Mas não foi sem segundas intenções que Hollande viajou à cuba: sua visita tem por objetivo garantir uma parte do mercado cubano para as empresas francesas.
Paris - François Hollande fez a peregrinação a Cuba dia 11 de maio e pôde encontrar Fidel Castro, como fizera François Mitterrand, seu mentor. Com uma diferença: depois de eleito presidente, Mitterrand não visitou Cuba, deixando o feito histórico ao atual presidente socialista, primeiro chefe de Estado francês a visitar a ilha no exercício do mandato e primeiro presidente ocidental depois do fim do embargo, decretado pelos Estados Unidos há mais de 50 anos.
Mas não foi sem segundas intenções que Hollande esticou seu périplo de vários dias pelos territórios franceses do Caribe (Martinica, Guadalupe, Saint-Barthélemy). Acompanhado de sete ministros, o presidente francês foi recebido por Raul Castro, a quem falta o carisma que o irmão esbanja. Seu encontro com Fidel foi mantido secreto até o último momento, pois dependia da disposição física do ex-presidente, que os jornais franceses chamam unanimemente de « ditador ». Alguns esquecem de mencionar que o país investe 13% do PIB na educação, um recorde mundial, e tem um sistema de saúde admirado mesmo nos países europeus.
A Revolução Cubana foi um farol para a esquerda latino-americana assim como para a francesa, vista como a solução para o espinhoso problema entre socialismo e liberdade, enquanto o regime não fez opções consideradas inaceitáveis. O entusiasmo dos intelectuais de esquerda diminuiu quando Fidel Castro apoiou a invasão da Tchecoslováquia pelas tropas soviéticas, em 1968. Além disso, houve depois uma grande repressão contra intelectuais e homossexuais cubanos. A partir de então, ficou difícil para os defensores dos direitos humanos defender o regime cubano. Os socialistas franceses passaram do entusiasmo à indiferença.
A visita de Hollande tem por objetivo garantir uma parte do mercado cubano para as empresas francesas. Em linguagem diplomática o presidente disse que a França quer « acompanhar a evolução de Cuba para a abertura, aprofundando as trocas bilaterais».
Foi outro Francisco, o papa, quem atuou diplomaticamente para que Obama e Raul Castro quebrassem o gelo em dezembro passado. João Paulo II visitou Cuba em janeiro de 1998, pediu « maior liberdade religiosa » e aproveitou para « condenar o neoliberalismo capitalista ». Qualificou o embargo a Cuba de « moralmente inaceitável ». Bento XVI visitou a ilha em 2012 e também condenou o embargo. Pequenos avanços foram registrados como a permissão de exportação de certos medicamentos, retomada de alguns voos e autorização para cubanos exilados enviarem dinheiro às famílias.
O papa Francisco deve, por sua vez, visitar Cuba em setembro.
Na sua rápida visita a Cuba, Hollande roubou de Obama o privilégio de ser primeiro chefe de Estado ocidental a visitar Havana depois do fim do embargo. Agora, passado o gesto simbólico, fica mais fácil falar de business pois a ilha de Fidel está no caminho de uma abertura para manter um regime forte dirigido por um partido comunista, como a China e o Vietnã, garantindo maior liberdade aos cidadãos.
No encontro com Fidel, o presidente francês não deve ter tratado de direitos humanos ou de presos politicos, como insiste a imprensa de direita. No entanto, em artigo publicado em 2003 e devidamente ressuscitado agora pelos críticos da visita, Hollande, então primeiro-secretário do Partido Socialista, chegou a qualificar Cuba de « ditadura » que virara um verdadeiro « pesadelo ».
Mas quando visitou recentemente o Qatar, a quem a França vendeu uma frota de aviões Rafale ou quando recebeu em Paris o presidente egípcio marechal Sissi, a quem a França também vendeu diversos Rafale, Hollande também não tratou de direitos humanos. E o mundo inteiro sabe que Sissi assumiu o poder depois de um golpe de Estado que destituiu um presidente eleito.
Afinal, como dizia seu mentor Mitterrand, « se formos apenas conversar com quem respeita os direitos humanos, sobrarão poucos ».
Os franceses e o mito da Revolução Cubana
O socialista Mitterrand encontrou-se com Fidel em Cuba, em novembro de 1974, quando o chefe da Revolução Cubana ainda entusiasmava parte da esquerda francesa. Foi tratado de « compañero » nos cartazes feitos para recepcioná-lo e visitou os lugares simbólicos da Revolução. Na ocasião, Mitterrand louvou Fidel, « um homem modesto, desejoso de ser compreendido, aberto, generoso, em busca de uma ética nova ».
Em 1982, ano seguinte à sua posse, Mitterrand despachou Jack Lang à ilha para encontrar Castro. Anos depois, Fidel esteve presente nos funerais do socialista, em Paris, em 1996.
A Revolução e Fidel Castro já tiveram uma quota de popularidade maior tanto na esquerda quanto na imprensa francesa. Os franceses viam no líder cubano a encarnação do desafio à arrogância do império ameriano. Na década de 60, os intelectuais franceses de esquerda faziam peregrinação à ilha : Gérard Philipe, Agnès Varda, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre foram os mais entusiasmados. O filósofo existencialista escreveu uma série de reportagens sobre sua viagem. Em seu texto, louvava « a coragem e a intransigência » de Fidel.
O grande editor de esquerda François Maspéro também era um fã da Revolução Cubana. Foi ele quem editou o livro de Régis Debray, « Révolution dans la révolution », que lançou a teoria do foquismo, inspirada em Che Guevara. Essa teoria foi muito popular entre os revolucionários brasileiros que resistiam à ditadura com as armas. O foquismo defendia a criação de focos de revolução no mundo como forma de enfraquecer o imperialismo.
Hoje, os mais críticos de Cuba preferem lembrar os prisioneiros politicos, a existência de partido único e falta de liberdade de expressão. O problema é promover uma modernização « sem se transformar num quintal mafioso dos Estados Unidos », como observou um diplomata francês.
cartamaior
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