segunda-feira, 18 de novembro de 2019

SISTEMA PARTIDÁRIO E SISTEMA ELEITORAL NA EXPLICAÇÃO DO VOTO NA GUINÉ-BISSAU: UM ENSAIO POLÍTICO


A Guiné-Bissau cumprirá mais um ciclo eleitoral no dia 24 de novembro de 2019. Todas as tensões da nação estão voltadas a essa ocasião determinante do destino dos guineenses nos próximos cinco anos. As mobilizações das camadas sociais nas campanhas eleitorais são evidentes. As pressões e as dinâmicas dos candidatos e partidos que lhes apoiam nos batem feito maré das águas do Atlântico que desaguam, irrigando vidas guineenses mesmo estando no estrangeiro.
Os utentes das redes socias são acordados todos os dias com as imagens das trajetórias dos candidatos nas suas tradições de apelo ao voto em diferentes regiões do país. O povo mais esperançado que nunca, chamará a si mesmo, outra vez, no dia 24 de novembro, para cumprir com a sua responsabilidade – votar para legitimar Chefe da Nação guineense. E nós como cidadãos guineenses sentimos o compromisso de gastar um tempinho para rebuscar o sal do pensamento sobre a realidade das eleições e voto no contexto democrático multipartidário.
O país no processo eleitoral
Com efeito, quando se fala do processo eleitoral como um instrumento através do qual o povo se materializa a livre expressão da vontade individual, coletiva e o gozo de direitos da cidadania reservados na constituição da República, no que concerne a escolha dos representantes políticos num estado democrático, entra no cenário dois grandes blocos de instituições: instituição de sistema partidário e instituição de sistema eleitoral. Em certos casos acrescenta-se, se é que podemos dizer, a terceira instituição constituída pelos candidatos.
Entender os efeitos dessas instituições sobre a ocorrência do voto é fundamental para analisar voto num dado país. Aliás, não faltam estudos que comprovam a existência do voto partidário e voto personalizado. Da mesma maneira que não nos carecemos de pesquisas que comprovam efeitos mecânicos e efeitos psicológicos dos sistemas eleitorais sobre o sistema partidário e orientação do voto dos eleitorados. Pois, ambos os votos e efeitos são explicados pelas instituições.
Um desses estudos é a tese de Doutorado da Mariela Campos Rocha (2018). Após ter analisado eleições em Argentina, Bolívia, Chile, Guatemala, Peru, Brasil, Colômbia, Panamá, Costa Rica, El Salvador, Venezuela, México, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Equador, ou seja, 17 países latino-americanos, Rocha conclui no resumo que “tanto os sistemas partidários como sistemas eleitorais exercem influência no comportamento eleitoral nos países latino-americanos”.
Com efeito, falar da América Latina não é falar da África e muito menos falar da Guiné-Bissau. Entretanto, pode-se inspirar numa dada experiência num determinado continente ou país, e a partir daí, buscar entender o seu contexto específico. Por isso, nós nos inspiramos na tese da Mariela Campos Rocha e propomo-nos saber o contexto eleitoral guineense por meio de uma pergunta fundamental. “Será que os sistemas partidários e os sistemas eleitorais exercem influência no comportamento eleitoral na Guiné-Bissau? Com a base afunilada nesta inquietação, procura-se, neste ensaio político, analisar o voto e o contexto das eleições presidenciais na Guiné-Bissau previstas para 24 de novembro de 2019.
Sistema eleitoral e sua influência no voto dentro do sistema partidário
Segundo Rocha (2018, p. 73), os teóricos políticos como José Antônio Giusti (1994); Arend Lijphart (1994) e Jiro Marconi Nicolau (2004) teriam definido o sistema eleitoral como um “ conjunto de regras que regulam as eleições, ou seja, a transformação dos votos dos cidadãos em cadeiras no Legislativo e em mandatos no Executivo e [...] variam entre países, estando previstos nas constituições de cada um deles”. Há ainda quem olha o sistema eleitoral na perspectiva de um instrumento estratégico intencional. Para José Antônio Giusti Tavares (1994, p. 34) apud (Rocha, 2018, p. 73), estes instrumentos de conversão dos votos em cadeiras e mandatos denominados sistemas eleitorais, são “construções institucionais política e estrategicamente concebidas e tecnicamente realizadas, para viabilizar e sancionar a representação política”.
Pode-se constatar dentro do sistema eleitoral duas modalidades diferentes e de origem temporal distintos. Modalidade de representação majoritária e a de representação proporcional. Esta última é aplicada na Guiné-Bissau nas eleições legislativas, enquanto a primeira aplica-se nas presidências. Ambas as modalidades exercem a influência no sistema partidário. Afinal, “todos os sistemas eleitorais em prática nas democracias têm de sub-representar os menores partidos e sobrerrepresentar os maiores” (NICOLAU e SCHMITT, 1995, p. 131 apud ROCHA, 2018).
