O objetivo deste
trabalho é refletir sobre as práticas da violência contra mulheres e as
denúncias que estão sendo feitas pelas diversas organizações das mulheres,
jovens ativistas guineenses. A violência
contra mulher vem aumentado na Guiné-Bissau, neste período da pandemia causado
pelo vírus SARS-CoV-2 conhecido
por COVID 19. As autoridades sanitárias do nosso país, sob a orientação
da Organização Mundial da Saúde (OMS), recomendaram a população manter-se o
distanciamento social como a forma de conter o avanço e a proliferação da
doença.
O confinamento
obrigatório tem objetivo frear a curva de transmissão da
doença, é uma das melhores formas de combater o inimigo invisível causado por Covid-19.
A situação do confinamento tem aumentado os problemas sociais econômicos, sobretudo,
no contexto de uma realidade em que as populações vivem em condições precárias
de habitação e saneamento, sem o acesso sistemático à água potável. O mesmo
fato também tem agravado as condições econômicas dos guineenses, principalmente
das mulheres bideras (vendedeiras) seja
elas fixas ou ambulantes que lideram o mercado “informal” sem puderem vender
seus produtos perderam suas rendas mensais e diárias.
No
meio deste cenário do confinamento obrigatório, na tentativa de prevenção e do combate
à Covid-19, cada dia que passa, surge as notícias nos meios de comunicação
social e nas redes sociais, sobre a violência contra mulher no nosso país. A
prática da violência contra mulher parece um fenômeno naturalizada em nossa
sociedade, resultado de processos históricos construídos socialmente e sustentada
pela base da estrutura da sociedade patriarcado em discussão.
Esse
tipo da estrutura da sociedade sob a centralidade do poder em masculino, coloca
os homens como detentores de poder comparativamente com as mulheres. Essa forma
de masculinidade hegemónica e tóxica naturaliza a "violência nas suas
várias dimensões", algumas práticas e normas da convivência social constantemente
são feitos/reproduzidos na base de múltiplas formas da violência contra mulher.
As questões culturais e religiosas que marcam
a diversidade étnica do nosso país, o universo das relações, econômicas,
sociais e políticas incluindo a família reforçam a ideia de que o homem nasce
superior e deve ocupar uma posição de liderar institucionalmente todos os
espaços públicos e privados. Essa apetência secularmente construída, além de
subalternizar à condição feminina,
também impede mulher exercer o seu direito, enquanto cidadã livre e responsável
pela direção da sua vida.
Em maio deste ano, a sociedade bissau-guineense foi
surpreendida com a divulgação de um vídeo íntimo de uma cidadã jovem guineense
nas redes socais, além de ter a sua intimidade exposta ao público sem o seu
consentimento, também a vítima foi brutalmente espancada, e coagida pelo seu
próprio “parceiro”. Essa prática impiedosa
e desconveniente rapidamente ganhou uma repercussão, com as denúncias de
repúdio e condenação feitas por mulheres feministas ativistas acadêmicos
guineenses, e algumas organizações de defesa dos direitos humanos,
especificamente, de defesa e proteção dos direitos das mulheres exigindo
intervenção exemplar do Estado para efetivação da justiça.
É urgente e necessário o Estado criar uma legislação
específica contra crimes cibernéticos que proíba a exposição e divulgação de
imagens íntimas nas redes sociais sem o consentimento da(o) parceira(o). Pois, isso fere a honra e a
dignidade do ser humano, sobretudo, quando cenário envolve uma mulher. Nenhum
tipo de violência deve ser combatida fora dos mecanismos jurídicos que punem o
infrator, por isso, a criação da lei para combater a violência, contra mulher é
imprescindível, uma vez que diariamente as mulheres são espancadas e violentadas
sexualmente e os infratores são impunes.
