Numa entrevista do Jamie Bartlett, autor do
celebre livro The people vs tech: How the internet is killing democracy and
how we save it (O povo vs tecnologia: como a internet está matando a
democracia – e como podemos salvá-la. tradução livre) concedida à Agência
Pública, publicada pela conceituada revista brasileira EXAME, em março deste ano
(2019). Ao ser questionado sobre a visão otimista, quase utópica que se tinha
sobre importância da internet, quando do seu surgimento, e as suas incongruências
hodiernas, ele responde o seguinte:
“A
primeira coisa que precisamos entender é por que fomos tão ingênuos no início.
Havia uma ampla visão de que o simples fato de tornar a informação mais
disponível e permitir que todos pudessem criar e compartilhar informação
transformaria o nosso ambiente em mais informado, politizado e racional. Eu
penso que boa parte da razão para essa crença veio do fato de que a maioria das
pessoas por trás dessa tecnologia são pessoas da costa oeste dos Estados
Unidos, da Califórnia. Pessoas extremamente liberais e grandes defensoras dos
poderes naturais da livre informação e alienados das reais questões do mundo. E
isso é só uma das explicações.” (Disponibilizarei o link da íntegra da
entrevista no fim do artigo)
A
meu ver o equívoco foi pensar que, com o surgimento da internet e
consequentemente das redes sociais, as grandes mídias tradicionais que
mantinham o monopólio de informações perderiam esse privilégio e, por
conseguinte, todo poder que exerciam sobre imaginário popular através da (des)
informação. E as novas mídias sociais seriam forças que estabeleceriam
equilíbrio na relação mídia tradicional vs povo/população ou audiência. Possibilitando,
deste modo, um trabalho informativo mais sério e independente.
Essa
tão aclamada perda ou pelo menos a diminuição de controle de informações por
parte das mídias tradicionais de fato ocorreu, hoje em dia, os grandes veículos de comunicação, tanto nacionais quanto
internacionais, dividem o protagonismo com as mídias alternativas. (redes
sociais sobretudo). Qualquer pessoa que tenha acesso à internet hoje consegue
se informar e passar informação através de blogs, páginas no facebook, twitter,
whatshapp, you tube, etc. Isso é benéfico à democracia, na medida em que
possibilita a pluralidade de ideias e desburocratiza, em certa medida, o acesso
à informação. todavia, tem seus ônus.
No seu artigo “A Internet e a Democratização
da Informação: proposta para um estudo
de caso”,
Lúcia Escobar afirma que “Com o surgimento da Internet o sistema de
comunicação viu surgir uma nova mídia que, entre outras transformações, não só
criou um novo sentido para a palavra feedback como o ultrapassou,
inserindo na relação emissor-receptor o conceito de interação.
Interagir, agir junto, demanda mais do que obter respostas dos receptores”, em
outras palavras, a autora está assegurando de que, a interação que as redes
sociais através da internet proporcionam, suplanta a arcaica relação
emissor-receptor (em que um emitia outro só recebia), agregando a isso a
interação, ou seja, a participação do receptor na produção da própria
informação.
Essa
talvez seja das particularidades das novas mídias, que as tornam de certa
maneira mais sensacionalistas do que as tradicionais, isto porque os utentes destas
novas mídias, principalmente youtubers e donos de páginas nas redes sociais, tanto
para passar a informação, quanto para formar opiniões, necessitam mais de receber feedback (da parte do seu público) em
forma de curtidas, comentários (positivos, obviamente!), compartilhamentos ou
coisas parecidas, do que a mídia tradicional.
E
no afã de arrancar esse retorno do público faz com que muitas das vezes
escolhem deliberadamente serem sensacionalistas e simplistas em suas
abordagens, e radicais em suas convicções. Sendo assim, é mais provável que
publiquem conteúdos que fazem com que
seu público senta raiva ou alegria do que conteúdo de reflexões mais
aprofundadas, ou seja, passam a jogar com as emoções do leitor ou ouvinte,
desprezando a parte reflexiva que deveria nortear esse exercício, falando
apenas o que sabem que tem potencial para gerar curtidas, comentários
agradáveis e compartilhamentos.