Os partidos menores são vítimas enquanto partidos maiores ostentam-se de grandes privilégios em todos os sistemas políticos democráticos. “No sistema proporcional, como é o caso [da Guiné-Bissau], é o quociente eleitoral mínimo que faz com que pequenos partidos não alcancem uma cadeira e que os maiores fiquem com mais cadeiras do que os votos recebidos proporcionalmente” (ROCHA, 2018. P. 75). Este fato acontece nas eleições legislativas. A autora mostra que para Duverger (1995, p. 131 a 132), isso “opera mecanicamente e está livre de qualquer cálculo estratégico. Portanto, ele ocorre em uma eleição, e, para usar uma linguagem direta, depois de as urnas estarem fechadas” (ibidem).
Não tendo um partido ou partidos a representação ou mandato na legislatura anterior, os efeitos psicológicos negativos dessa ausência desdobram-se para eleição seguinte. Os eleitorados vítimas desse efeito psicológico conhecido pelo nome do seu teórico, o francês Maurice Duverger (efeitos psicológicos Duverger), encontram-se na dificuldade de votar nesse ou nesses partidos de novo com a justificativa de não desperdiçar os seus votos nos partidos que não terão mandato ou candidatos que não vencerão. Os partidos ou candidatos que se encontram nesta situação são penalizados pelo sistema eleitoral.
Na Guiné Bissau não custa muito ouvir dos eleitores afirmações como “ami nka dana nha voto na alguin ou partido ku na pirdi”; anta ki partido ou candidato tambin kin k na vota nel? Os votos dos cidadãos que partem dessa lógica são influenciados pelas regras do sistema eleitoral vigente.  Contudo, o combate das causas dessa defesa psicológica no sistema eleitoral guineense não interessa aos partidos maiores ou candidatos mais popularizados, exaltados ou enaltecidos pelo personalismo. Para as eleições legislativas, basta acabar com 29 círculos eleitorais e adotar um único círculo nacional o problema resolver-se-á. 
Enquanto isso, o sistema partidário é constituído pelos partidos políticos institucionalizados no país, criando condições favoráveis à interação e concorrência política para afirmação das agendas e políticas públicas. É do entendimento dos cientistas políticos que não se considere o sistema político num país sem interação partidária. Países de partido único são países sem sistema partidário. Para que haja o enquadramento do conceito do sistema partidário num Estado, este Estado tem que se apresentar, no seu exercício político, mais de um partido político concorrentes aos cargos representativos da Nação (SARTORI, 1976).
Um sistema partidário pode ser estável ou instável. No primeiro caso, o grau da alternância dos eleitorados é menor, devido forte identificação partidária dos eleitores com os partidos. No segundo caso, a alternância é maior porque a identificação partidária não é consolidada (ROCHA, 2018). Ainda, no sistema partidário, os partidos assumem a intermediação das relações e interesses dos cidadãos com o governo. Essa intermediação é, às vezes, reconhecida pela população, ora, a população não se sente identificada nela, percebendo o afastamento dos partidos com interesses dos cidadãos. Tanto o sistema partidário quanto o sistema eleitoral andam de mãos dadas com a campanha eleitoral.
A campanha eleitoral é entendida pela escola sociológica estadunidense como instrumento que “serve para reforçar as preferências prévias do eleitor e a decisão de voto ocorre a partir da identificação partidária, juntamente com as características socioeconômicas” (ROCHA, 2018, p. 45). Com base nisso, os eleitores que compõem a mesma característica socioeconômica podem ser conquistados pelo candidato ou partido. Na outra margem, a escola psicossociológica conceitua a campanha eleitoral como um dos processos de socialização política que a identidade partidária já havia sido estabelecida por meio da relação afetiva do eleitor com o partido ou candidato (ibidem). Esta segunda definição alinha-se mais para o caso de sistemas partidários consolidados.           
Sistema Eleitoral e Partidos políticos
Há necessidade de estender técnicas metodológicas para contornar, com menos dificuldades, o que se propõe analisar neste pequeno tópico. Levando em consideração o Estado democrático, busca-se saber quem são os que compõem o sistema eleitoral? Quem são os que organizam as eleições? Será que as características e as regras dos que organizam as eleições não interferem na decisão dos eleitores na Guiné-Bissau? Quem são os que formam o sistema partidário? E quem são os candidatos às eleições presidenciais de 24 de novembro de 2019?
Com efeito, o sistema eleitoral, no contexto democrático, é composto pelos partidos políticos. E a Guiné-Bissau como um estado democrático não constitui a exceção. Todas as instituições adotadas de poderes para planejar, organizar, dirigir, controlar e realizar o processo eleitoral são administradas pelas personalidades vinculadas (direta ou indiretamente) a um ou outro partido político. No caso da Guiné-Bissau, as duas grandes instituições responsáveis pelo processo eleitoral desde recenciamento até ao voto e divulgação dos resultados definitivos das eleições são GETAP (Gabinete de Apoio ao Processo Eleitoral) e a CNE (Comissão Nacional de Eleições).

