Seria ingenuidade admitir que o governo grego, liderado por gente defensora de uma linha totalmente contrária à que impera na governança da União Europeia, conseguiria impor a esta a maioria das suas posições. Todavia, entre semelhante ingenuidade e o fanatismo tonitruante de que os governantes gregos foram forçados a praticar genuflexão e a ceder em todas as suas pretensões, na reunião com o Eurogrupo realizada no passado dia 20, vai uma distância carecida de ser preenchida pela lucidez.
Vamos lá então colocar algumas balizas neste espaço.
Primeiro: Não é preciso ser afeto ao partido Syriza para deduzir que a vitória deste nas eleições gregas e a facilidade e rapidez com que constituiu um governo agitaram as águas na UE. Nas últimas semanas elas têm estado em maré viva e não se antevê que voltem à calmaria anterior.
Segundo: As ideias essenciais dos governantes gregos, no tocante à recusa das políticas de austeridade, do apoderamento da UE por uma teia de burocratas e plutocratas, bem como das atitudes prepotentes da Alemanha, são partilhadas por milhões de cidadãos, traídos pelos partidos do tradicional arco do poder. Este número sofreu um impulso de crescimento com a chegada do Syriza ao palco das instituições europeias; devido aos acontecimentos recentes, ele ganhou mais simpatizantes na Europa do que na Grécia!
Terceiro: Não passa mais despercebido o facto de não haver diferença nas orientações dos políticos ditos socialistas ou social-democratas, centristas e liberais, instalados na cúpula da UE. Por exemplo, é estranho e inconcebível que o Presidente do Eurogrupo, um putativo ‘socialista’ holandês, advogue as medidas e soluções defendidas pelo governo alemão.
Quarto: Nos últimos anos os governos socialistas, social-democratas e trabalhistas têm sido arautos e implementadores de políticas neoliberais, causadoras de retrocessos no estado social e de outras catástrofes, enfileirando assim ao lado dos governos com outra matriz ideológica. O caso dos trabalhistas em Inglaterra, sob a batuta de Tony Blair e da falácia da “terceira via”, ilustra a involução de modo eloquente.
Quinto: Doravante não parece possível a manutenção deste quadro. Os partidos da família da social-democracia vão ter que se demarcar, de maneira convincente, dos erros cometidos, sob pena de perderem parte significativa do seu eleitorado. Isto já aconteceu na Grécia, vai ocorrer em Espanha e também poderá suceder, embora em menor escala (por enquanto!), em Portugal.
Sexto: Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, tem demonstrado, com atitudes e declarações inequívocas, uma acordada consciência da situação e da necessidade de proceder a mudanças de fundo. Obviamente não agiria desta forma, se não contasse com o suporte de outros líderes. A voz única da Alemanha não concita mais a concordância e o apoio, a obediência e submissão de que disfrutou até aqui.
Sétimo: Pouco a pouco, vão sendo condenadas e rejeitadas as medidas decretadas pela política de austeridade, inspirada na visão fanática de crucificação e punição das pessoas e da vida, de sacrifício da inteligência e da razão, de exaltação do nada do discurso único ou unanimismo burro e de encarceramento do pensamento divergente e livre. E igualmente a ditadura da imposição cede a vez ao cenário da negociação.
Oitavo: Esta aragem refrescante e regeneradora da União Europeia deve ser posta na conta do governo grego e dos seus posicionamentos. Abriu-se à Europa um horizonte novo, que há muito lhe fazia falta. Negar este contributo e o seu extenso e relevante significado corresponde a um ato de demencial e grosseira estupidez ou a um fanatismo do mesmo calibre.
Nono: Por tudo isto, a atuação do governo português é inqualificável no tocante às desastrosas consequências que comporta para a nossa participação na elaboração de uma nova estratégia europeia.
A ministra das finanças deslocou-se a Berlim, assumindo a pose da vítima apaixonada pelo algoz, a ponto de ter pedido ao anfitrião alemão que fosse implacável na rejeição de toda e qualquer proposta apresentada na reunião do Eurogrupo pelo governo grego. A conduta dela e a do seu colega espanhol atingiram um tal grau de servilismo dos interesses alemães, em detrimento da defesa das conveniências do povo espanhol e português, que surpreenderam e chocaram os ministros de outros países.
Cegas pela loucura de pôr antes de tudo as eleições, que terão em breve lugar nos seus países, as luminárias ibéricas não perceberam a importância da Grécia para a manutenção do Euro e da UE. Puseram-se a jeito; e, como paga da sua insanidade, receberam dos seus parceiros a moeda da desconsideração e do desdém. Enfim, como advertiu Victor Hugo, “a traição trai o traidor”.
Jorge Bento
22.02.2015
Obrigada Amigo.
ResponderEliminarA esperança é a que ou morre no fim ou nunca...a ver vamos.
Abraço
Maria Mamede