domingo, 19 de julho de 2015

N'COK LAMA DEFENDEU TESE DE MESTRADO EM COIMBRA


N'cok Lama, natural da Guiné-Bissau, apresentou no dia 17 do mês corrente, às 14:30,  a sua dissertação sobre o tema: A Ideia de Justiça de Amartya Sen: Uma Reflexão Sobre a Teoria de Justiça, no qual, foi aprovado com distinção por unanimidade, obtendo a classificação de 17 valores

Mestrando: N’cok Lama
Apresentação da dissertação sobre o tema: A Ideia de Justiça de Amartya Sen: Uma Reflexão sobre a Teoria de justiça

Orientado pelo Doutor Diogo Falcão Ferrer, Professor Associado com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

A composição do Júri:
Presidente do Júri,
Doutor Luís António Ferreira Correia Umbelino
Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Senhores Vogais
Doutor Alexandre Guilherme Barroso Matos de Franco de Sá
Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Doutor Diogo Falcão Ferrer

Professor Associado com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
O objetivo da dissertação é pensar a justiça a partir da obra A Ideia de Justiça de Amartya Sen. Na obra, o autor reflete sobre os vários desafios decorrentes da nossa sociedade, tendo em conta a pluralidade de razões e a necessidade de um ponto de vista imparcial, que vá além do paroquialismo das posições. As diferentes razões e pontos de vista sobre a justiça refletem diferenças de pensamento, e todas elas abordadas de formas diferenciadas. Para Sen, a necessidade de transcender as limitações das nossas perspectivas: “requer uma disciplina relativa à argumentação ética e política, na medida em que, o requisito da imparcialidade conserva o seu carácter fundamental e inalterável”, porque o espetador imparcial pode fazer o seu trabalho e ser fonte de esclarecimento sem que, para isso, deva ser necessariamente o agente de contratos sociais ou utilitarista camuflado”. (Sen 2010, p. 202)
O ponto central do trabalho está assente na questão da justiça social à luz das perspectivas comparativa e transcendental. Uma das principais referências para a teoria de Justiça de Amartya Sen tem origem na linha de pensamento de Adam Smith em a Teoria do Sentimentos Morais de 1759.
De certa forma, o livro em estudo apresenta-nos um diálogo continuado com a filosofia, mas com incidência no pensamento de autores cujas obras tiveram impacto no pensamento económico, como são caso de Adam Smith; Karl Marx e John Stuart Mill, todos autores da linhagem seguida por Sen. Embora o principal interlocutor seja Rawls, Sen move-lhe críticas como uma teoria neocontratualista (p.71), a partir de um enfoque comparativo inspirado nos autores acima citados. Ao tecer a sua crítica com base em Smith, Sen não está a acusar Rawls de “paroquialismo”, mas a sua questão prende-se com a estratégia adotada por este para alcançar a “justiça como equidade” por meio da posição original.[1] Para além desse facto, uma grande parte da sua argumentação, sobretudo Formas de argumentação racional) (pp. 223 – 291), foi orientada para criticar o modo como as teorias económicas se apropriaram de conceitos filosóficos para sustentar a questão da justiça. Ao longo da leitura que realizamos da parte III: (Os Materiais da Justiça) (p. 391), notamos que Amartya fez uma adaptação ao Desenvolvimento como liberdade, nomeadamente no campo da teoria moral, no qual defendeu que: “o desenvolvimento pode ser visto como processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (Sen 1999, p. 17), na medida em que a justiça de um ato deve ser medida em termos de sua capacidade de promover as liberdades, no qual o resultado é uma identificação entre a justiça e o desenvolvimento.
Para terminar, Sen estabelece na parte IV uma relação entre o “uso público da razão” (425) que considera ser condição necessária para justificar a validade de juízos morais e a noção de “democracia”, entendida como governo baseado na discussão pública. Todavia o ponto central nesta discussão sobre a teoria moral é a oposição entre as perspectivas transcendental e comparativa. Para Amartya Sen, em uma sociedade onde existe uma coexistência de variados interesses, há sempre uma possibilidade de se gerar um discurso moral polifónico e com valores que, embora contrastantes, são legítimos. Sen, seguindo a mesma linha de Marx, admite que a filosofia não deve apenas cingir-se a interpretar a realidade, e sim, transforma-la (comparação focada em realizações e não em arranjos” (p. 36) como fez o “institucionalismo transcendental”. Para Sen a principal prioridade não é preocupar-se com os debates sobre o fundamento último da justiça, mas preocupa-o antes a existência de uma teoria que seja capaz de orientar decisões políticas capazes de dar incremento à justiça social. Apesar da oposição entre as perspectivas transcendental e comparativa que é um ponto central do livro, Sen não se desvinculou do iluminismo que, segundo ele, é o “caminho da razão” sob inspiração de Akbar (Imperador muçulmano de orientação iluminista e pluralista que governou Índia na década de 1590).
