sábado, 11 de julho de 2020

BASTA A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER NA GUINÉ-BISSAU: MINDJER I KA TAMBUR

O objetivo deste trabalho é refletir sobre as práticas da violência contra mulheres e as denúncias que estão sendo feitas pelas diversas organizações das mulheres, jovens ativistas guineenses.  A violência contra mulher vem aumentado na Guiné-Bissau, neste período da pandemia causado pelo vírus SARS-CoV-2 conhecido por COVID 19. As autoridades sanitárias do nosso país, sob a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), recomendaram a população manter-se o distanciamento social como a forma de conter o avanço e a proliferação da doença.
O confinamento obrigatório tem objetivo frear a curva de transmissão da doença, é uma das melhores formas de combater o inimigo invisível causado por Covid-19. A situação do confinamento tem aumentado os problemas sociais econômicos, sobretudo, no contexto de uma realidade em que as populações vivem em condições precárias de habitação e saneamento, sem o acesso sistemático à água potável. O mesmo fato também tem agravado as condições econômicas dos guineenses, principalmente das mulheres bideras (vendedeiras) seja elas fixas ou ambulantes que lideram o mercado “informal” sem puderem vender seus produtos perderam suas rendas mensais e diárias.
            No meio deste cenário do confinamento obrigatório, na tentativa de prevenção e do combate à Covid-19, cada dia que passa, surge as notícias nos meios de comunicação social e nas redes sociais, sobre a violência contra mulher no nosso país. A prática da violência contra mulher parece um fenômeno naturalizada em nossa sociedade, resultado de processos históricos construídos socialmente e sustentada pela base da estrutura da sociedade patriarcado em discussão.
            Esse tipo da estrutura da sociedade sob a centralidade do poder em masculino, coloca os homens como detentores de poder comparativamente com as mulheres. Essa forma de masculinidade hegemónica e tóxica naturaliza a "violência nas suas várias dimensões", algumas práticas e normas da convivência social constantemente são feitos/reproduzidos na base de múltiplas formas da violência contra mulher.
 As questões culturais e religiosas que marcam a diversidade étnica do nosso país, o universo das relações, econômicas, sociais e políticas incluindo a família reforçam a ideia de que o homem nasce superior e deve ocupar uma posição de liderar institucionalmente todos os espaços públicos e privados. Essa apetência secularmente construída, além de subalternizar à condição feminina, também impede mulher exercer o seu direito, enquanto cidadã livre e responsável pela direção da sua vida.  
Em maio deste ano, a sociedade bissau-guineense foi surpreendida com a divulgação de um vídeo íntimo de uma cidadã jovem guineense nas redes socais, além de ter a sua intimidade exposta ao público sem o seu consentimento, também a vítima foi brutalmente espancada, e coagida pelo seu próprio “parceiro”. Essa prática impiedosa e desconveniente rapidamente ganhou uma repercussão, com as denúncias de repúdio e condenação feitas por mulheres feministas ativistas acadêmicos guineenses, e algumas organizações de defesa dos direitos humanos, especificamente, de defesa e proteção dos direitos das mulheres exigindo intervenção exemplar do Estado para efetivação da justiça.
É urgente e necessário o Estado criar uma legislação específica contra crimes cibernéticos que proíba a exposição e divulgação de imagens íntimas nas redes sociais sem o consentimento da(o) parceira(o). Pois, isso fere a honra e a dignidade do ser humano, sobretudo, quando cenário envolve uma mulher. Nenhum tipo de violência deve ser combatida fora dos mecanismos jurídicos que punem o infrator, por isso, a criação da lei para combater a violência, contra mulher é imprescindível, uma vez que diariamente as mulheres são espancadas e violentadas sexualmente e os infratores são impunes.
