quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Reportéres Sem Fronteiras reforçam monitorização da Guiné-Bissau após ameaças do Presidente

No início da semana, o Presidente Umaro Sissoco Embaló referiu que a Guiné-Bissau é o único país lusófono onde "o jornalista insulta o presidente da república e vai dormir sem nada lhe acontecer", uma ameaça indirecta aos profissionais da comunicação social que está a valer o reforço da atenção dada pela organização Repórteres Sem Fronteiras à situação na Guiné-Bissau.

A organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras (RSF) está a reforçar a atenção dada ao que se passa actualmente na Guiné-Bissau, especialmente depois de as ameaças do Presidente surgirem num contexto onde vários jornalistas já foram directamente visados.

"Estamos atentos e reforçámos o nosso sistema de monitorização do país. Como é quase um país vizinho, podemos lá chegar através de estrada. Desenvolvemos uma parceria com uma série de actores, incluindo a Liga Guineense dos Direitos do Homem, com quem estamos em contacto, e estamos também em contacto com muitos outros jornalistas, incluindo Armando Lona, que é um activista e um jornalista que foi recentemente vítima de ameaças de morte. Participou numa marcha há alguns meses e foi detido juntamente com outros três jornalistas. Eram quatro e os outros acabaram por ser libertados. Mas o Armando não foi. Havia muita preocupação quanto ao seu destino, por isso tivemos de tentar pressioná-lo para que fosse libertado. No final, até os tribunais ordenaram a sua libertação. Mas ele só foi libertado depois de uma semana de detenção e em condições extremamente deploráveis", disse Sadibou Marong, director da representaçãos da RSF em Dakar em declarações à RFI.

Umaro Sissoco Embaló alegou na segunda-feira haver países onde os jornalistas eram alvejados nas ruas, contrariamente ao que aconteceria no plano nacional. Embaló deu a entender que se teria sentido insultado com o posicionamento do Sindicato dos jornalistas de Angola repudiando a sua suposta conduta "desonrosa" ao insultar, em público, uma jornalista no mês passado.

Esta oposição face aos jornalistas é uma tendência que a RSF tem vindo a observar desde a chegada ao poder de Sissoco Embalo e que se tem vindo a acentuar.

"No que diz respeito às críticas contra os jornalistas, é uma tendência a que assistimos na Guiné-Bissau com o Presidente Umaro Sissoco Embaló desde que chegou ao poder. É uma pessoa que tem uma relação extremamente difícil com os media. De um modo geral, ou tenta ameaçar os jornalistas, ou usa insultos, ou tenta impedir os jornalistas de trabalhar. 

Portanto, no caso da Guiné-Bissau, estamos actualmente numa espécie de guerra aberta entre os jornalistas e Sissoco. Recentemente, até o sindicato da imprensa da Guiné-Bissau começou a querer boicotar as actividades do Presidente e do Governo. Isto significa, em termos de perceção, que é a situação é extremamente difícil e estamos perante dois poderes que, aparentemente, não estão nas melhores condições para poderem conviver, o poder político e também os media, considerados como o quarto poder. Mas esta é uma tendência extremamente difícil que estamos a ver surgir na Guiné-Bissau. Gostaríamos de aproveitar esta oportunidade para perguntar ao Presidente se vai parar com este assédio contínuo à imprensa e proteger os jornalistas, mas acima de tudo permitir-lhes trabalhar em boas condições. E isso é o mais importante e é o que toda a gente está a pedir às autoridades do país", declarou o representante dos Repórteres Sem Fronteiras.

Mesmo se as amaeças são constantes e a má relação se tem vindo a deteriorar, este é um ponto extremamente grave das relações entre o Presidente e os meios de comunicação especialmente numa altura em que estão marcadas eleições legislativas para Novembro.

"Isto é extraordinariamente grave. Estes comentários são extremamente graves, e as autoridades políticas, ou pelo menos o próprio Presidente, não devem ser autorizadas a fazer isto sem quaisquer outros controlos e equilíbrios. O facto de ele ter chegado ao ponto de fazer tais observações, é preocupante. Não é apenas preocupante, é grave. É grave também porque estamos num contexto de eleições convocadas para o próximo mês de novembro, mas no caminho para estas eleições, estamos em vias de assistir à mais grave ameaça à liberdade de imprensa que o país alguma vez conheceu. 

Vimos na Guiné-Bissau que os jornalistas que se interessaram pelo tráfico de droga foram perseguidos e obrigados a abandonar o país. Há muito tempo que assistíamos a esta situação. Vimos, de facto, que as divisões, as rivalidades políticas tinham afugentado as pessoas. 

Por exemplo, uma estação de rádio como a Capital FM foi bombardeada e um dos seus colunistas mais famosos foi atacado na sua própria casa. Vimos também que as rádios comunitárias tinham sido encerradas e que lhes tinham sido atribuídas as famosas licenças com preços exorbitantes só para poderem emitir. 

Já vimos de tudo na Guiné-Bissau, mas esta é a primeira vez que assistimos a ameaças directas, dirigidas aos meios de comunicação social e aos jornalistas em geral. 

O objectivo é assustá-los, mas também encorajá-los a desenvolver uma maior auto-censura. É por isso que denunciamos estas afirmações com a maior energia. O papel de um Presidente não é o de ameaçar os meios de comunicação social, mas é sobretudo de protegê-los com base em políticas viáveis para que o direito à informação possa continuar a ter o lugar que lhe compete neste país", concluiu Sadibou Marong.

Por: Catarina Falcão
Conosaba/rfi.fr/pt/

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