terça-feira, 29 de outubro de 2019

GUINÉ-BISSAU: MAR DE POLÍTICOS INSACIÁVEIS ONDE SÓ HERÓIS ESCAPAM


A Guiné-Bissau é uma República muito nova e consequentemente possui uma democracia ainda em construção; deixou de ser colônia somente em 1973, de modo unilateral e, em 1974, a sua metrópole Portugal com vários outros países, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceram a sua independência. 

Após a sua emancipação adotou o regime de partido único (monopartidarismo) ou seja, só existia um único partido no país, o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) no caso, que comandou a luta armada pela independência que durou 11 anos. O referido regime só foi substituído por multipartidarismo em 1991 sob pressão externa, de Fundo Monetária Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM) respetivamente. 

Em 1994, foram realizadas as primeiras eleições multipartidárias. O PAICG sendo o partido mais velho e consolidado politicamente, com mais “caciques” com poder de influência estatal e social, somada a retórica de ser o partido libertador e por isso mesmo o único ou o mais comprometido com interesses do povo que libertou, conseguiu confirmar o óbvio, isto é, ludibriou o povo e ganhou o sufrágio. 

A partir desta data até as últimas eleições gerais de 2014 nenhum presidente ou primeiro-ministro eleito conseguiu a “façanha” de terminar o seu mandato, com a exceção do saudoso presidente Malam Bacai Sanha que faleceu em 2009, em pleno exercício do cargo do Presidente da República (que Deus o tenha). Vale elucidar que a Guiné-Bissau possui um sistema de governo semipresidencialista (elege-se os deputados/parlamento e por conseguinte o governo chefiado por primeiro-ministro/chefe de governo oriundo do partido vencedor das legislativas por um mandato de 4 anos e o chefe de Estado/presidente da República por um de 5 anos), em processos eleitorais distintos. 

Ao longo desses anos, os governos foram destituídos por mais diversas razões/justificativas, e os chefes de Estado depostos igualmente por razões e circunstâncias outras, o povo por sua vez, assistia de mãos atadas sem puder fazer absolutamente nada, a não ser sonhar com dias melhores o que é apanágio dos guineenses, e continuar a acreditar na democracia. Nas eleições gerais de 2014, o povo decidiu novamente dar ao PAIGC o poder total, neste caso a presidência e a maioria parlamentar, na expectativa de que, uma vez que o PAICG controle os dois aparatos do poder estatal teríamos o “ineditismo/inusitado” de terminar um mandato. 

Entretanto, o povo foi mais uma vez traído, pois o senhor Presidente da República José Mário Vaz acabou por, um pouco mais de um ano depois da posse do governo, se utilizar da Alínea b) do n 1 do Artigo 69.ª da Constituição da República que lhe outorga a competência de demitir o governo, para exonerar o governo do PAIGC (partido que apoiou a sua candidatura à presidência da república) liderado pelo engenheiro Domingos Simões Pereira. O chefe de Estado e os deputados da nação, por outro lado conseguiram a “façanha” de terminar o mandato. Todavia, não foi o suficiente para eles, o povo merecia mais uma traição dentro da lógica “cleptocrata” que infelizmente norteia a nossa política, ambos acabaram por prorrogar o mandato. Não pretendo discutir aqui o mérito ou a legalidade do processo de prorrogação desses mandatos, só me disponho a aventar os fatos. E eles são que os primeiros que conseguiram terminar o mandato na história da democracia guineense acabaram por ultrapassar o período estipulado pela Constituição, confirmando assim a tese desta reflexão, Guiné-Bissau: país de políticos insaciáveis. 

Durante anos, o país se viu refém de boa parte de seus políticos que, o único interesse era/é se locupletar às custas do povo e servir fiel e exclusivamente a sua patota partidária sem nenhum compromisso com seu eleitorado durante a vigência do mandato, e muito menos com o bem do país. Por muito tempo, talvez até agora, estamos vivendo uma cleptocracia que se expressa através de um fato irretorquível que é a “legitimação” da corrupção no solo pátria de Amílcar Cabral. 