A impunidade, a morosidade, a corrupção e a instabilidade
política governamental fragiliza as instituições públicas estatais, poucos
profissionais que atuam nelas são preparados a receber as denúncias e punir os
praticantes do ato. É frequente quando uma mulher chega a uma delegacia de
polícia para denunciar as agressões físicas, verbais e psicológicas sofridas,
inúmeras vezes, suas denúncias não são levadas sérias, com a probabilidade de
receber xingamento ou humilhação dos agentes policiais. Essa prática da
impunidade, sobretudo de falta de apoio às vítimas “por razões da condição de
sexo feminino” além de desestimular as denúncias, reforçam a escala da
violência, pondo a mulher na situação da vulnerabilidade mais alta, sem o acolhimento
e proteção do Estado.
Neste contexto, é
fundamental discutir a importância das políticas públicas, as suas
reformulações e suas implementações deveriam ser prioridades nacionais,
inclusive orçamentária ao combate à violência contra mulher. Algumas ações
poderiam ser adotadas com implementação das políticas públicas, por exemplo, a
construção do espaço de acolhimento e atendimento às mulheres em situação de
violência em todas as regiões “Casa da
Mulher” ou implementação de ambulatório especializado para mulheres vítimas
de violência. Esses espaços poderiam trazer essas vítimas o sentimento de
segurança, acolhimento, paz e sossego.
Um investimento sério na educação, especificamente nos anos
iniciais poderá ser iluminador e transformadora da cultura de “Matchundadi” que impera na nossa
sociedade que beneficia os homens agressores premiados por impunidades.
Recentemente um
intenso trabalho de conscientização sobre violência contra mulher, vem sendo
realizado pelas organizações das jovens mulheres guineenses nas mídias e nas
redes sociais. Essas jovens ativistas decidiram lançar uma campanha intitulada
“MINDJER I KA TAMBUR” “MULHER NÃO É TAMBOR”. Pode
observar as fotografias das meninas postadas nas redes sociais, com sinais e
cicatrizes de agressões físicas produzidas através da maquilhagem. O intuito é
chamar atenção à sociedade sobre a forma que a violência física impacta nas
mulheres. Essa estratégia simbólica da reivindicação e denúncia é um método criado
pelas mulheres para que suas vozes sejam ouvidas e atendidas.
Imagem da campanha de sensibilização “Mindjer i ka tambur”
Imagem da campanha de sensibilização “Mindjer i ka tambur”
Numa conferência
realizada na UFBA, em 2017, sobre o feminismo e luta contra o racismo, a
ativista, feminista, negra estadunidense Angela Davis, afirma “Quando a mulher
negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. É
inegável a campanha lançada “Mindjer i ka
tambur” está tendo efeito positivo na medida que vem provocando debates reflexivos
e críticos, em torno da violência contra mulher, resultante da sua condição
existencial. Uma iniciativa que intenciona desestabilizar a estrutura da
sociedade patriarcado quebrando ciclos viciosos que tem naturalizado a prática
da violência contra mulher na nossa sociedade.
Por fim, as
mulheres guineenses se uniram as forças para combater a violência que afeta
suas vidas, seja ela, física, sexual, psicológica, patrimonial etc., Essa iniciativa
louvável e determinante precisa de uma resposta urgentíssima por parte do
Estado guineense através de ações concretas que perpassa pela adoção das
medidas necessários para o enfrentamento da violência contra mulher tais como:
criação de políticas públicas; inserção de questão de gênero de forma
interdisciplinar no currículo escolar; criação das leis e de outros
instrumentos jurídicos de proteção dos direitos humanos e das mulheres;
realização de campanha de sensibilização para a sociedade em geral.
A luta das
mulheres não é contra os homens, portanto, os homens deveriam se conscientizar
abraçando essa luta que mulheres estão fazendo responsavelmente e
incansavelmente para impedir que a cultura da violência continue a imperar na
sociedade. Só com o fim da violência que iremos construir uma sociedade justa,
inclusiva e tolerante onde cada pessoa possa ocupar o seu espaço exercendo o
seu direto e deveres sem o medo de represália.
São Francisco do Conde, 10 de julho
de 2020
Leonel Vicente Mendes (Léo)
Especialista em Gestão Pública. Pedagogo e Escritor, Mestrando em Educação na
Universidade Federal da Bahia (UFBA) Salvador, Brasil.
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