Porém, há que se considerar a inovação instituída pelo atual governo liderado pelo PAIGC, tendo Aristides Gomes como primeiro Ministro. A novidade refere-se à criação do Ministério da Administração Territorial e Gestão Eleitoral tutelado pela Dra. Odete Costa Semedo e a criação da Secretaria de Estado da Gestão Eleitoral tutelada por Júlio César Nosolini. Portanto, essas duas últimas instituições estão claramente constituídas pelos partidos políticos.

As duas primeiras instituições (GETAP e CNE) ainda que possam ser consideradas “independentes”, as suas desvinculações totais das manipulações partidárias são duvidosas. O contexto em que os seus presidentes, secretários e diretores são eleitos, nomeados e escolhidos não passa de uma afirmação da vontade do partido que tiver a maior representatividade no órgão que exprime o poder legislativo (ANP) e por consequente o órgão do poder executivo, neste caso o governo, levando em consideração que o governo é, pela lei, na Guiné-Bissau, emanação parlamentar.

Deixando o aspecto micro, e partido do geral, as estruturas dessas instituições são preenchidas de uma forma pelos partidos políticos. Se admitirmos que num sistema democrático multipartidário, como aquele vigente na Guiné-Bissau, o país é governado por partidos políticos, portanto, há razões de admitirmos a conclusão da cientista político brasileira Mariela Campos Rocha (2018) que o sistema eleitoral é formado pelos partidos políticos. Dentro desses partidos, um ou uns ganham maior predominância e privilégio nas estruturas do sistema.  Porém, com isto não estamos a descartar a presença e a fiscalização dos atos dessas instituições eleitorais pelos outros partidos menos privilegiados na estrutura. Mas aí também pode entrar o provérbio guineense “kombersa di pobri ke ki sirbi na kau di toka tchur?”. Decide quem tem poder.

