A obra “Guiné-Bissau, das contradições políticas aos desafios do futuro” da autoria de Luís Barbosa Vicente que brevemente será lançada pela CHIADO EDITORA. Testemunho de duas personalidades e académicos guineenses que já leram o livro.
PREFÁCIO «trechos»
(…) Esta obra do Dr. Luís Barbosa Vicente surge num momento muito
oportuno, atendendo aos recentes acontecimentos políticos na Guiné-Bissau,
apresentando reflexões pertinentes e recentes sobre aspectos relevantes da
esfera política, social e económica. A sua nota de abertura, aliás, traça um
quadro bastante lúcido e informativo sobre os desafios que se colocam e têm
colocado à Guiné-Bissau nos últimos anos. O título da obra é sugestivo e
cativante, chamando a nossa atenção para as tradições e contradições políticas
que hoje se vivem na Guiné-Bissau, projectando-nos para o futuro e para os
desafios que iremos enfrentar.
(…) Luís Vicente tenta casar a Economia e a Política, trazendo à ribalta
o velho debate com o qual já se debatiam os antigos intelectuais gregos (…) de
certa forma, considerava-se que a imaginação política precisava de ser
protegida da experiência económica. A lógica deste raciocínio é simples: para
Platão, a economia parecia operar com base na necessidade e na ganância,
enquanto a política devia operar com base na justiça e no direito. Mais perto
dos tempos modernos, a separação entre economia e política adoptou um contorno
diferente». De uma forma implícita, Luís Vicente convida o leitor para esta
discussão, apresentando diferentes perspectivas que combinam aspectos políticos
e económicos. Caberá ao leitor posicionar-se neste debate, em função das suas
preferências. (…)
(…) A primeira parte do livro inicia-se com um ensaio económico sobre os
desperdícios da política e dos políticos, argumentando sobre o
subaproveitamento do potencial económico guineense devido à constante
instabilidade política, com destaque para o impacto das decisões políticas no
Produto Interno Bruto «PIB». O capítulo seguinte debruça-se sobre a confiança
institucional, apresentando-se como uma reflexão sobre a transparência e o
rigor. Segue-se uma discussão sobre os factores que podem ter levado ao
fracasso do Governo de Base Alargada, recorrendo a declarações de vários
actores políticos.
(…) A caracterização do Partido Africano para a Independência da
Guiné-Bissau e Cabo Verde «PAIGC» e a reflexão sobre o legado de Amílcar Lopes
Cabral constituem também o tema de um dos capítulos. Vale a pena destacar aqui
dois aspectos fundamentais do pensamento de Amílcar Cabral: por um lado, o
reconhecimento de que a luta de libertação nacional não seria ganha pela sua
geração, mas sim pela geração seguinte, já que a libertação mais importante era
intelectual e não física, política ou militar. Isto pressupõe que a luta de
cada geração consiste em preparar o terreno para a geração seguinte. (…)
(…) A primeira parte da obra de
Luís Vicente termina com dois capítulos mais relacionados com a participação
dos cidadãos e com as condições para o exercício de uma cidadania activa na
Guiné-Bissau. A segunda parte desta obra inicia-se com uma breve caracterização
da Administração Pública guineense, essencialmente com base em diferentes
testemunhos, sugerindo depois algumas ideias para a sua reforma/modernização.
(…) Todos os capítulos seguintes desta parte apresentam projectos e
exemplos concretos relacionados com a Administração Pública – um projecto de
Modernização Administrativa e Governação Electrónica, uma parceria entre a
Câmara Municipal de Bissau e a Câmara Municipal de Rio Maior (Portugal) e um
estudo de caso no âmbito da capacitação da Administração Pública, com enfoque
na formação de recursos humanos. Estes textos revelam a longa experiência do
nosso conterrâneo Luís Vicente e o seu empenhamento em diversos projectos que
têm em vista a melhoria, ou seja, o aumento da eficácia e da eficiência dos serviços
da Administração Pública na Guiné-Bissau.
(…) Na terceira parte do livro, regressamos a temas mais relacionados
com a Economia, nomeadamente, a importância do sector privado e das suas
relações com o Estado, a gestão dos recursos pelos agentes públicos (com
retorno aos temas da responsabilização e transparência), o paralelo da Mesa
Redonda de Bruxelas com o financiamento a Angola, o papel relevante da
diplomacia económica na escolha de parceiros e potenciais investidores, e o
caso concreto da cooperação com o Reino de Marrocos. O autor debruça-se, ainda,
sobre os mercados africanos emergentes, abordando tanto a criação de
integrações sub-regionais como o papel estratégico do continente africano como
um todo. (…)
(…) A obra “Guiné-Bissau, das
[con]tradições políticas aos desafios do futuro” não é uma obra fechada;
pelo contrário, é uma obra aberta, que aguarda por um debate permanente para a
construção de uma sociedade mais estável e próspera. O Dr. Luís Barbosa Vicente
mostrou já o seu valor em muitas iniciativas importantes para a Guiné-Bissau.
Este livro vem confirmar o seu papel como agente activo e preocupado com o
desenvolvimento e estabilidade política da Nação guineense, oferecendo-nos a
nós, leitores, oportunidades de reflexão e partilha de ideias para os desafios
do futuro.
Prefacio assinado
por, Doutor Livonildo Francisco Mendes Ildo (Doutor em Ciência Política,
Cidadania e Relações Internacionais).
POSFACIO «trechos» (1)
(…) A construção de uma nação livre implica, necessariamente, a construção
do seu progresso. Essa, sim, seria a tarefa fundamental do nosso processo
revolucionário, dizia Amílcar Cabral. Para Cabral, a verdadeira revolução só
teria lugar na objetivação e na vivência de condições concretas de prosperidade.