Por
outro lado, o excesso de informação proporcionado pelas mídias sociais constitui
um campo fértil para desinformação (disseminação de fake News), uma vez que,
somos diariamente bombardeados com grande volume de informações que acabamos
por ficar sem tempo/condição para nos dedicarmos a aprofundar sobre o assunto e
comprovar a sua veracidade através de checagem rigorosa; isso nos arrasta a um
certo fechamento ao nosso ponto de vista. Começamos apenas a procurar o que nos
convém, o que fala exatamente aquilo em que nós acreditamos. Esse fechamento do
leitor somada a necessidade de um bom feedback da parte dos informadores das novas
mídias formam um cenário perfeito para ascensão do autoritarismo, porque
ninguém escuta o lado divergente, isso é nocivo à democracia.
Para
o contexto guineense, talvez essa questão não constitui tamanha ameaça à
‘nossa delicada democracia, tendo em vista que apenas uma ínfima parcela da
população tem o privilégio/luxo de usufruir do serviço de internet no país. Apesar
disso, já temos alguns fenômenos nas redes socias (facebook em especial) dignos
das nossas preocupações. Me refiro as fake News que apareceram, em
grande volume durante o período de caça ao voto (campanha eleitoral) das
presidenciais de 24 de novembro deste ano (2019); que ditou um segundo turno
entre Domingos Simões Pereira e Umaro
Sissoco Embaló. E o vazamento ilegal/criminoso de
conversas privadas atribuídas a mais alta magistratura da nação, trata-se obviamente,
do vazamento de áudio que seria supostamente do senhor presidente José Mario
Vaz, que foi massiva e apressadamente partilhada nos aplicativos de Messenger e WhatsApp.
Talvez
tal evento não lhe incomodou, caro cidadão guineense, porque não aconteceu com
seu político favorito (que também fala coisas não muito republicanas, na calada
da noite), ou porque simplesmente você faz oposição ao presidente em questão,
no entanto, é importante saber que tal comportamento é criminosa e não deve ser
encorajado mesmo sendo com seu inimigo. Quanto mais se tratando do presidente
da República, pois além de ser uma flagrante violação de direito de
privacidade, é uma prova cabal de que todos nós estamos vulneráveis na matéria
da privacidade das nossas conversas, e entregues a capricho de quem quiser e
puder viola-la e nos expor ao mundo.
Para
terminar, o ativismo “político” partidário exacerbado que eclodiu na
Guiné-Bissau nas últimas eleições (a partir de 2014), encontrou na internet (redes
sociais em especial) um lugar propício para propagar o seu discurso de ódio,
tribalismo e desprezo a quem pensa diferente. São várias as páginas disponíveis
no facebook, sendo movidas por uma irresponsabilidade sem precedente, ora
publicando textos, ora fazendo live (diretos) em que proferem discursos inconsequentes e desprezíveis que, aos poucos
estão a solapar as mais preciosas bases
da democracia que é conviver com a diferença, distorcendo o conceito de
pluralidade de ideias para ofender o divergente, colocando como nunca em perigo
constante a nossa maior dádiva (unidade
nacional), que pressupõe a convivência harmônica de todas as “etnias’ e credos
religiosos. Cuidemos mais com esse instrumento, irmãos guineenses!
Por
Fernando Colonia (o bolamense)
Licenciando
em Ciências Sociais
São
Paulo, Brasil, 01/12/2019
Referências
BARTLETT, Jamie. Como
a internet está matando a democracia.
[entrevista concedida a] Ethel Rudnitzki, Agência Pública. EXAME, Publicado em
26 mar 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/tecnologia/como-a-internet-esta-matando-a-democracia/
Acesso em: 16/11/2019
ESCOBAR, Lúcia, Juliana. A Internet e a
Democratização da Informação: proposta
para um estudo de caso. NP 08 - Tecnologias da
Informação e da Comunicação do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
2005. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Juliana_Lucia_Escobar/publication/242705424_A_Internet_e_a_Democratizacao_da_Informacao__proposta_para_um_estudo_de_caso_1/links/56fba10b08aef6d10d916272.pdf/
Acesso em: 16/11/2019
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