[REPORTAGEM fevereiro_2022] O promotor de eventos culturais, Nadilé Cabral, insurgiu-se contra a decisão do governo guineense de decretar o novo estado de alerta para a prevenção de contágio do novo coronavírus, uma vez que continuam a registar-se aglomerações de pessoas em eventos culturais e lugares públicos.
Conhecido no mundo cultural por “Naca”, já participou e realizou vários concertos de artistas nacionais. Nadilé Cabral criticou a decisão do executivo guineense e contou que a comissão que preparava o concerto de Mussá Baldé “Ju Kendo”, inicialmente previsto para 19 de fevereiro, já tinha 80% dos preparativos prontos, o que inclui o pagamento do caché ao cantor “Ju Kendo” e ao seu convidado especial Saifon.
Nadilé Cabral informou que a comissão tinha pago igualmente o arrendamento do espaço para o concerto, que seria no estádio Lino Correia, e que os trabalhos de marketing, de divulgação dos flayers, outdoors e etc, estavam avançados.
“SÃO MILHÕES PARA UMA EMPRESA JOVEM INVESTIR E PERDER TUDO” – NADILÉ CABRAL
Em entrevista ao jornal O Democrata sobre o cancelamento do concerto devido às medidas sanitárias, Cabral acusou que a Direção-geral de Cultura de não ter contribuído para que os promotores dos eventos culturais pudessem ter coragem de investir, como também de ser um dos principais desmotivadores dos organizadores dos eventos culturais.
O promotor de eventos culturais revelou que, para atuar no Estádio Nacional 24 de Setembro ou Lino Correia , os músicos são obrigados a pagar uma licença cultural que não ajuda nenhum cantor nacional, porque “cobram um preço muito elevado para autorização do espaço, o que poderia ser num preço simbólico”.
Nadilé Cabral enfatizou que ultimamente a Guiné-Bissau já estava a ser o palco de concertos internacionais para os países da sub-região, tendo alertado que se as autoridades nacionais continuarem a agir dessa forma estarão a contribuir negativamente nas actividades culturais e a matar o avanço do setor cultural.
O também presidente da comissão do evento de “Ju Kendo” referiu que a medida do governo abalou e muito o trabalho que estava em curso. Relatou que esta não é a primeira vez que uma situação parecida acontece, sobretudo num momento em que se faz muito investimento.
“Investimos muitos recursos e não conseguimos recuperar nada quando os eventos são cancelados dessa forma”, criticou.
“Já aconteceu uma vez que investimos muito dinheiro por nada, corremos atrás de governo, não conseguimos nenhum reembolso, nem sequer um por cento daquilo que perdemos”, revelou, para de seguida lembrar que, nas histórias passadas, a direção-geral de cultura pouco ou nada tem feito para ajudar os promotores nacionais dos eventos culturais.
“Tememos que não façam nada de novo, porque não estão a fazer o trabalho deles”, salientou.
Cabral disse que o “repentino estado de calamidade” está a prejudicar os trabalhos dos promotores dos eventos culturais.
“Essas decisões não encorajam os jovens empreendedores guineenses”, disse.
“Tudo é investido no concerto. São milhões para uma empresa jovem investir e perder tudo, realmente não encoraja a ninguém”, lamentou.
“As pulseiras que já foram produzidas não servem mais para nada, porque o concerto foi simplesmente cancelado e não recebemos nenhum apoio das autoridades para compensar as perdas”, indicou.
Nadilé Cabral frisou que enquanto jovens, não estão a conseguir projectar e contribuir no avanço e desenvolvimento da cultura guineense, porque “as pessoas que trabalham neste sector correm riscos e muitas vezes temem investir muito dinheiro, o que pode contribuir negativamente na evolução dos cantores ou músicos”.
“O Governo está a falhar com os agentes que intervêm no setor da cultura. Desde a vigência primeiros estados de alerta e de calamidade, produzimos cartas e solicitamos encontros com o Alto Comissariado, inclusive apresentamos ao Alto Comissariado as dificuldades que temos tido e perdas que tivemos decorrentes dos investimentos que fazemos na organização de eventos que não são realizados. É desmotivador continuar a investir capital e sonhar em elevar o nível da cultura guineense. É preciso sinergia e coordenação. Embora a saúde esteja em primeiro lugar, não faz sentido cancelar alguns eventos e permitir outros que são realizados em espaços fechados”, criticou.
