Em abstracto,
a abstenção do Deputado pode ser
considerada sob uma de três dimensões: como voto negativo, como voto
positivo, como voto neutro,
expressão de uma posição agnóstica, sem qualquer significado para efeitos da deliberação.
Normalmente, o que se discute quanto à abstenção é a se a mesma se equipara a
um voto contra. A razão desta abordagem prende-se com o facto de a lei exigir
certa maioria para aprovar uma determinada deliberação. Donde que, se essa
maioria não é atingida, a deliberação não é aprovada. Forma-se, diz-se, uma
deliberação negativa. As abstenções relevariam negativamente. Contudo, o
argumento é reversível, se a pergunta quanto ao número de votos emitido em cada
sentido começar por ser a relativa à determinação dos votos negativos. Se na
plenária se encontram os titulares ou representantes de 101 votos e se os que
votam contra não forem suficientes para impedir a maioria necessária à
aprovação, então a deliberação dir-se-ia aprovada. Caso em que as abstenções
contariam favoravelmente. Na verdade, o Deputado que se absteve não votou
contra, donde que não pretendeu impedir a aprovação da deliberação. Assim,
formar-se-ia uma maioria positiva, na medida em que os votos negativos fossem
em número inferior à maioria requerida pela lei ou pelos estatutos. Contudo,
quer um quer outro dos sentidos é arbitrário, porquanto atribui aos Deputados
abstencionista uma intenção que ele, de todo, não expressou. O que ele exprimiu
é que não pretende exprimir-se, não pretende tomar uma posição. Adopta, pois,
uma posição agnóstica. Assim, o respeito da atitude do Deputado passa por não
dar qualquer relevância, nem positiva nem negativa, à sua abstenção. Como? Não
contando os seus votos para efeitos da determinação do denominador da fracção
(quórum deliberativo) correspondente à maioria exigida na lei ou no Regimento.
Por outras palavras, à abstenção não se
atribuirá qualquer significado deliberativo, respeitando a intenção de
neutralidade manifestada pelo interessado.
É justamente
esta ideia que a lei terá querido exprimir no Regimento da Assembleia Nacional
Popular da Guiné-Bissau. Nos termos
deste preceito, as abstenções não são tidas em conta para determinar se sobre
uma proposta se fez maioria, no sentido da sua aprovação ou da sua rejeição.
Por outras palavras, quer para efeitos de se apurar uma maioria positiva
(aprovação), quer para se apurar uma maioria negativa (rejeição) não se entra
em linha de conta com as abstenções. E percebe-se que a lei tenha mencionado maioria
quer no sentido da aprovação quer no sentido da rejeição, pois que, quando uma
proposta não obtém o número de votos necessários, diz-se que se formou uma
deliberação negativa, o que supõe, em regra, que se formou uma maioria
negativa. Por isso, a lei teve o cuidado de dizer que nem para a maioria que
determina a aprovação, nem para a que implica a rejeição se podem considerar os
votos dos Deputados que se abstiveram.
Assim sendo,
deparamo-nos com a terceira das alternativas indicadas, como forma de dar
resposta à preocupação e determinação da lei: não contar as abstenções, o mesmo
é dizer o números dos votos a que as mesmas correspondem, é relevante para o
apuramento da maioria exigida na lei. Dizemos em regra, porque nem sempre a rejeição
de uma proposta, uma deliberação negativa, pois, pressupõe uma maioria negativa
, ou pelo menos uma situação de empate, já que este, por definição, significa
que não se formou uma maioria positiva . Como para serem aprovadas necessitam
de obter dois terços dos votos correspondentes ao números dos Deputados, basta
uma minoria de votos igual ao número inteiro superior a um terço dos votos
emissíveis para que a proposta seja rejeitada.
Desconsideração
das abstenções apenas quando seja possível uma maioria positiva ou negativa?
Desde que a
lei menciona maioria, e já não uma minoria que impeça a aprovação da
deliberação, será que se pode dizer que a lei terá tido em vista apenas os
casos em que é possível formar-se uma maioria num sentido ou noutro?