Muitas pessoas entram na política e se enriquecem tão rapidamente mesmo não tendo salário que justifique tal enriquecimento e nada acontece. O poder judiciário, o Ministério Público em particular à mercê dessa classe política e de “peixes grandes” não faz absolutamente nada, e a sociedade brutalmente “pacificada” na lógica de “ika abo ku na kumpu terra; é terra dana dja” aceita e respeita esses corruptos insaciáveis e sem escrúpulo que perambulam pelas ruas do país impunes. E o mais caricato de tudo, é que eles se consideram patriotas pelo simples fato de estarem a viver e a trabalhar no país e são inspiração para alguns/algumas mais novos/novas. 

Não sou tão ingênuo a ponto de achar que todos os políticos guineenses são corruptos insaciáveis, bandidos e criminosos, me recuso endossar essa tese simplista e pessimista, acredito, Aliás, conheço alguns dentre muitos na política que não o são, político que não se entregaram à devassidão da corrupção, e eles me dão esperança de que o nosso país não é um caso perdido, a esses políticos quero dizer o seguinte: 

É um alento saber da vossa existência, em meio a esse mar de corruptos insaciáveis que sequestraram o país, vocês são “heróis”, embora em outros países seja absurdo dizer isto, mas é a triste realidade da política guineense, basta não roubar do Estado, ter responsabilidade com a coisa pública, não tomar além do seu salário para ser um “herói”, coisa que nada mais é que uma obrigação. Sei o quanto é difícil não seguir o fluxo, isto é, roubar como todo mundo, conquanto, a expressão mais elevada da cleptocracia guineense se evidencia quando um/a cidadão/ã é convocado/a para servir a nação e recebe o seguinte conselho da parte do próprio familiar fruto duma sociedade profundamente traído/a por seus políticos: “Vá e aproveite”, ou seja, vá e rouba do Estado para se enriquecer. Afinal a corrupção rende! E ninguém é preso e por roubar escancaradamente do Estado. 

A incompatibilidade entre salário e bens ostentados pelos políticos não causa incomodo nem à população exacerbadamente “amansada”, muito menos ao Ministério Público para procurar a origem desses bens. É o que o Zé Manel no seu brilhantismo musical cantou “chefe tené carro nobu, vencimento ka da pa carro nobu” e quem se importa! 

Abrir mão dessa roubalheira, e ater-se apenas ao mísero salário é ser sim herói em nossos dias. Quero vos dizer ainda que não estão sozinhos nessa empreitada, por isso não desistam, lutem, continuem sonhando com um país melhor, não se sucumbam, porque há uma geração que está a se formando agora que precisa ser nutrida desses sentimentos, dessa forma de ser. Vivo no Brasil, no momento, estudando na Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) rodeado de jovens que acreditam, jovens que tudo que fazem é pensando em voltar ao país e trabalhar para e no seu desenvolvimento, jovens que inspiram e expiram o sentimento nacionalista no seu sentido mais equilibrado (não aquele exagerado que fez o mundo experimentar as duas grandes guerras no século XX), e ajustado ao século XXI, não tenho dúvidas quanto a capacidade deles e muito menos em relação ao seu engajamento com o desenvolvimento da pátria de Titina Silá. 

Por isso vos digo, não desistam, não podem/devem desapontar essa geração, ela precisa continuar a inspirar-se em vocês, continuem sendo heróis, continuem sobrevivendo por mais um pouco, pois tenho total certeza que os corruptos estão fadados à derrota, não terão mais espaço em breve, e essa nova geração, juntamente com vocês tomarão o destino dauele país. Por isso e para isso lutem, sobrevivam mais um dia, um mês, um ano e, quando a dor, a desilusão ou o desespero for demais, lembrem-se daqueles que passaram a juventude na luta pela independência e, pensem que eles estão olhando para vocês e dizendo: lá estão os combatentes do século XXI, nossos camaradas; imaginem o quanto Amílcar Cabral, Titina Silá, Pansau na Isna e todos os combatentes estão se orgulhando de vocês, pensem que seus pais, seus/suas irmão/irmãs e eu temos orgulho de vocês e lutem mais um pouco. 

A nova geração acredita na mudança, no progresso, no bem-estar de tão sofrido povo guineense e eu também acredito. 

Por: Fernando Colonia 

Licenciando em Ciências Sociais 

São Francisco do Conde, Bahia, Brasil, 28/10/2019

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