(…) À nossa geração cabe a missão histórica de concluir o processo
revolucionário e de abrir caminhos para um progresso crescente e sustentável.
É, justamente, neste cenário que enquadro a presente obra do meu amigo e
colega, Luís Barbosa Vicente. Um trabalho que emerge das inquietações e que
pretende abraçar os desafios do seu tempo. A obra “Guiné-Bissau, das
contradições políticas aos desafios do futuro”, posiciona-se no campo do
conhecimento e da reflexão crítica. Tal particularidade é a representação viva dos
desafios que se impõem à produção intelectual Bissau-guineense. Da obra destaco a exploração das dinâmicas de
funcionamento do nosso sistema político e a necessidade de serem inaugurados
novos quadros de participação cívica.
(…) Não resisto à tentação de fazer a minha própria apropriação da obra.
Até porque, o ato de ler livro é também uma espécie de tentativa de
expropriação. Depois de lidos, os livros deixam de ser propriedade de quem os
escreveu e passam a alimentar os pensamentos e os desejos dos que deles se
apropriam.
(…) Este trabalho é fundamentalmente um exercício que visa retirar as
roupagens de um sistema complexo, que reproduz o subdesenvolvimento e o
empobrecimento de um processo revolucionário que, em tempos, augurou a
implantação de um modelo progressista de sociedade. A apropriação que fiz
levou-me a refletir sobre as particularidades do nosso sistema político. As
cíclicas crises que assombram o nosso país obrigam a pensar nos quadros que
enformam o exercício político. Mais do que nunca, importa pensar no conceito
dominante de política na Guiné-Bissau. Isto leva-nos aos conceitos, aos modelos
cristalizados e legitimados e, finalmente, às orientações e aspirações dos
agentes que exercem e lutam pelo poder político.
(…) Afinal, para que serve a política? Esta é uma questão fundamental
cujo debate permite o posicionamento na raiz dos problemas. Amílcar Cabral,
principal concetualizador do pensamento político aplicado à nossa realidade,
mostrou que o exercício político é completamente irrelevante se não resultar na
melhoria das condições de vida das populações. Na esteira do seu pensamento,
podemos afirmar que a política é uma prática desprovida de sentido se não
proporcionar educação, saúde, trabalho, segurança, justiça e o bem-estar social.
Em suma, enquanto instrumento social, a política só ganha sentido se tiver uma
orientação humanista, reconhecida pelas realizações que se traduzem na melhoria
das condições sociais de existência das populações.
(…) O que vemos na Guiné-Bissau é uma orientação diferente. De uma
maneira geral os esquemas dominantes de exercício político apelam as lógicas essencialmente utilitaristas, que
concebem o exercício do poder enquanto oportunidades exclusivas de acumulação e
apropriação de recursos simbólicos e materiais. Temos, assim, em alternativa à
orientação humanista, um sistema vicioso que inscreve os seus agentes em
dinâmicas que perspetivam apenas o acesso, o reforço de posições e a
permanência nos circuitos do poder. Este quadro, que molda e enforma o funcionamento
do nosso sistema político, retira o bem-estar social da equação das decisões
político-estratégicas.
(…) Na Guiné-Bissau, as prioridades do exercício do poder encontram-se,
de uma maneira geral, orientadas para o reforço das lideranças e para a capacidade
mobilizadora dos partidos, de modo a cimentar e a legitimar protagonismos
individuais. As lutas pelo poder são esvaziadas de quaisquer princípios ideológicos, dando lugar às intrigas
palacianas, esquemas clientelares e a demagogia despudorada.
(…) As análises inscritas na presente obra evidenciam uma série de
processos endémicos, veiculados por um sistema viciado em modelos que, para
além de reproduzirem estruturalmente a pobreza e o subdesenvolvimento, criam também condições para os golpes
- militares e parlamentares - que empobrecem a nossa democracia. Um nado
quase-morto. A necessidade de mudança é uma evidência incontornável. Porém,
outra evidência é que o sistema político continuará tendencialmente impermeável
à mudança. Na atual conjuntura, qualquer liderança progressista que perspetive
uma transformação humanista do sistema será absorvido pelas dinâmicas
utilitaristas e relegado para um canto sem expressão do campo político.
(…) A mudança dificilmente decorrerá das dinâmicas internas do sistema
político. É necessário que essa pressão decorra de uma participação cívica
consciente e devidamente informada. Ontem, os guineenses mobilizaram-se para a
conquista da sua liberdade, exigindo o fim do colonialismo. Hoje, a luta
continua e a mobilização terá de se traduzir na exigência de políticas que se
coloquem ao serviço das pessoas e da melhoria das suas condições objetivas de
vida.
(…) A exigência e o escrutínio popular têm a potencialidade de
desencadear processos que obrigarão, por um lado, à fundação de visões
políticas progressistas e, por outro, à implementação e concretização dessas
mesmas visões. As mudanças na Guiné-Bissau dependerão do movimento das massas.
O desenvolvimento e a democracia são, acima de tudo, conquistas dos povos. A obra
“Guiné-Bissau, das contradições políticas aos desafios do
futuro” é um convite ao pensamento crítico e à
conceção de propostas alternativas. Não se fecha na crítica, emerge na ambição
de propor novos caminhos para o desenvolvimento. Trata-se de um trabalho que
ensaia o início de um percurso de incitação ao debate público e ao
questionamento crítico.
Posfácio assinado
por, Mestre Dautarin da Costa (Sociólogo)
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