quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Guiné-Bissau - país sem crime de imprensa

Bissau, 18 Nov 21 (ANG) – À semelhança de muitos países, na Guiné-Bissau, tem se registado conflitos resultantes do exercício do jornalismo e a necessidade de se respeitar os Direitos Humanos.

A exigência de qualidade dos trabalhos jornalísticos é que não se evidencia. Nem na sociedade nem nas redações. Não há instâncias de qualidade, que funcionem como tal, nos órgãos. E os ouvintes, leitores e telespectadores não dispõem de provedores para defender os seus interesses. Se houvesse tudo isso, muitos erros, muitas violações seriam, certamente, evitados.

Como não errar. Como não violar se muitos de nós se assumiram como jornalistas partidários. O respeito aos direitos dos outros pouco interessa quando entra o interessa do partido.

Muitos profissionais fazem inimigo colegas que criticam certas posturas contra a deontologia profissional e mesmo os Estatutos dos jornalistas.

Queixa-se de limitações da liberdade de imprensa e de expressão mas alguns círculos políticos são de opinião de que a imprensa tem cometido alguns exageros. Quem tem razão continua incógnita.

Em 35 anos de exercício profissional, não tenho conhecimento de um caso em que um jornalista fora condenado no país, por crime de imprensa , enquadrado na “Injúrias e difamação”(artigo 126 do Código Penal), ou na violação de segredo(Art.142 C.Penal).

Casos houve que chegaram à justiça mas não chegaram à condenação. O caso que envolvera os jornalistas Isuf Queta e Paula Silva de Melo, e o ex-Primeiro-ministro, Caetano Ntchama, em 2000, não chegou ao pronunciamento da sentença. Segundo Paula Melo, o respectivo processo que não chegou de ser declarado como arquivado, desapareceu.

Outros tantos processos aguardam desenvolvimento ou arquivamento, na Procuradoria Geral da República. São os casos dos jornalistas, Sabino Santos, Adão Ramalho, Sumba Nansil, e Abduramane Turé. Este último tem um caso com o ex-primeiro-ministro, Aristides Gomes.

Mas pode tudo isso sustentar a tese de que, não se cometem na Guiné crimes de imprensa, enquadrados na “Injúria e difamação”, podendo dar seis meses a um ano de prisão? Não há violação dos direitos individuais no exercício da missão de informar? A resposta que predomina é o não.

“Tem havido violações de direitos humanos, de direitos individuais sim só que não tem havido queixas por parte das vítimas, por razões diversas...dizem alguns

“Outro problema tem sido o facto de que as necessidades das pessoas(os direitos das pessoas) não têm sido assuntos tratados com certo destaque, para não dizer assuntos dominantes, na comunicação social guineense. Assuntos políticos têm dominado sempre”, dizem outros.

E justifica-se que essas necessidades não são as mesmas conforme os casos. Os Direitos humanos(necessidade) de um adolescente maliano, que dorme sentado no carro de mão, perto das 02H00 da tarde, digamos no seu posto de trabalho, num domingo, não é, certamente, os mesmos que reclama um adolescente, filho de “outros pais”, que na mesma hora, ainda estava fechado no seu quarto, a recuperar-se da noitada de sábado.

A abordagem de assuntos sociais pode levar a avaliação ou à críticas que podem culminar na responsabilização civil ou criminal. Por isso evita-se.

Outro exemplo: trazer ao público, sob forma e destaque que o assunto requer, o caso das bolanhas de Pére, no bairro de Chão de Papel/Varela, em Bissau, destruídas pelo rio de gasóleo que saía das máquinas da Central elétrica de Bissau, pode, no mínimo, resultar numa indemnização.

Este caso põe em risco o regulado de Ntim, concorrido em 1978 por 12 pessoas que viveram o sofrimento de conviver com a família sem ter bolanhas para se sustentar. A maior riqueza, a maior atração das disputas de regulado é a terra para lavrar.

Várias famílias viram os seus direitos violados por esta situação sem que nada aconteça, pelo menos até agora. São cerca de dezenas de famílias que dependiam, quase que exclusivamente, dessas bolanhas para o sustento.

Dos 12 concorrentes só um ainda está de vida, o Djeteh Albino Indi, segundo Paulo Có (Nsau), filho de Ocante Có, um dos concorrentes de 1978, já falecido.

“O arroz que produzíamos tinha o gosto à gasóleo os peixes que apanhámos nas bolanhas também”, lamentou Nsau.

Na etnia Pepel, recusar concorrer ao regulado (nega bai Tchon) dá maldição. Acredita-se que pode dar a morte. Quem serão os próximos concorrentes? A pergunta que Nsau não sabe responder.

