A prática da mutilação genital feminina deverá ter uma grande redução na Guiné-Bissau nos próximos cinco a 10 anos, disse hoje à Lusa a presidente da Rede Nacional de Luta contra a Violência no Género e na Criança (RENLUV), Aissatu Camará Indjai.
"A excisão pode não desaparecer totalmente, mas penso que dentro de cinco a 10 anos uma boa percentagem vai deixar de acontecer", referiu à agência Lusa, a propósito do Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, que se assinala na sexta-feira.
A lei que proíbe a mutilação, associada à condenação em tribunal, as denúncias crescentes e uma maior sensibilização sobre os efeitos nocivos para a saúde são as razões que sustentam a previsão de Aissatu.
"É uma questão de tempo até desaparecer. Vai chegar esse dia histórico em que a futura geração vai questionar-se sobre os relatos de algo que acontecia no passado", acrescentou.
"No trabalho de terreno, verificamos que muita gente desconhece a lei e o mal que estão a fazer: pensam que a excisão é uma coisa boa", mas muitas acabam por abandonar a prática depois de perceberem os riscos.
Aissatu Camará Indjai tem a perceção de que o número de casos "não está a crescer" e de que existe "um aumento de denúncias", apesar de as queixas ainda estarem muito aquém do esperado.
"O guineense não tem por hábito denunciar e até tem medo de o fazer", referiu, ao mesmo tempo que realçou o facto de a lei também prever penas para quem não expuser casos de excisão.
A 17 de dezembro, o Tribunal Regional de Bissau condenou a três anos de prisão efetiva três pessoas responsáveis pela mutilação genital de três crianças do sexo feminino, com um, cinco e sete anos de idade.
Foi a segunda vez que a prática da excisão foi julgada num tribunal guineense - o primeiro julgamento aconteceu em 2011 em Gabu (leste) com os implicados a serem condenados a penas suspensas.
A pena de prisão efetiva foi aplicada às mães das crianças e à pessoa que fez a excisão - que terão também de pagar uma indemnização de 500 mil francos CFA (cerca de 762 euros) às vítimas.
Um tio e uma tia das crianças e uma outra pessoa que teve conhecimento da prática, mas que não a denunciou, foram condenados a uma pena de prisão de 12 meses, convertida no pagamento de uma multa diária de 500 francos CFA (0,76 euros).
A pena máxima prevista na lei guineense para prática de excisão é de nove anos de prisão efetiva.
Entre as preocupações de Aissatu, está a tendência para praticar a mutilação em crianças cada vez mais novas, predominante "entre as comunidades de etnia Fula oriundas da Guiné-Conacri".
Trata-se de uma estratégia usada para tentar "encobrir a prática".
Em 2014, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também alertava para o problema: "infelizmente, os dados mostram que, cada vez mais, a prática é feita nas meninas menores de quatro anos e bebés com idade inferior a 12 meses", referia em comunicado.
Os últimos dados sobre excisão na Guiné-Bissau foram recolhidos em 2010.
Segundo o Inquérito de Indicadores Múltiplos, metade das mulheres do país "com idades compreendidas entre os 15 e 49 anos ainda eram vítimas desta prática".
A excisão ou mutilação dos órgãos genitais femininos é uma prática com tradições seculares que persiste em muitas comunidades com o objetivo de condicionar a liberdade sexual das mulheres até ao casamento - que em muitos casos é negociado pela família, sendo a mutilação um requisito.
A prática é responsável pela morte de crianças e mulheres devido a problemas como hemorragias ou infeções, pela falta de condições em que é praticada, e é causa frequente de traumas físicos e psicológicos para quem sobrevive.
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