No entanto, num país pobre como a Guiné-Bissau, o partido dominante no sistema desfruta-se de vantagens diferenciados perante os seus adversários, visto que a sua projeção política maximiza-se; os seus impactos sobre os eleitorados não são menores; o seu discurso tende a diferenciar-se também dos concorrentes, porque terá oportunidade de falar dos dados empíricos das empreitadas do seu executivo; e acima de tudo, a sua capacidade “cínica”, emprestando o conceito de Erving Goffman (2014), efetiva-se sem maiores dificuldades. Quando falamos da capacidade cínica, referimos a capacidade de iludir os eleitorados enganosamente e gerar expectativas supérfluas neles para depois estranharem-se com ações dos políticos durante 5 anos de mandato.

Para melhor compreensão, importa deixar claro que os sistemas partidários podem ser estruturados em dois tipos: fluídos e menos fluídos. No sistema fluído, tanto a ideologia quanto programa são muito fracos. Isto é, não são catalizadores da decisão dos eleitorados, porque aparentam não ser prioridade as suas divulgações pelo partido, assim como pouco interessa aos eleitores as suas apresentações.

Do mesmo modo que a relação do partido com os eleitores carece de um vínculo sólido, ficando à mercê da fraqueza identitária. Melhor dizendo, neste sistema fluído “os arranjos entre partidos e eleitores são fracos. Esses aspectos geram ao mesmo tempo uma concorrência instável” (ROCHA, 2018, p. 20). Por outro lado, a falta da “institucionalização favorece a aparição de candidatos “outsiders”, [...]. Finalmente, os partidos contam com uma legitimidade e sua organização está dominada pelos seus líderes partidários” (ibidem). Rocha entende por candidatos outsiders como “independentes (sem filiação partidária) ou que pertencem a um partido que obteve menos de 5% dos votos para a câmara baixa na eleição anterior e não apresentaram candidatura à presidência em qualquer eleição antes da anterior” (ROCHA, 2018, p. 20).

Portanto, o sistema fluído é um sistema partidário em que a campanha eleitoral é fundamental para a obtenção de votos. O cenário no qual a influência dos líderes políticos vibra com maior intensidade. Nele, está-se perante condições favoráveis ao culto do personalismo. Todavia, é necessário que o sistema eleitoral valorize mais candidatos para que este sistema fluído possa se efetivar plenamente.

Ao sabermos que no sistema eleitoral guineense distingue-se duas modalidades: uma para eleições legislativas e outra para eleições presidenciais. A primeira orienta-se pela lista plural de cada partido concorrente, contendo os seus respectivos candidatos aos assentos parlamentares eleitos nos círculos eleitorais. E a segunda orienta-se pela candidatura de cada indivíduo-cidadão e não partidos com suas listas plurais. Conclui-se que o sistema eleitoral que se aplica nas eleições presidenciais na Guiné-Bissau valoriza mais os candidatos e não os partidos. O contrário se conclui quanto as eleições legislativas.

No sistema partidário menos fluído os votos orientam-se mais pelo partidarismo. É um sistema em que a ideologia e o vínculo programático entre o partido e os eleitorados são muito fortes. Para alguns pesquisadores no qual se encontra a Rocha (2018), este é um sistema partidário mais consolidado em que o sistema eleitoral no qual ele está enfiado volta-se mais para partidos políticos. Nele o personalismo ou a valorização dos candidatos ganha pouco relevo.

Procurando respondendo algumas questões levantadas no início, admitiríamos que sendo as eleições presidenciais que nos interessa neste ensaio político, tendo em conta o sistema eleitoral guineense apresentado abocado, diríamos que a modalidade do sistema eleitoral que se aplica à eleição presidencial na Guiné-Bissau favorece o personalismo ou culto dos candidatos. Por outro lado, o sistema partidário guineense pode ser interpretado como sistema fluído. Porque não é duvidoso que as ideologias não são determinantes num país como a Guiné-Bissau em que é muito difícil apontar ideologicamente o partido da direita ou esquerda, ou liberal, etc. todos aparentam ser indecisos ou sem ideologia clara definida.