Gildo Gomes e Bernardo Gomes são as caras das reivindicações relacionadas a essas bolanhas. O caso já está na Câmara Municipal de Bissau mas a edilidade, no lugar de indemnização , mais se interessa na venda do espaço já mapeado. Das implicações que a destruição da bolanha vão ter junto ao regulado de Ntim, ninguém quer saber.

Nós os jornalistas, de modo geral, não podemos gabar-nos de estarmos quites perante os Direitos Humanos. Protegemos muitas situações mas afrontamos tantas outras. Fazemos manchetes notícias sobre greves, greves de nove meses ou mais. Não é feita, de forma equilibrada, a abordagem das consequências dessas greves.

Fechar escolas viola os direitos humanos das crianças. Não pagar salários também viola os direitos dos trabalhadores. Põe-se o problema de saber como se situar nesse ambiente, que eleva o dever de cuidado do jornalista.

“Nenhum cidadão pode ser prejudicado na sua vida privada, social ou laborar em virtude do exercício legítimo do direito à liberdade de expressão do pensamento através da Imprensa.(Art3º nº3 Lei da Liberdade de Imprensa)”

A liberdade de imprensa(Lei nº2/2013) pode colidir com o direito ao bom nome, à integridade moral, à presunção de inocência até ser condenado em processo com as necessárias garantias de defesa, estando todos esses direitos consagrados na Constituição da República(artg 29,30 e 32).

“Acontece que entre esses direitos não existe qualquer precedência ou hierarquia, o que quer dizer que todos eles têm igual valência, quando abstratamente considerados”(Juiz-conselheiro Pedro Figueiredo Marçal, in Comunicação Social e Direitos Individuais, seminário, junho 1993, da Alta autoridade para a Comunicação Social).

Sendo este um princípio unanimamente aceite , a primazia do direito à informar ou a de algum dos outros Direitos constitucionais que ele ponha em causa, diz Figueiredo Marçal, terá de resultar duma equilibrada avaliação das circunstâncias de cada situação.

Paralelamente a essas limitações externas, reclamadas pelo respeito devido a outros valores, a liberdade de imprensa está sujeita a exigência de seriedade e autenticidade, pois o direito de informar só existe e se justifica, com vista informar bem.

Informar inverdades, em consciência, não tem proteção da Liberdade de imprensa.

“Faltando essas cautelas estará a Comunicação Social a contribuir-se para que a opinião pública faça, das pessoas e dos seus actos, um defeituoso julgamento capaz de originar prejuízos por ventura irreparáveis”(In CS e DH, Pedro F.Marçal....)

“A liberdade de informação(Mac Bride Relatório à UNESCO, 1980), é , antes de mais, o direito que todos os membros da comunidade têm de estar ao corrente dos acontecimentos susceptíveis de interessar a sua existência, de orientar as suas reflexões, de influenciar as suas escolhas(...) Desta liberdade deriva a liberdade que o informador tem de aceder ao conhecimento dos factos e dos documentos, ultrapassando o segredo por detrás do qual se intrincheiram as questões públicas e a liberdade de divulgar aquilo de que teve conhecimento”.

Diz Mac Bride que, para ser efectivo, este direito requer que o jornalista goze da liberdade de procurar as informações e de não se contentar somente com as que recebe. E mais: o jornalista deve beneficiar da liberdade de divulgar estas informações, devidamente tratadas para que sejam úteis à compreensão do mundo.

Até entre nós se cometem violações: numa cerimónia de apresentação pública do novo sindicato dos trabalhadores de órgãos públicos, um Director-geral interveio a exaltar a necessidade de se concluir o processo de efetivação dos “estagiários”, com o argumentação de que estes constituem a maioria dos que labutam nas redações dos órgãos públicos.

“Nessa situação, se um dia pretenderem boicotar, estamos boisotados...) dizia esse DG.

A noite, na emissão televisiva o jornalista repórter nada mais fez que dizer:

O jornalista veterano defendeu o boicote... ao referir-se às declarações desse DG.

Como é que um DG, que tem obrigação de zelar para o funcionamento contínuo do órgão, e que tem demonstrado que o órgão que dirige se afigura como o mais dependente desses “estagiários, pode defender o “boicote”.

Foi ou não atingida a honra , a imagem desse DG?

Confrontado com a falha, o jornalista limitou-se a dizer: “escrevi o que foi dito”.

