José Sócrates diz, em entrevista divulgada esta noite pela SIC, que é esta "a resposta que falta". O antigo primeiro-ministro volta a criticar as fugas ao segredo de justiça e a teatralidade da sua detenção.
O ex-primeiro-ministro, detido preventivamente desde novembro por indícios de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, volta a criticar a investigação e "as suas presunções" numa entrevista divulgada esta noite no "Jornal da Noite", da SIC. José Sócrates caracteriza o perigo de fuga que fundamentou a sua prisão preventiva como um "absurdo", refere-se à sua detenção como um "espetáculo", e critica as fugas ao segredo de justiça que, diz, "mostram que este processo assenta muito mais em teorias e presunções do que em provas e indícios concretos".
Reafirmando que "esta prisão preventiva é abusiva, desproporcionada e ilegal", Sócrates defende que há uma pergunta a que a acusação deveria responder. "Onde é que estão as famosas 'provas' ou os 'fortes indícios' dos crimes que me imputam? E, ao certo, de que crimes concretos é que estamos a falar?", diz, considerando que enquanto faltar esta resposta "nem esta prisão preventiva se justifica nem este processo pode ter futuro".
"É cada vez mais claro que neste caso se prendeu para investigar. O que aconteceu aqui foi uma total precipitação de quem estava tão cego pela sua intenção persecutória ou tão convencido da sua teoria e das suas presunções que avançou sem provas ou sequer fortes indícios de quaisquer crimes", afirma.
O antigo chefe de governo recusa entregar-se "ao exercício voyeurista" de descrever o seu dia-a-dia no Estabelecimento Prisional de Évora, mas tem muito a dizer acerca das fugas ao segredo de justiça, de que também é acusado pelas entrevistas que tem dado. "Sou obrigado a defender-me na praça públicaporque é também na praça pública que estou a ser acusado e julgado", justifica. "Era o que mais faltava que eu tivesse de assistir em silêncio à divulgação criminosa de informações manipuladas e objetivamente difamatórias sem fazer nada em defesa da minha honra e do meu bom nome", insurge-se.
"E não é só a violação do segredo de justiça, são as mentiras: malas de dinheiro que iam para Paris; o milhão descoberto num cofre que nunca foi meu; e agora um fundo que eu teria para "esconder" os imóveis que nunca tive. Tudo invenções e mentiras", realça, defendendo que o teor das violações do segredo de justiça é "sempre favorável à acusação".
"Parece que o Ministério Público acha que o que realmente perturba o inquérito é o exercício legítimo do direito de defesa da honra. Logo, a seguirmos esse raciocínio, a defesa do arguido é, em si, 'perturbadora'. Lindo!", censura. "O ideal do Ministério Público será, portanto, o de um processo onde o arguido esteja em respeito, viradinho para a frente, sem se defender. Porque defender 'é perturbar', acrescenta.
Referindo-se a Afonso Camões, atual diretor do Jornal de Notícias (do mesmo grupo a que pertence o DN), que admitiu ter avisado José Sócrates, em maio do ano passado, de que estava a ser investigado, o ex-primeiro-ministro garante que, na época, reagiu com "o desprezo e a indiferença" que, diz, sempre lhe mereceram os boatos e os rumores. "Não lhe dei mais importância que isso. No entanto, essa conversa ganha, hoje, outra relevância, tendo em conta o que entretanto se passou", admite.
Salienta, contudo, que a denúncia de Afonso Camões "significa que, ao menos neste caso, as violações do segredo de justiça vieram precisamente daqueles a quem compete fazer justiça e aplicar lei". De seguida, apresenta quatro factos que, na sua opinião, demonstram isso mesmo: "este processo está à guarda do procurador e do juiz; todas as 'fugas' ao segredo de justiça têm sido favoráveis à acusação; um diretor de jornal escreveu expressamente num editorial que os jornalistas obtêm informações deste processo junto dos próprios responsáveis pela investigação"; e, um artigo do jornal "Público" onde se lê "preto no branco", que as informações foram obtidas junto de "fonte judicial".
José Sócrates repete que o amigo Carlos Santos Silva, também em prisão preventiva no âmbito da Operação Marquês, lhe fez empréstimos, os quais tenciona pagar. "Essa é a verdade e não constitui crime, nem aqui nem em lado nenhum do Mundo", reafirma. "Ao contrário do que se pretendeu fazer crer, não há nenhuma contradição entre a existência desses empréstimos e o outro que também contraí, e entretanto paguei, junto da Caixa Geral de Depósitos. Tal como o facto de ter tido dificuldades de liquidez num certo período da minha vida não significa que não tivesse um horizonte financeiro, pessoal e familiar, compatível com o meu nível de despesas. Mas, já agora, sem querer 'perturbar' esta tão interessante discussão das várias teorias sobre a minha vida pessoal e financeira, talvez valha a pena recordar que estamos no âmbito de um processo criminal, que é suposto investigar crimes e sustentar-se em factos, não em opiniões sobre a vida dos outros", acrescenta.
Questionado sobre se alguma vez ajudou os negócios do Grupo Lena, mesmo depois de deixar o Governo, Sócrates responde:"Nunca, em nenhuma circunstância, durante todo o tempo em que exerci funções governativas, tomei qualquer iniciativa, diretamente ou através de terceiros, para favorecer as empresas do Grupo Lena ou do meu amigo Carlos Santos Silva. Não tenho nada que ver com a vida empresarial dele, ele nunca me pediu nada enquanto fui membro do Governo. A nossa relação fraterna é pessoal não é profissional".
O antigo governante confirma que, neste último verão, num almoço com o amigo Carlos Santos Silva e um administrador do grupo Lena, lhe perguntaram se poderia "diligenciar para que essa empresa fosse recebida" pelo vice-presidente angolano, Manuel Vicente. "Acedi ao pedido por mera simpatia e fiz esse contacto com gosto, sem nenhum interesse que não fosse ajudar uma empresa portuguesa, como, aliás, fiz com outras", garante.
Nesta entrevista à SIC, José Sócrates diz ainda que aguarda explicações do diretor do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), Amadeu Guerra, em relação a um e-mail que diz ter enviado a às 15h54 de 21 de novembro em que se mostrava disponível para dar todos os esclarecimentos sobre o caso, o qual só foi oficialmente recebido às 16h04 do dia 25. "Esse pequeno truque - ignorar o e-mail e sustentar o perigo de fuga - é muito revelador", considera, dizendo que "não é preciso ser adivinho" para saber que estava a ser investigado depois das buscas em casa do filho e da notícia da detenção de pessoas próximas.
Garantindo nunca ter fugido de nenhuma dificuldade, o antigo primeiro-ministro considera que alguém está a esforçar-se muito para não ver o óbvio quando se invoca o perigo de fuga como um dos fundamentos da prisão preventiva. "Eu vinha a entrar, não a sair!", diz acerca da sua detenção no aeroporto de Lisboa, "com todo aquele espetáculo mediático".
"A verdade é esta: a minha detenção nada teve a ver com Justiça, mas com espetáculo. Não se tratou de cumprir um qualquer objetivo jurídico legítimo mas teatralizar politicamente uma ação judicial", defende.
dn
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