Também a relação dos eleitorados com partidos parece não ser uma relação programada através de vínculos sólidos com os valores do partido. Então, é uma relação instável passível de mudar de um momento ao outro, dependendo da eficácia e influência dos candidatos e das lideranças nas campanhas eleitorais. Assim, não é de admirar, atualmente na Guiné-Bissau, a voga dos jovens e candidatos no culto da personalidade para caçar votos. Neste processo, contam também, no caso da Guiné-Bissau, os capitais material, financeiro e simbólico disponibilizados e a forma como foram distribuídos pelos candidatos no terreno. Quanto maior propaganda na campanha eleitoral, maior é a possibilidade de influenciar os votos indecisos por falta da ideologia estável definida e a fraca identificação partidária.

Intermitência do contexto político e dos candidatos
Entre várias variáveis do sistema partidário existentes, nos interessa aqui apenas duas delas: fragmentação e a estrutura de competição partidária. A primeira é conceituada pelos teóricos do sistema partidário Scott Mainwaring e Mariano Torcal (2006), e remete ao número de partidos ativos num país. A segunda é formulada por Peter Mair (1996). Para alguns pesquisadores do sistema partidário, “esta [segunda] variável indica a consolidação ou não do sistema de partidos de um país, medida em termos do “padrão de alternância no governo, da fórmula governamental utilizada (os processos de formação de governo) e de que partidos efetivamente participam da gestão” (MELO e CÂMARA, 2012, p. 78 apud ROCHA, 2018, p. 21).
Olhando para o sistema político-partidário guineense com estes pressupostos e a operacionalização das variáveis que atestam a competição partidária a partir da concepção do Peter Mair (1996), aplicando o sistema da estrutura de competição fechada e o sistema da estrutura de competição aberta, não nos resta a mínima dúvida que o sistema de competição partidária guineense é, até então, aberta. Porque num sistema da estrutura de competição aberta ocorre a “inovação total ou parcial na alternância do governo nos três últimos mandatos, o governo é multipartidário e disputa das últimas três eleições ocorre entre competidores variados” (ROCHA, 2018, p. 67).

A variação que se refere neste último ponto é a diversidade dos partidos políticos ou candidatos. Ao passo que num sistema de estrutura de competição fechada, verifica-se a perpetuação do único partido político ou coligação no governo durante três legislaturas consecutivas sem interrupções. Além disso, o único partido forma governo e os mesmos candidatos prevalecem por três mandatos consecutivos na concorrência eleitoral (ROCHA, 2018). Essa abertura da estrutura de sistema de competição acentua a dificuldade de apreensão da estabilidade do sistema partidário guineense e a previsão consistente dos resultados eleitorais. 

