigo 21, nº 3 da Constituição da República da Guiné-Bissau é claro. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só se pode fazer com a observância das regras previstas na lei e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
No entanto, o que estamos a assistir e a ver ser veiculado na opinião pública, por esses dias, vai em contramão ao postulado na constituição. O Estado e os seus agentes de segurança não têm o direito de vandalizar e violentar as pessoas através de prisões arbitrárias, perseguições com a justificativa de golpe de Estado.
As instituições da Justiça e as organizações de defesa dos direitos humanos e as organizações internacionais devem posicionar-se de forma contundente e tomar medidas cabíveis contra essas arbitrariedades do Estado. Do contrário, o país estará tomado por um clima de total anarquia estatal, onde a lei dos mais fortes impera. O Estado da natureza, onde o homem é lobo do próprio homem já não tem lugar na sociedade moderna e civilizada. É esse o caminho a qual a Guiné-Bissau não poderá fugir. Ser um estado moderno e civilizado, isto é, democrático e de direito.
OD: A Rádio Capital FM foi assaltada na segunda-feira por homens armados com AK 47. Que consequências essa ação pode trazer ao país em termos de avaliações por organizações internacionais que atuam no campo da liberdade de imprensa e de expressão?
FMF: A consequência deste ato bárbaro perpetrado, mais uma vez, contra a Rádio Capital irá manter a imagem negativa que o país vem acumulando ao longo dos últimos dois anos. É nítido para quem quiser ver, que houve um retrocesso gigantesco nos avanços que haviam sido alcançados em relação aos direitos fundamentais, nos quais a liberdade de expressão e da imprensa está incluída.
Nos últimos relatórios do repórter sem fronteiras, a Guiné-Bissau caiu do ranking que avalia os países com sérios problemas no domínio das liberdades de imprensa, ataques e perseguições aos jornalistas. E tudo indica que essa avaliação negativa da imagem do país vai aprofundar-se ainda mais com os acontecimentos do dia 7 de fevereiro, na Rádio Capital.
É importante frisar, por outro lado, que, as autoridades constituídas, os governantes têm responsabilidades perante estes atos, pois a eles cabe o dever de garantir a segurança às pessoas e às instituições. Mas o que se verifica nos últimos anos são as próprias autoridades que, em várias ocasiões, agridem verbalmente os jornalistas, chamando-lhes de vendilhões e “bocas de aluguer”, e visar certos órgãos de comunicação social como inimiga. Isto é grave, sobretudo quando se trata de um alto magistrado da república, quem deveria ser o exemplo de decoro e bons modos no exercício do cargo e da atividade pública. Essa atitude só contribui para criar um clima de guerra, pois, isso pode induzir os apoiantes do mesmo a sentirem-se no direito de agredir quem discordar dos rumos da governação. Infelizmente, é uma visão equivocada, pois na democracia, o contraditório, a liberdade de expressão é um dos seus pilares fundamentais.
OD: A voz di Paz é da opinião que a paz social está ameaçada?
FMF: Não posso responder a esta questão em nome da Voz di Paz. No entanto, como cidadão, ativista social e educador, diria que a paz social só seria “ameaçada” se ela existisse de fato. Assim, afirmo categoricamente que a paz, na sua dimensão mais ampla (existência da segurança humana, ausência do medo, proteção e garantias de bem-estar social, etc.) nunca existiu de forma concreta na Guiné-Bissau. Na verdade, a paz social para o povo guineense, não é uma realidade, tristemente, sempre foi uma miragem, algo a buscar e a construir.
Seria uma ilusão pensar na paz social sem que haja condições que conjugam para esse efeito, dos quais a realização da justiça deveria ser a primeira a ser vista.
Ademais, é impensável falar da paz onde impera a fome, a falta de perspetiva para o futuro. A paz é a consequência não a causa. As pessoas precisam ser educadas para a paz, tê-la como cultura, como modo de vida. A instituição família e a instituição escola têm um papel fundamental nisso, no entanto, pergunto, o que está a acontecer com estas duas instituições no nosso país? Estão completamente esfaceladas, abandonadas e em ruínas por conta da desorganização do Estado, que é o indutor do desenvolvimento em todos os seus níveis.
Portanto, esperar que a paz social aconteça sem a existência prévia de condições materiais de vida é pura utopia.
OD: A quem podemos atribuir essa responsabilidade?
FMF: Se partimos do princípio de que as pessoas, organizadas em sociedade, criam o Estado, alienando uma parte da sua liberdade em troca deste Estado lhes garantir a paz e a segurança em todos os níveis, digo que a responsabilidade da ausência dessas condições de segurança e da paz, na Guiné-Bissau, deve ser atribuída a este mesmo Estado, na pessoa dos seus agentes que são os governantes legalmente constituídos (Presidência da República, Governo, ANP, Ministério público, STJ, FDS).
As pessoas pagam os seus impostos, cumprem em parte os seus deveres enquanto cidadãos e, em contrapartida, merecem receber do Estado a garantia de bem-estar. A paz e a segurança estão igualmente no pacote destes serviços que devem ser prestados pelo Estado e seus decisores.
Lamentavelmente, o que se vê, na Guiné-Bissau é o contrário, os agentes do Estado são, em várias ocasiões, os maiores delinquentes, os maiores desestabilizadores da paz social, pois, quando desrespeitam as leis e garantias constitucionais, estão precisamente a pôr em risco os pilares da paz e da segurança desejada.
Contudo, isto não isenta os cidadãos e a sociedade Civil em geral de uma quota parte da responsabilidade nesta situação que se vive no país, pois, quando se calam perante atos de injustiça social, e de abuso de autoridade, estão de certa forma a dar carta branca aos agentes do Estado para perpetuar esses atos indecorosos e injustos, que em consequência, descambam para atos criminosos como os que assistimos atónitos, no dia 01 e 07 de fevereiro no palácio de governo e na estação da Rádio capital, respetivamente.
Por: Filomeno Sambú/ Assana Sambú
Conosaba/odemocratagb
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