sábado, 23 de novembro de 2019

«O Meu Olhar» 'EM DEFESA DA HONRA' - JOSÉ MARIA PEREIRA NEVES

Cabo Verde é um país que se respeita. Sempre teve uma política externa hábil, pragmática, neutra e orientada para o desenvolvimento. Por isso mesmo afirmou-se, desde muito cedo, pelo seu prestígio na arena internacional, em grande parte por causa da boa gestão dos recursos públicos, particularmente os resultantes da ajuda pública, como um país útil. As inovações na gestão da ajuda alimentar, a contribuição para a independência da Namíbia e o fim do apartheid na África do Sul, o Acordo de Cooperação Cambial com Portugal, a Parceria Especial com a União Europeia, os exercícios militares da Nato, os compactos do Millennium Challenge Account são, a um tempo, exemplos de pragmatismo, de neutralidade, de argúcia e de utilidade no campo mundial.

Insisto nesta ideia: as relações externas, num pequeno estado arquipélago, dado à exiguidade do território e de recursos, são recursos estratégicos. Não se pode desperdiçar o enorme património de confiança e de prestígio já por nós acumulado, desde a independência em 1975.

Apesar dos constrangimentos inerentes, Cabo Verde sempre se respeitou e em nenhum momento foi subserviente face aos outros.

Vem este arrazoado a propósito da visita relâmpago a Cabo Verde, no último dia oficial da campanha eleitoral, do candidato presidencial da Guiné Bissau (as eleições terão lugar no próximo Domingo, 24) , apoiado pelo Movimento da Alternância Democrática (MADEM-G15), uma dissidência do PAIGC, Umaru Sissoko Embaló. Chegou num Jato particular (a Guiné Bissau é um dos países mais pobres do mundo), encontrou-se com o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, o Presidente da Assembleia Nacional, Jorge Santos, e alguns, poucos, militantes do seu partido, na Praia. Na sequência dos encontros, teceu duras críticas ao PAIGC, considerando-o um cancro, que deve ser extirpado, e o eixo do mal (onde já ouvimos isto?) da Guiné Bissau. 

Segundo ele, em Cabo Verde, o eixo do mal é o PAICV (presume-se que também deve ser extirpado do campo político), e regozijou-se com a sua derrota nas eleições de 2016.

Sempre que se tentou dividir o mundo entre o bem e o mal e impor o bem, os resultados foram catastróficos. Cada um, em Cabo Verde, no âmbito das famílias e alianças políticas a que pertence, pode apoiar este ou aquele candidato, eu mesmo apoio Domingos Simões Pereira, do PAIGC, como apoiaria o PS, em Portugal, o PSOE, em Espanha, ou o Partido Trabalhista inglês. Mas sempre numa perspetiva de tolerância e de respeito mútuo. Não posso, de modo nenhum, considerar os adversários políticos dos meus companheiros e amigos da esquerda democrática, como forças do mal, cancros que devem ser eliminados do espaço político. 

Sissoko Embaló, ao sugerir que um dos partidos políticos cabo-verdianos é uma força do mal, imiscuiu-se grosseiramente nos assuntos internos de Cabo Verde, desrespeitando gravemente o PAICV, um dos pilares da democracia. Os mais altos dignitários do país que o receberam deviam, no mínimo, exigir-lhe um pedido de desculpas. Hoje, ele insulta o PAICV, amanhã, aquele insulta o MPD, como ontem Faustino Embali, Primeiro Ministro recente e ilegalmente nomeado por José Mário Vaz, insultara grosseiramente o Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades de Cabo Verde, chamando-o de fascista e neocolonialista, pelo facto de apoiar as decisões da CEDEAO e da comunidade internacional a propósito da crise política naquele país.

Cabo Verde é um Estado de Direito Democrático, as instituições funcionam e são respeitadas. Os partidos políticos são pessoas de bem e esteios essenciais das liberdades civis e políticas e da democracia. Não se pode permitir que venha um candidato de outro país, ainda que amigo, contaminar o espaço político, maltratar os partidos políticos com assento parlamentar, e instigar a intolerância, a violência e o medo.

Só quem não se respeita e não tem sentido de estado pode permitir tamanho despautério.

Ainda vamos a tempo de reparar essa desconsideração ao nosso país e às suas instituições democráticas.

Ainda vamos a tempo de exigir um pedido público de desculpas.


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