 Este ensaio, por se tratar da análise de um modelo de disputa assente no sistema eleitoral que valoriza os candidatos em detrimento dos partidos, há que se flexibilizar os conceitos. Assim, há necessidade de ressignificar a variável estrutural na estrutura de competição individual pela presidência da República e não pelo executivo. Daí que entra o número de candidatos concorrentes, (e pela extensão inclui o número de partidos que os apoiam) para atestar a variável fragmentação. Com a mesma flexibilidade aplica-se a variação da ocupação do cargo da presidência da república para atestar a variável da estrutura de competição.  
Presidencial de 24 de novembro terá 12 candidatos aprovados pelo Supremo Tribunal de Justiça. Sendo eles Mutaro Itai Djabi, candidato independente; Domingos Simões Pereira, candidato apoiado pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde PAIGC; Vicente Fernandes, candidato assegurado pelo Partido de Convergência Democrática PCD; António Afonso Té, oriundo e conta com apoio do Partido Republicano da Independência para o Desenvolvimento PRID; Nuno Gomes Nabiam, presidente da Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau APU-PDGB e apoiado pelo Partido da Renovação Social (PRS); Baciro Dja, apoiado pelo seu partido Frente Patriótica de Salvação Nacional FREPASNA; Carlos Gomes Júnior, candidato independente; Gabriel Indi, candidato assegurado pelo Partido Unido Social Democrático PUSD; Idrissa Djaló tem apoio do Partido da Unidade Nacional PUN; ex-presidente da República José Mário Vaz, candidato independente; Umaro Sissoco Embalo apoiado pelo maior partido da oposição Movimento para a Alternância Democrática MADEM-G15 e Iaia Djaló assegurado pelo Partido Nova Democracia PND.
Sem contar com outros partidos não mencionados aqui, tem-se dez partidos dispostos em torno de 12 candidatos. Portanto, pode-se admitir que a fragmentação dos candidatos e partidos refletirá na fragmentação da distribuição de voto. Para a estrutura da competição, quem conhece esses candidatos sabe que alguns já passara pela liderança dos órgãos da soberania. É o caso do ex-presidente da República José Mário Vaz, e antigos Primeiros Ministros: Domingos Simões Pereira, Baciro Dja e Umaro Sissoco.
Não obstante, não temos elementos suficientes para afirmar que a ocupação presidencial na Guiné-Bissau não é variável. Ainda que o fator histórico privilegie ou desprivilegie um ou outro candidato, a variação é notória se aceitarmos que desde a democratização acompanhada com a instituição do sistema multipartidário no início da década 90 do séc. XX, a Guiné-Bissau tem-se alternado partidos ou personalidades na presidência da república. Portanto, em termos dos candidatos a essa eleição de novembro 2019 é demasiado admitir que haja um padrão de alternância estrutural que favoreça um ou outro candidato. No entanto, isso não elimina a consciência do peso assimétrico dos partidos que apoiam os candidatos.
A maior parte dos candidatos que compõem este elenco não são novatos no cenário político nacional. Porém, devido aos privilégios de passar pelo sistema político governamental e os prestígios que seus partidos aparentam ter na sociedade guineense, alguns nos aparecem, à primeira vista, mais cultivados ou exaltados na sociedade. Enquanto muitos não gozam dessa oportunidade. No entanto, por enquanto, é difícil prever o vencedor dessa corrida, por razões evidenciadas atrás – o sistema é instável; a campanha eleitoral é alavanca dos votos; a cor do segundo turno é inapreensível, dependendo da capacidade de negociações dos que se classificarão para o segundo turno, se é que nenhum candidato vencerá com 50 % + 1 voto na primeira volta.
A relação dos candidatos da oposição no segundo turno, caso for necessário, ainda é imprevisível. Apesar do candidato Umaro Sissoco Embalo ter pedido aos principais candidatos independentes: Carlos Gomes Júnior e José Mário Vaz, incluindo o candidato da APU-PDGB Nuno Gomes Nabiam a formulação do acordo de apoio no segundo turno, caso um deles se classifique para esse turno, como condição de enfrentar Domingos Simões Pereira, não podemos concluir que o apelo será aceite pelos solicitados. Esse apelo prenuncia o reconhecimento da possibilidade das potencialidades do candidato apoiado pelo PAIGC materializarem-se favoravelmente na primeira volta. Isto é, a sua classificação para o segundo turno parece inquestionável.
Portanto, o contexto político e candidatos atuais são fluídos e instáveis. Este fato dificulta a mensuração da realidade com maior consistência. Assim, talvez após os resultados do primeiro turno e as dinâmicas dos candidatos para o segundo turno é que se possa apreender, com maior segurança, quem, provavelmente, será o futuro presidente da República da Guiné-Bissau.
Explicação do voto no sistema partidário dentro do processo eleitoral guineense

