Vivemos tempos perigosos, onde a política deixou de ser espaço de ideias e projetos coletivos para se transformar em palco de aventureiros. Cada país parece ter o seu “André Ventura” de ocasião - figuras que crescem à sombra do extremismo, que alimentam-se do medo, da frustração e da ignorância, conquistando seguidores não apenas entre os incautos, mas também entre cidadãos decentes e honestos, que, por cansaço ou desilusão, acabam legitimando esses discursos tóxicos.
Alguns desses aventureiros chegam ao poder pela fraude, outros pela força das armas. O método varia, mas o resultado é o mesmo: a corrosão das instituições, o envenenamento da vida pública e a imposição de um clima de medo. São políticos que mais espalham ódio do que constroem esperança.
É impossível não pensar em Amílcar Cabral diante desse cenário. O engenheiro agrónomo, pai da nacionalidade guineense e cabo-verdiana, completaria hoje um século e mais um ano de vida, caso não tivesse sido silenciado pela traição. Mas, de certo modo, ele permanece entre nós - nas suas palavras, nos seus escritos, no exemplo de vida que transcendeu fronteiras.
Cabral não foi apenas um líder da Guiné-Bissau ou de Cabo Verde. Foi um pensador universal, a segunda figura mais influente do século XX, como muitos historiadores afirmam, e o único capaz de unir nações e ajudar a libertar cinco países africanos do jugo colonial. Sua dimensão intelectual e moral ainda ilumina os que ousam sonhar com uma política a serviço do bem comum.
O problema é que muitos dos que hoje falam de Cabral jamais o estudaram. Nunca abriram um de seus discursos, nunca refletiram sobre seus ensinamentos, e, no entanto, julgam-se autorizados a distorcer sua imagem. Tentam reduzir Cabral a slogans vazios, quando, na verdade, sua obra é feita de profundidade filosófica, ética e estratégica.
Os extremistas que hoje se apresentam como salvadores não chegam aos pés de Cabral. Onde ele pregava unidade, eles semeiam divisão. Onde ele falava de justiça social, eles promovem o ódio. Onde ele sacrificou a própria vida pela libertação coletiva, eles usam o poder apenas para enriquecer-se e perpetuar-se.
Reavivar a memória de Amílcar Cabral é, mais do que um ato de justiça histórica, uma necessidade urgente. Num tempo de aventureiros, lembrar Cabral é lembrar que política não é aventura - é responsabilidade. E que o futuro de um povo não pode ser entregue a quem transforma medo em arma e mentira em bandeira.
Armando Mussá Sani
12/09/2025

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