Naca disse não concordar com a decisão do executivo, porque “a aglomeração de pessoas noutros tipos de eventos foi permitida”.
“Concordaríamos se fossemos chamados para sentar à mesa e buscar uma maneira de colmatar os prejuízos”, referiu. No que tange à nova data do concerto do artista, Naca disse que tudo dependerá da agenda do músico.
Com o estado de calamidade, Nadilé Cabral disse não ter dúvida que o Carnaval, a maior manifestação cultural, está ameaçado, já que o decreto do governo vai coincidir com a data da realização do carnaval e a manifestação a que os guineenses estão acostumados não terá lugar de novo este ano.
“PROMOTORES DOS EVENTOS NÃO PODEM TER PROTEÇÃO DA DIREÇÃO-GERAL DA CULTURA” – EMÍLIO DA COSTA
O diretor de Serviços das Artes e Espetáculos da Direção-geral da Cultura, Emílio da Costa, afirmou que os artistas e promotores de eventos não podem ter a proteção da cultura, uma vez que os intervenientes neste setor não envolvem a direção nas suas atividades culturais.
Em entrevista ao jornal O Democrata sobre o cancelamento das atividades culturais em razão das medidas sanitárias, Emílio da Costa disse que a maior parte dos artistas e promotores dos eventos culturais não está inscrita na direção-geral da cultura, nem têm cartão para se identificarem.
O diretor de Serviços das Artes e Espetáculos da Direção-geral da Cultura frisou que muitos deles não estão organizados e não envolvem a direção-geral da cultura nas suas atividades, tendo chamado atenção dos promotores culturais de que é preciso apresentar um projeto concreto.
“A direção-geral da cultura não pode dar a sua proteção aos artistas e promotores de eventos ou qualquer interveniente no setor que não se aproxima da cultura”, disse.
Emílio da Costa explicou que a direção-geral da cultura dá apoio institucional aos artistas, promotores de eventos e demais intervenientes no setor, mas não tem a vocação e a responsabilidade de dar apoios financeiros.
Costa lamentou que as autoridades nacionais tenham cancelado a realização dos eventos culturais, porque “prejudicaram muito os promotores de eventos, sobretudo aqueles que fazem vir de fora artistas para atuar na Guiné-Bissau”.
O diretor de Serviços das Artes e Espetáculos da Direção-geral da Cultura garantiu que até ao momento, a direção que dirige não recebeu nenhuma carta formal dos promotores dos eventos culturais a manifestar o seu descontentamento.
Emílio da Costa disse que estava ciente de que os promotores dos eventos culturais poderiam insurgir-se contra essa decisão, por causa de investimentos que fizeram.
“O cancelamento não foi da nossa vontade, mas tem a ver com uma situação que todo o mundo está a passar, a Covid-19. Há uma instituição encarregue da situação da Covid-19 e foi ela que apresentou proposta ao governo para decretar o estado de alerta”, salientou.
Emílio da Costa reconheceu que, quando as primeiras medidas sanitárias foram impostas pelas autoridades, o setor que mais ficou afetado foi o da cultura e a direcção-geral da cultura tem consciência disso, porque as suas atividades desse setor geralmente aglomeram pessoas.
“Infelizmente a entidade responsável pela Covid-19 proibiu as manifestações do género e a direção não podia fazer nada”, lamentou.
Questionado sobre a possibilidade de a direção-geral da cultura vir a compensar os investimentos dos produtores, Emílio da Costa disse que a decisão não cabe à sua instituição, mas sim será tomada ao mais alto nível.
“Só juntos é que poderemos analisar a situação e encontrar uma solução porque alguns promotores que já tinham pago o cachê do Estádio Lino Correia e outros pagaram metade do cachê aos artistas”, revelou.
Emílio da Costa aproveitou a ocasião para apelar à calma aos promotores dos eventos culturais e referiu que enquanto vigorar o estado de alerta no país é bom não anunciar uma nova data para a realização de eventos culturais, porque” tudo depende totalmente da evolução da situação sanitária “.
No que diz respeito ao carnaval de 2022, Emílio da Costa disse que há uma estrutura do carnaval que foi criada e só compete a ela pronunciar-se sobre o carnaval. Mas referiu que visivelmente o carnaval deste ano está comprometido, porque a data coincide com o período do estado de alerta, o que poderá levar ao adiamento da maior manifestação cultural do país para o mês de março deste ano.
Por: Djamila da Silva
Foto: Filomeno Sambú
Conosaba/odemocratagb
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