A muito que os pesquisadores do campo político tentam explicar o voto em diferentes países. Apesar das especificidades sociais, econômicas e culturais de cada país, há aspectos comuns observáveis na orientação do voto: personalidade, partido, lealdade, ideologia, história, espaço, raça, etnia etc., porém, não é menos comum encontrar perspectivas diferentes na explicação desse fenômeno, voto.
Para alguns estudiosos, os votos dos eleitores sobre um determinado candidato ou partido são influenciados, às vezes, por personalismo, ora, por lealdade ao candidato ou líder do partido. Para outros, os efeitos das políticas públicas do governo sobre a economia do país ao longo da sua governação é um dos instrumentos que os eleitorados utilizam para decidir o voto. Além dessas duas possibilidades, há os que acreditam na geografia espacial, ou seja, clivagens territoriais como fator determinante do comportamento do eleitor. Não é, portanto, menos raro depararmos com aqueles pesquisadores que defendem a identificação partidária como elemento fundamental na orientação da decisão dos eleitorados.
Dentro da literatura política especializada ao sistema partidário e sistema eleitoral, encontramos a concorrência das três teorias clássicas para a explicação do voto. A primeira delas é a teoria SOCIOLÍGICA. Essa teoria parte da macroestrutura na qual as configurações socioeconômicas, demográficas e ocupacionais são explicativas do voto. Nesta teoria, nos parece evidente que o pertencimento ao grupo ou condições sociais estão ligados ao comportamento eleitoral. Essa corrente surgida nos Estados Unidos em 1944, é formulada pela escola columbia tendo como principais pensadores Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet. (ROCHA, 2018). Importa salientar que estes autores desenvolveram também a teoria do fluxo comunicacional em duas etapas. Uma teoria que acredita no sistema micro., ou seja, o comunitário constrói o público.
A segunda teoria especializada é a famosa teoria PSICOSOCIOLÓGICA. Essa teoria afunila-se mais, abrangendo a microestrutura em diálogo com macroestrutura como a forma de explicar o voto. Logo, as motivações, percepções e atitudes dos indivíduos constituem variáveis que possam explicar o voto. É uma corrente que se emergiu nos Estados Unidos doze anos após a corrente sociológica, ou seja, em 1956. Ela admite a postulação da teoria que lhe antecedeu, no entanto, entende-a insuficiente para contornar a explicação do voto. Foi então que optou pelo modelo abrangente que leve em consideração “a relação afetiva e psicológica entre os cidadãos e os partidos políticos”. Essa concepção é dos autores Angus Campbell, Philip E. Converse, Warren E. Miller, e Donald E. Stokes (ROCAHA, 2018, p. 25).
A terceira teoria em busca da explicação do voto é conhecida como teoria da ESCOLHA RACIONAL formulada pelo economista e especialista em políticas pública e administração, nascido nos Estados Unidos em 1930, Anthony Dawns. Para essa teoria, os eleitores deparam com fluxo de informações maiores, e a forma de condensação dessa informação passa pela sua diminuição através da identidade partidária. Posto isso, a sua conclusão remete a ideia de que o uso da razão ou calculo racional alinhado à efetivação da ação explica o voto. (ROCHA, 2018).
Apesar de haver estudiosos que preferem uma das teorias ou modelos em cada caso ou país específico para explicar o voto, para nós, neste ensaio, todas as três teorias são válidas para explicar o voto na Guiné-Bissau. Se admitirmos que o pertencimento ao mesmo grupo social cria um feiticismo identitário; se aceitarmos que as relações de afetividade com um ou outro candidato ou partido favorece um certo comportamento de voto; e se acreditarmos que todo ser humano é racional independentemente das suas condições socioeconômicas, socioculturais e sociopolíticas, todas as teorias terão portas abertas na explicação da decisão dos eleitores.
Utilizar essas modalidades não pressupõe aceitação automática dos fatores de longo e curto prazo: ideologia partidária e efeitos de governo na economia durante uma legislatura, respectivamente. Fazendo sempre a ressignificação uma vez que se trata da eleição presidencial, diríamos efeitos do governo e da presidência. Os aspectos de longo prazo, ideologia, entendemos que é insignificante para explicar voto no caso guineense.