A impunidade, a morosidade, a corrupção e a instabilidade política governamental fragiliza as instituições públicas estatais, poucos profissionais que atuam nelas são preparados a receber as denúncias e punir os praticantes do ato. É frequente quando uma mulher chega a uma delegacia de polícia para denunciar as agressões físicas, verbais e psicológicas sofridas, inúmeras vezes, suas denúncias não são levadas sérias, com a probabilidade de receber xingamento ou humilhação dos agentes policiais. Essa prática da impunidade, sobretudo de falta de apoio às vítimas “por razões da condição de sexo feminino” além de desestimular as denúncias, reforçam a escala da violência, pondo a mulher na situação da vulnerabilidade mais alta, sem o acolhimento e proteção do Estado.
  Neste contexto, é fundamental discutir a importância das políticas públicas, as suas reformulações e suas implementações deveriam ser prioridades nacionais, inclusive orçamentária ao combate à violência contra mulher. Algumas ações poderiam ser adotadas com implementação das políticas públicas, por exemplo, a construção do espaço de acolhimento e atendimento às mulheres em situação de violência em todas as regiões “Casa da Mulher” ou implementação de ambulatório especializado para mulheres vítimas de violência. Esses espaços poderiam trazer essas vítimas o sentimento de segurança, acolhimento, paz e sossego.
Um investimento sério na educação, especificamente nos anos iniciais poderá ser iluminador e transformadora da cultura de “Matchundadi” que impera na nossa sociedade que beneficia os homens agressores premiados por impunidades.
Recentemente um intenso trabalho de conscientização sobre violência contra mulher, vem sendo realizado pelas organizações das jovens mulheres guineenses nas mídias e nas redes sociais. Essas jovens ativistas decidiram lançar uma campanha intitulada “MINDJER I KA TAMBUR” “MULHER NÃO É TAMBOR”. Pode observar as fotografias das meninas postadas nas redes sociais, com sinais e cicatrizes de agressões físicas produzidas através da maquilhagem. O intuito é chamar atenção à sociedade sobre a forma que a violência física impacta nas mulheres. Essa estratégia simbólica da reivindicação e denúncia é um método criado pelas mulheres para que suas vozes sejam ouvidas e atendidas.
Imagem da campanha de sensibilização “Mindjer i ka tambur”
Numa conferência realizada na UFBA, em 2017, sobre o feminismo e luta contra o racismo, a ativista, feminista, negra estadunidense Angela Davis, afirma “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. É inegável a campanha lançada “Mindjer i ka tambur” está tendo efeito positivo na medida que vem provocando debates reflexivos e críticos, em torno da violência contra mulher, resultante da sua condição existencial. Uma iniciativa que intenciona desestabilizar a estrutura da sociedade patriarcado quebrando ciclos viciosos que tem naturalizado a prática da violência contra mulher na nossa sociedade.

Por fim, as mulheres guineenses se uniram as forças para combater a violência que afeta suas vidas, seja ela, física, sexual, psicológica, patrimonial etc., Essa iniciativa louvável e determinante precisa de uma resposta urgentíssima por parte do Estado guineense através de ações concretas que perpassa pela adoção das medidas necessários para o enfrentamento da violência contra mulher tais como: criação de políticas públicas; inserção de questão de gênero de forma interdisciplinar no currículo escolar; criação das leis e de outros instrumentos jurídicos de proteção dos direitos humanos e das mulheres; realização de campanha de sensibilização para a sociedade em geral.
A luta das mulheres não é contra os homens, portanto, os homens deveriam se conscientizar abraçando essa luta que mulheres estão fazendo responsavelmente e incansavelmente para impedir que a cultura da violência continue a imperar na sociedade. Só com o fim da violência que iremos construir uma sociedade justa, inclusiva e tolerante onde cada pessoa possa ocupar o seu espaço exercendo o seu direto e deveres sem o medo de represália.

São Francisco do Conde, 10 de julho de 2020

Leonel Vicente Mendes (Léo) Especialista em Gestão Pública. Pedagogo e Escritor, Mestrando em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA) Salvador, Brasil.

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