Não há liberdade de imprensa sem liberdade de opinião

“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão. Este direito inclui o de não ser importunado por causa das suas ideiais; o de procurar, receber e difundir, sem limitação de fronteiras, informações e ideias por qualquer modo de expressão”(Artg 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10 de Dezembro 1948)

A expressão é que torna uma pessoa inserida na sociedade.Na Guiné-Bissau, diz o Advogado, Fodé Adulai Sanhá, a liberdade de opinião ainda é limitada. Muitas opiniões são censuradas, sobretudo nos órgãos de comunicação social públicos. Muitas das vezes são os próprios jornalistas que fazem a auto-censura.

Dia após dia surgem denúncias inclusive de dirigentes políticos de ameaças de morte, por criticas ou declarações prestadas através de órgãos de Comunicação social . Opiniões contrárias são “crimes” em certos círculos sociopolíticas.

O caso mais recente se relaciona à um dirigente político, deputado e membro da Comissão Especializada para a Defesa e Segurança, da Assembleia Nacional Popular.

Não tem havido reação da imprensa no sentido de se esclarecer que o Deputado tem direito de opinar e de prestar declarações de interesse geral, que podem ser úteis a sociedade. Isso corresponde dizer que, em certa medida, a Comunicação social fez e tem feito “vista grossa” à várias situações de ilicitudes, de violações dos direitos das pessoas.

Num dos órgãos de comunicação Social público, em tempos atrás, chegou-se ao ponto de alguns jornalistas , numa clara afronta à Direção do órgão que nada mais fazia que privilegiar assuntos sobre actividade política do seu partido, decidirem, a revelia da direção de informação, criar um órgão paralelo que decida sobre os conteúdos a serem difundidos com vista a estabelecer o equilíbrio necessário nos blocos informativos.

Tanta vingança de sensura que acabou por ser demais,à vista de alguns profissionais, com o perigo de pôr em causa o orgão e os que lá exercem a profissão.

O mais caricato, diz Mané, é a atitude de jornalistas que atacam opiniões de outros jornalistas, em defesa clara de posições partidárias. Uma atitude que diz ser violadora dos Direitos Humanos... a liberdade de opinião. “Não há liberdade de imprensa sem liberdade de opinião”.

Este Doutorado em Antropologia Jurídica aponta outras formas de censura, que representam outras formas de violação dos Direitos humanos:” criar condições para alguns órgãos funcionar e deixar outros à sua sorte”.

“No quadro de serviço público que todos prestam o Estado deve criar condições para que todos os órgãos funcionassem, tanto público como privado”, diz Fodé Mané.
A falta de meios financeiros tem sido as desculpas de diferentes governos para não haver órgãos públicos bem equipados, em termos de recursos materiais e humanos. Não será isso outra forma de violação dos direito de melhor informar às populações sobre a vida política, social, económica, cultural, etc, do país?

É mundial a preocupação de proteger o Direito à informação livre. No que se refere a textos internacionais, nem todos têm o mesmo caracter obrigatório. Por exemplo: “A Carta Africana(CA) não afirma expressamente o direito de se informar.”(André Linard In Direito , deontologia e ética dos médias). Este documento(CA) é tido como o mais impreciso.

Existem entretanto outras declarações internacionais que enunciam princípios mas sem ter força jurídica.

A Declaração de Windhoek, referente ao desenvolvimento de uma imprensa africana independente e pluralista, adotada em 1991, por iniciativa da UNESCO constitui, entretanto, uma espécie de retificativo dos riscos da Nova Ordem Mundial da Informação e da comunicação(NOMIC). Esta declaração, segundo Linard, limita-se a afirmar princípios de proibição de censura.

Cada estado é soberano no que diz respeito a legislação sobre a imprensa sob condição de não contradizer o Direito Internacional. Não é o que, no entanto, tem acontecido.

“A legislação de muitos Estados tem servido para limitar a liberdade de trabalho dos jornalistas sob pretexto da soberania nacional, da defesa da ordem pública etc”.(André Linard.......)

No caso guineense, importa referir que o(CNCS)- Conselho Nacional de Comunicação Social,(Lei nº8/2013), órgão ao qual foi dada a competência de assegurar o exercício do direito de informação e liberdade de imprensa bate-se agora para se dispor do “poder sancionatório”.

“Este instrumento jurídico foi elaborado no período de transição. Precisa de atualização. Tem limitações”, diz Fodé Mané.

O CNCS foi limitado a emissão de directivas genéricas para a realização das suas atribuições, fazer recomendações... apreciar comportamentos suscetíveis de configurar violação das normas legais aplicáveis aos órgãos de comunicação social....(artigo 4º i).

Tem estado a avaliar as coberturas eleitorais feitas pelos órgãos de comunicação social e, em alguns momentos, emitiu pareceres críticos que consubstanciam violações de direitos humanos.

Conosaba/ANG//SG

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