O apelo ao caminho da razão visa mostrar a capacidade que esta instância possui para ultrapassar as várias confissões religiosas, permitindo uma orientação pluralista, tolerante e universalista. Esta aproximação de Amartya Sen aos enfoques neoiluministas de Rawls visam mostrar os pontos de contato e de distanciamento entre as perspectivas transcendental e comparativa defendida por Sen. Para Sen a promoção de uma teoria de escolha racional conduz à promoção de interesses individuais (p. 63). Enquanto os autores da linhagem transcendental procuram criar teorias com capacidade de resolução de problemas morais, Sen cria um conjunto de orientação focada em organizar decisões dentro de um determinado campo, sem se preocupar com a perfeição dos problemas, mas sim em desenvolver novas formas de avaliação moral, tendo em conta as mudanças decorrentes nos valores sociais prevalecentes.
Ao se rever na posição de espetador imparcial mais liberal (imparcialidade aberta), Sen achou por bem não se aliar às teorias económicas que visam apenas apoiar interesses individuais voltadas para as questões da escolha racional. Todavia a particularidade do discurso de Amartya Sen é a apropriação da distinção clássica da jurisprudência indiana, entre niti e nyaya, que são palavras diferentes usadas pelo sânscrito antigo ligado à ideia de justiça. (Sen 2010, p. 59)
A justiça, segundo Sen, deve ser vista segundo duas definições diferentes, que correspondem a estes dois termos do pensamento hindú. Entre os principais usos de Niti encontram-se a “justeza organizacional e correção do comportamento”, como veremos mais abaixo. Nyaya, em contrapartida, designa “um conceito abrangente de justiça realizada”. Esta distinção é central para a conceção de Sen, porque mostra que a correção formal das instituições não é, por si, só, suficiente para definir a justiça, mas é preciso tomar em atenção o tipo de sociedade onde essas instituições existem.
A justiça formal e a correção abstrata de instituições perfeitamente justas de nada servem se essas instituições são cegas para o outro aspeto crucial da justiça, ou seja, a prevalência de relações justas entre as pessoas e uma sociedade que realiza concretamente e materialmente a justiça. Sen fala-nos criticamente do Imperador Fernando I que, no séc. XVI, terá exclamado “Fiat justitia et pereat mundus” (“faça-se a justiça ainda que o mundo pereça”) (p. 60).
Portanto, a apropriação que faz da distinção clássica da jurisprudência indiana, dos termos niti e nyaya, mostra que Amartya quer orientar uma reflexão que permita fazer confluir as pessoas de todas as vertentes sociais, no que diz respeito ao cumprimento da justiça. Ao orientar a sua reflexão para noções hindus tradicionais, Sen tem como objetivo garantir espaços de avaliação ética que ultrapassa os limites impostos pelos utilitaristas e tem em conta a extensão de liberdade, admitindo que “ao fazermos uma avaliação das nossas vidas, temos boas razões para nos interessarmos, não apenas pelo tipo de vida que conseguimos levar, mas também pela liberdade de que efetivamente gozamos para que possamos escolher entre diferentes estilos de vida ou diferentes maneiras de viver as nossas vidas” (p. 313). Em Platão, o conceito de justiça envolve todo o comportamento do ser humano. A propria definição de justiça na perspectiva de Platão assume um caráter antropológico, uma vez que tem em conta o valor humano, fato esse que nos leva a acreditar que a forma de pensar de Amartya pode de algum modo ser conduzida a esta concepção antiga. Porque a sua preocupação inscreve-se também  nessa linha de caráter antropológico, não do homem enquanto ser solitário, mas do homem enquanto ser socialmente solidário.
 Conlusões: Conclui-se que a teoria de Amartya Sen apresenta uma importância acrescida para o estudo da justiça, na medida em que nos permite perceber as orientações da justiça dentro de um contexto social atual, sobre o que se prende com a realização da justiça.





[1] Sen 2010, pp. 187-188.



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