O general Horta N'Tam, no Palácio da Presidência, no dia em que conferiu posse ao primeiro-ministro Ilídio Vieira Té, 28.11.2025. © Eva Massy
Em Bissau, os militares golpistas anunciaram a decisão de proceder à revisão da Constituição e da Lei Eleitoral, numa conferência de imprensa em que o general Horta N'Tam voltou a justificar o golpe de estado com um alegado "perigo iminente de guerra civil". O jurista Fodé Mané analisa as ambições por trás destas anunciadas reformas políticas.
Ao explicar os motivos que levaram a efectuar um golpe de estado (evitar um alegado perigo de guerra civil), o general Horta N'Tam fez uma declaração que marcou alguns espíritos.
"As eleições sempre desembocam em problemas", disse o antigo chefe do Estado-Maior do Exército, adiantando que "as eleições não são solução para a Guiné-Bissau, enquanto não houver diálogo nacional".
Mas como realizar um diálogo nacional num contexto de usurpação dos poderes, de golpe de estado, de detenção de opositores políticos e de alegado exílio de um presidente deposto permanecido em silêncio até ao momento?
Apesar destas denúncias de um alegado "perigo iminente de guerra civil", de "divisões na sociedade, entre grupos religiosos e entre partidos políticos" - que justificariam um golpe de estado -, as eleições gerais, presidenciais e legislativas, tinham decorrido sem incidentes graves.
Os problemas tornaram-se claros na véspera do anúncio dos resultados, quando o presidente deposto comunicou à imprensa estrangeira que estava ser vítima de um golpe de estado, que os militares golpistas tomaram o poder contra a vontade do povo e que suspenderam o processo eleitoral.
O jurista Fodé Mané concorda que "as eleições não resolvem todos os problemas, isso é verdade, não basta votarmos para resolver todos os problemas" mas questiona: " é a ilegalidade de um golpe de estado que vai resolver os nossos problemas?"
RFI: Os militares que tomaram o poder pretendem avançar com a revisão da Constituição e da Lei eleitoral que, curiosamente, são projectos que Umaro Sissoco Embaló perseguia?
Isso mostra a continuidade. Por isso é que não aceitamos esse argumento de que houve um golpe de estado. Houve sim uma recusa de aceitar a vontade popular. Então implantou-se um figurino de forma a realizar aquilo que não se conseguiu impor durante toda uma parte do mandato de José Mário Vaz e o mandato de Embaló.
RFI: Que objectivo perseguem com esta mudança da Constituição?
Primeiro, a concepção que têm do poder. Segundo eles, deve haver um senhor todo poderoso capaz de fazer tudo. Nem sequer falamos num regime presidencial. Porque o regime presidencial não é anti-democrático, há separação de poderes. No entanto, eles pensam que num regime presidencial, o presidente faz tudo o que quer.
RFI: Que alterações pretendem fazer na Lei eleitoral?
Houve alguns pontos que lhes dificultaram a tarefa durante as eleições. Por exemplo, o apuramento nas mesas de voto. É um processo muito transparente. Isso dificultou-lhes o trabalho. Foi logo o primeiro ponto que atacaram, e é um aspecto que pretendem alterar. Mas querem também impor a condição para os candidatos de dispor de determinados meios.
RFI: Meios económicos?
Sim. Umaro Sissoco Embaló tinha anunciado que se ganhasse, iria impor um mínimo de 200 milhões de francos CFA para se candidatar... Num país como a Guiné-Bissau! Só os que já estão no poder é que podem pagar isso. Ou as pessoas ligadas ao branqueamento do capital ou os meios ilícitos.
RFI: O general Horta N'Tam voltou a falar num período de transição de um ano, ao contrário do que a CEDEAO exigiu.
Ainda não começou nenhuma transição. Está-se a prosseguir na desestruturação das instituições e é algo que vai continuar.
RFI: Então, quando o Governo da Transição anuncia a realização de eleições daqui a um ano, não acredita?
Não, ninguém põe na cabeça que vai haver uma eleição justa e transparente daqui a um ano. Temos exemplos muito próximos, da Guiné-Conacri, quando, a 5 de Setembro de 2022 houve o golpe de Estado, anunciou-se uma junta militar que ia preparar eleições. E o que houve? Houve mais restrição, não conseguiram assegurar a satisfação das necessidades básicas da população, principalmente com este isolamento internacional.
RFI: O general Horta N'Tam afirmou que os detidos serão apresentados à justiça. Acredita que os militares que realizaram o golpe de estado serão também, um dia, colocados frente à justiça?
Isto, acredito. Não será hoje, nem amanhã. Mas o nível de violações a que chegámos... Não podemos alimentar impunidade. Quanto aos detidos, qualquer pessoa lúcida sabe que estão a ser vingados pelas sua popularidade, pela sua aceitação. Esta vingança está a ser usada como um escudo, para evitar que os seus apoiantes se levantem.
RFI: Isso pode querer dizer que Domingos Simões Pereira e os outros detidos políticos ficarão encarcerados por muito mais tempo?
Durante muito tempo. Não são os guardas que os vigiam que determinam estas questões. Não é Horta N'Tam, não é o ministro do Interior quem determina se os devem manter detidos ou não. Não são eles que decidem. Estamos numa situação em que o verdadeiro detentor do poder não está a dar caras.
Por: Eva Massy
rfi.fr/pt/

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