terça-feira, 12 de novembro de 2019

A FALÁCIA DO "VOTAR ERRADO, VOTO INCONSCIENTE"

Estamos à beira de mais uma eleição, mais um momento que muitos de nós vão exercer seus direitos cívicos de voto, sendo cidadãos guineenses à altura de exercício de tal prerrogativa, que constitui uma das principais características da democracia desde seus primórdios na Grécia antiga, a pesar de algumas reinvenções e novas configurações ao longo do tempo, o quesito voto continua permeando a prática democrática na contemporaneidade.
Este artigo analisa as noções de padrão de comportamento eleitoral, visando proporcionar a compreensão holística sobre quais os condicionantes do voto, isto é, como fatores socioculturais, psicológico, territoriais e apreciação racional de custo-benefício influenciam senão determinam o voto dos eleitorados, ou seja, como votar e em que partido político ou candidato votar. Assim sendo, com base nesta elucidação pretende-se descontruir as falácias grafocêntricas desprovidas de cientificismo e movidas pelo preconceito contra os moradores de zona rural, caracterizada por precariedade de vários níveis.
 É um axioma, aliás, é indubitavelmente visível  o rotulo que a nossa elite política, intelectual e econômica, bem como a maioria dos moradores da capital Bissau principalmente, fazem sobre  os eleitorados menos escolarizados e que vivem em regiões que compõem a divisão administrativa do território guineense e partir disso criou-se no imaginário coletivo uma narrativa simplista, incongruente, preconceituosa e de arrogância grotesca advinda, evidentemente de um nanico repertório conceitual e analítica sobre comportamento eleitoral, vide a repercussão dos discursos proferidos por algumas personalidades políticas nas últimas eleições legislativas deste ano e a discussão que se faz no meio acadêmico e social sobre a temática em questão.
 Com isso, considera-se que os eleitores menos escolarizados e das zonas rurais “não sabem votar, são facilmente enganados”, em outras palavras, é fácil manipulá-los e comprar seus votos, haja vista o nível de precariedade socioeconômica e material que permeia o cotidiano destes indivíduos, por exemplo, se diz basta só “oferecer-lhes” gêneros alimentícios ou construir uma pequena infraestrutura  escolar, isso se for fazer muito, em suma, é só resolver de ponto de vista material mesmo que seja sazonalmente alguns problemas sociais básicos duma determinada comunidade (aldeia) que o Estado guineense não consegue dar conta há muito tempo.
Agora adentramos na questão principal deste artigo que é a falácia do “votar errado”, ou não saber votar. Primeiramente vale lembrar que comportamento eleitoral é um dos campos mais antigo e importante da ciência política, a partir do qual se versa sobre fatores que explicam o comportamento dos eleitores, isto é, por que votam e como votam. Daí que, se considera que nenhum voto é irracional, Key Jr. (1966) adverte que os eleitores “não são tolos”. Demonstrando deste modo que, a maior parte dos eleitorados comportam de forma racional e responsável do que prevê o senso comum, eles são influenciados por fatores como: escolhas que lhes são oferecidas e as informações que estão disponíveis.
Por seu turno, Telles e Mundim (2018, p.350), a partir das principais abordagens sobre os eleitores avaliam e classificam a decisão de voto em: macroprocessos e microprocessos. O primeiro é entendido a partir de dois paradigmas principais:  o histórico cultural e político institucional. A dimensão do microprocessos avalia a participação política e o comportamento eleitoral dos atores numa perspectiva individual, particular. Por outro lado, Figueiredo (1991) e Bartels (2008), falam das teorias sobre a decisão de voto e as classificam em: sociologia de voto, psicologia do voto e a escolha racional.
Resumidamente a sociologia do voto, ou voto sociológico, sustenta que as pessoas votam em grupo” e “uma pessoa pensa politicamente, como ela é, socialmente” em suma, esta corrente busca entender a maneira como processos socioeconômicos e culturais interferem na conduta política dos eleitores. A psicologia do voto ou voto psicológico, demonstra a proeminência dos valores adquiridos no processo de socialização que podem ser determinantes para decisões políticas, na qual o voto é direcionado ao partido ou candidato que melhor represente esses valores, ou seja, esta corrente enfatiza mais a relevância que os valores (morais, sociais e políticos.) adquiridos durante os processos de socialização podem exercer na decisão política de votar.
Finalmente analisa-se a escolha ou voto racional desenvolvida grandemente pelo Anthony Downs (1999 [1967]), na perspectiva deste autor “os eleitores são indivíduos racionais, entendendo-se por isso autointeressados, seja no próprio bem-estar (egoísta) ou no bem-estar alheio(altruísta)”. Ou seja, os eleitores dispõem de competência de classificar suas preferências baseadas nos benefícios esperados de cada uma das suas escolhas e opções que lhes são oferecidos, bem como de propor ação mais acertada para alcançar seus objetivos ou metas. Em outras palavras, para este autor, a ação de votar é resultante de uma avaliação baseada na relação custo-benefício de certa atitude ou decisão participativa. Por conseguinte, salienta que “ao atuar de modo racional, o eleitor busca diminuir os custos de sua participação e aumentar suas vantagens pessoais”.
Com base nestas abordagens sobre elementos que constituem a dinâmica de decisão política, mormente a de como os eleitores votam e por que preferem um candidato/a em detrimento de outro/a, pretendo chamar atenção à nossa sociedade em geral, especialmente aquelas pessoas que tiveram oportunidade de serem mais escolarizadas, e obviamente as que vivem no centro urbano (capital Bissau), que incontestavelmente têm mais vantagens de acessos às informações e melhores condições de vida, precisamos entender que nossas necessidades de ponto de vista material são quase que totalmente adversas e que votamos em um candidato ou partido político a partir duma reflexão lógica acerca das nossas necessidades e questões matérias prementes que permeiam nosso dia a dia, a mesmíssima lógica funciona com indivíduos menos escolarizados, de classe baixa e que vivem distante da capital.
Portanto a minha intenção aqui é admoestar e lembrar aos meus compatriotas que, primeiro: não existe voto errado ou voto inconsciente; segundo: os votos ou as escolhas no campo eleitoral não têm uma relação intrínseca e verossímil com o nível de escolarização ou com a dicotomia territorial urbano/rural, quer dizer que, o fato de ter mais nível acadêmico, morar na capital e  ter mais acesso às informações não torna automaticamente seu voto melhor, certo ou mais racional que o de qualquer pessoa desprovida destes atributos.
Para finalizar, exorto a todos/as que abstenhamos deste preconceito farsante que considera o voto certo só quando é conveniente, e errado quando não, e que saibamos respeitar a liberdade de pensamento e escolha de cada cidadão pautada geralmente nas demandas básicas individual a priori, e posteriormente na coletividade republicana.
Nha mantenhas, pa Deus abenssua nô Guiné-Bissau!

Por: Nando Paulo Suma
Bacharel em Humanidades e Licenciando em Ciências Sociais na UNILAB
São Francisco do Conde, Bahia, Brasil. 11/11/2019

Referência:
TELLES, H.S.; MUNDIM, P. S. Comportamento eleitoral e comunicação política. In: MENDONÇA, R. F.; CUNHA, E. S. M. (org.). Introdução a teoria democrática: conceitos, histórias, instituições e questões transversais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018.

Sem comentários:

Enviar um comentário