Entendamo-nos: se nos casos indicados :
a) é possível
formar-se uma maioria quer positiva, quer negativa, no primeiro caso
considerando-se aprovada a deliberação, e no segundo rejeitada, já no que
respeita à b), isso não é possível. Na verdade, para a
aprovação das deliberações aí indicadas, é necessário que a proposta obtenha
votos correspondentes a dois terços de todos os votos possíveis, pelo que um
número de votos superior aos correspondentes a um terço do total determina a
rejeição da proposta.
Com o que a
lei não teria tido em vista no Regimento da Assembleia Nacional o único caso em que é possível formar-se uma
maioria positiva ou negativa.
O que, por sua
vez, explicaria a diferença de redacção entre a Constituição da República e o Regimento da ANP. Na verdade, naquele, a lei limita-se a dizer
que os votos dos Deputados, que se encontrem em situação de conflito de
interesses, não são contados para a determinação da maioria exigida na lei ou
no regulamento. Não diz a lei, contrariamente ao do Regimento , se a maioria é
a referente à aprovação ou rejeição da proposta. Embora, pelo contexto, seja
claro que apenas tem em vista a necessária à aprovação, já que a lei ou o
Regulamento apenas mencionam maiorias
para a aprovação da deliberação. Por conseguinte, enquanto os votos do impedido
legalmente de votar não seriam tidos em conta para a determinação da maioria,
provocando uma subtracção dos mesmos ao total, para efeitos de determinação do número
relevante, do denominador pois, os votos dos abstencionistas apenas seriam
subtraídos quando pudessem, em abstracto, contribuir para a formação de uma
maioria positiva ou negativa. Donde que, para efeitos da maioria , se devesse
descontar os votos dos impedidos legalmente de votar, mas já não as abstenções,
pois não pode formar-se, quanto às deliberações em questão, uma maioria
negativa. Apenas uma maioria positiva, que está, ela sim, dependente de não se
formar uma minoria negativa, que se assume de bloqueio.
Esta ideia
seria ainda confortada com o seu confronto com a solução consagrada nas normas
ou seja regras de funcionamento da ANP. As deliberações se consideram aprovadas
pela maioria absoluta dos votos correspondentes ao numero de Deputados presentes ou representados na ANP, e antes da
regra relativa à maioria qualificada necessária para as deliberações a que se
refere no Regimento da ANP e da Constituição da Republica, com o que a lei
teria querido limitar às situações , a não relevância das abstenções. Se pretende
que todas as deliberações, independentemente de se tratar de deliberações para
as quais é suficiente a maioria absoluta ou de deliberações para as quais é
necessária maioria qualificada, tê-la-ia colocado ou no início ou no fim do
preceito, e se entenderia por se ter querido restringir às situações ,a
irrelevância das abstenções, pois apenas quanto a elas se pode falar de maioria
de aprovação ou de rejeição. Mantendo-se a regra de que, quanto às deliberações
indicadas , as maiorias aí indicadas são inarredáveis.
Assim
sendo,
Que dizer?
Trata-se de
argumento literal muito frágil, porquanto a lei teve em vista a hipótese típica
da deliberação aprovada por maioria simples. Depois, provaria demais, porquanto
para a rejeição de uma proposta não é necessário que se forme uma maioria de
votos contrária à mesma, basta um número de votos igual aos positivos. O empate
na votação significa, como vimos, que a proposta não obteve uma maioria, que é
sempre representada por um número de votos favoráveis superior aos
desfavoráveis. Donde que, não se tendo formado a maioria requerida na lei, o
empate representa uma não aprovação ou rejeição da proposta posta à votação.
Desde que o empate é sempre possível em abstracto, não haveria nenhuma caso em
que se pudesse formar apenas uma maioria negativa ou positiva, pelo que a norma
não teria qualquer espaço de aplicação.
Depois,
porque, se é verdade que basta uma minoria de mais de um terço para impedir a
aprovação das deliberações indicadas , isso não impede, obviamente, que se
forme uma maioria negativa. Que o número de votos negativos seja superior ao
dos positivos.
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