Os aspectos de curto prazo – impacto do governo e da presidência na economia do país – nos leva a avaliar os feitos do presidente cessante e os feitos de todos que já passaram nos órgãos da soberania, neste caso concreto, no governo. E para os que ainda não trilharam essas instituições, considera-se os seus prestígios e projeções na sociedade guineense. Entenda que estamos a referir os candidatos à presidência da República acima ilustrados e seus partidos apoiantes.
Na Guiné-Bissau as últimas eleições legislativas de março 2019 dão panorama que aparenta remeter às clivagens centro x periferia. As disparidades de atribuição de votos aos partidos políticos na capital em relação a regiões comprovam clivagens centro x periferia. No interior do país, a leitura que fizemos da realidade de voto não nos comprova a segurança de afirmar que existe clivagens entre zonas urbanos de interior e zonas rurais. Sendo que em termos gerais os votos são equilibrados.
Também não se pode admitir a existência da clivagem rico x pobre na capital guineense para explicar o voto. Isso porque em termos numéricos os “pobres” não se comparam com os “ricos”. Há mais “pobres” que os “ricos”. E o PAIGC não é, querendo ou não, o único partido da “elite guineense”. Mesmo assim, ele conquistou 60%, MADEM G15 com 30% e PRS apenas 10% de mandatos nos círculos eleitorais da capital.  Neste caso, a explicação do voto na capital guineense não passa pela clivagem de pobre x rico. Mas sim, o menor que podemos admitir, é o consumo de discursos predominantes e influência das personalidades ou lideranças fortemente articuladas. Enquanto nas regiões as dinâmicas nas campanhas eleitorais, o discurso identitário com modos de produção predominantes nessas localidades são fatores que possam explicar o voto.
Conclusão
De modo resumido, buscamos evidenciar que o sistema eleitoral guineense como sistema eleitoral de países Latino Americano influencia o voto. O sistema partidário guineense é fluído, porque os partidos não são identificados com ideologias específicas. A identificação dos eleitores com partidos não se explica pelos aspectos de longo prazo, mas sim pela influência e o personalismo dos líderes partidários.
A fragmentação dos candidatos à presidência 2019 refletirá na fragmentação dos votos. A relação dos candidatos no segundo turno é, por enquanto, imprevisível. Portanto, o contexto político atual é fluído e difícil de captar para formular previsões consistentes. A explicação que se tem do voto na capital desencontra-se com a que se tem nas regiões. As clivagens rico e pobre não explica voto na capital. A capacidade de produção dos discursos diferenciados nas regiões para integrar os modos de produção das populações do interior é a variável que possa explicar voto no interior do país.
O partido ou coletividade que adotar o culto da personalidade no contexto político guineense tende a colher vantagens nas eleições presidenciais e legislativas na Guiné-Bissau, porque o sistema partidário fluído ou instável depende dessa prática. As instituições que organizam as eleições não estão fora de controle dos partidos políticos, principalmente, do partido dominante no sistema eleitoral. Após o primeiro turno a dinâmica dos candidatos em termos de negociações decidirá quem será o futuro presidente do país. A possibilidade de não haver segundo turno é menor, dado ao número dos candidatos e fluidez do contexto político.
Brasil, 18/11/2019.
Justino Gomes
REFERÊNCIA
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana; tradução de Maria Cália Santos Raposo. 20 ed. – Petropolis, RJ: Vozes, 2014.
LIJPHART, Arend. Sistemas eleitorais e sistemas partidários: um estudo de vinte e sete democracias, 1945-1990. Oxford: Imprensa da Universidade de Oxford, 1994.
MAIR, Peter. Sistemas partidários e estruturas de concorrência. In: Larry Le Duc, Richard G. Nemi e Pippa Norris (eds). Comparando Democracias, p. 83 – 106.
NICOLAU, Jiro Marconi. (2004). “Sistemas Eleitorais”. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 2004
ROCHA, Mariela Campos. Comportamento eleitoral e instituições políticas na américa latina 2018. 142 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia e ciências humanas – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.
SARTORI, Giovani (2003) [1976]. “Partidos y sistemas de partidos”. Madrid: Alianza.
TAVARES, José Antônio Giusti (1994). “Sistemas eleitorais nas democracias contemporâneas: teoria, instituições, estratégia”. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
   
   
          


Sem comentários:

Enviar um comentário