quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

"Os militares temem, sim, as sanções financeiras": Guiné-Bissau sob crescente pressão internacional

A CEDEAO pretende impor sanções a quem cooperar com os militares que tomaram o poder na Guiné-Bissau. AFP - PATRICK MEINHARDT

Nos últimos dias, a Guiné-Bissau foi palco de duas actualidades distintas. Na primeira, a ex-primeira Dama, Dinísia Embaló, foi constituída arguida em Lisboa, no caso da mala dos cinco milhões encontrada no jato privado em que viajava. 

Na outra actualidade, a CPLP suspendeu oficialmente a Guiné-Bissau da organização, retirando ao país a presidência rotativa. Este passo foi dado no dia seguinte à decisão das as autoridades guineenses, que tinham anunciado a suspensão de todas as actividades do país no seio da CPLP, o que foi visto por muitos como uma "auto-suspensão".

A CPLP suspendeu oficialmente a Guiné-Bissau da organização e elegeu Timor-Leste para a Presidência, que até agora era assumida pela Guiné-Bissau.

Numa altura em que deve chegar a Bissau uma missão da CEDEAO, outra organização da qual a Guiné-Bissau faz parte, existe também a possibilidade de a CPLP fazer o mesmo.

Solicitada pela RFI, a organização não confirma de forma oficial o envio de uma missão de alto nível a Bissau, como foi decidido na reunião extraordinária da comunidade, a 5 de Dezembro.

"Convém que esta missão se desloque o mais rapidamente possível" disse José Ramos Hora, presidente timorense e agora presidente em exercício da CPLP.

O dirigente reconheceu que "toda a deslocação terá de ser feita em concordância com os militares, que controlam as fronteiras e o espaço aéreo".

José Ramos Horta foi categórico: "Não é possível mostrar flexibilidade. Não é possível ficarmos indiferentes perante a arrogância da clique militar que há cinquenta anos não deixa o país retomar um rumo normal".

"Há violaçao flagrante do processo eleitoral, houve interrupção e até mesmo assalto [do processo eleitoral], porque o candidato dos militares perdeu. Agora, vão ficar completamente isolados", concluíu José Ramos Horta, referindo-se à crescente pressão internacional.
Garantias de vida dos presos políticos

Da reunião virtual dos chefes de estado da CPLP, a 16 de Dezembro, outros pontos devem ser destacados. Nomeadamente, pela primeira vez, a exigência "com carácter de urgência, da apresentação de provas de vida e garantias quanto à integridade física de todos os detidos", bem como a sua libertação "imediata e incondicional", já exigida pela CEDEAO.

"É o mínimo", considera, em Bissau, Armando Lona, jornalista, investigador e coordenador da Frente Popular.

Como todos sabem, estes detidos não são criminosos, são políticos. Apenas participaram no processo eleitoral. O lugar deles não é prisão. Quem deveria estar na prisão são esses senhores e senhoras que hipotecaram o futuro da Guiné-Bissau durante esses anos todos. Nós saudamos essa posição da CPLP mas pensamos que, para além dessa exigência, é preciso fazer um seguimento.

Os presidentes de São Tomé e Príncipe, de Portugal, de Cabo Verde, do Brasil, da Guiné Equatorial, de Moçambique e de Timor Leste, assim como o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola. Os dirigentes lusófonos exigiram, uma vez mais, a "retoma urgente da ordem constitucional", alinhando-se com os estatutos democráticos da organização. O que nem sempre foi o caso, denuncia Armando Lona.

Isto é interessante. A retoma da legalidade democrática e da ordem constitucional é o que nós guineenses exigimos. Eu encorajo a CPLP a ir nessa direção, porque o que conta é a legitimidade popular. Esta decisão da CPLP é responsável, é oportuna. Porque, como sabemos, a CPLP tem tido uma atitude de cumplicidade. Mas acho que nunca é tarde para retomar o caminho do respeito dos estatutos que regulam os comportamentos de cada Estado membro.

Esta turma agora que fala em nome da Guiné-Bissau, é uma turma de golpistas. Não tem nenhuma responsabilidade para falar em nome da Guiné-Bissau. Esta dita turma de golpista não passa de uma aberração inqualificável, que nenhum guineense de bom senso estaria interessado a ouvir.

E para o investigador Armando Lona, não há como fazer parte de uma organização sem respeitar os estatutos e textos da mesma.Ora "aquilo que se tem passado na Guiné-Bissau é intolerável e inaceitável e enquanto cidadãos da CPLP e das outras organizações, exigimos que se respeite a democracia e os direitos humanos".

A 5 de Dezembro, a CPLP decidiu enviar uma missão de alto nível a Bissau para acompanhar o processo de reposição da ordem constitucional. A decisão foi tomada antes da auto-suspensão e da oficialização da suspensão da Guiné-Bissau na CPLP. Mas estes últimos acontecimentos podem comprometer a vinda desta delegação, já que dependerá da boa vontade e da autorização das autoridades guineenses que os membros da CPLP aterrem ou entrem em Bissau.

Mas acho que toda a tentativa de impedir a chegada de uma missão, seja ela da CPLP, da CEDEAO, será uma prova de frustração. Esse grupo [de militares] sabe que está num isolamento total. Não tem legitimidade interna, não tem reconhecimento internacional.

Portanto, resta lhe tentar fazer esses subterfúgios fúteis, mas que não, não vão ter sucesso porque o povo já boicotou tudo. O povo guineense está farto desse grupo. Hipotecaram o futuro dos guineenses, sobretudo da juventude, que agora só pensa em emigrar. Essa junta militar... Eu tenho dito e repito que não existe nenhuma junta militar na Guiné-Bissau. Esse grupo não não representa nem 5% dos efectivos das forças guineenses.

Armando Lona diz que estes militares no poder são meras individualidades no seio de toda a corporação militar, não representam portanto as Forças Armadas da Guiné-Bissau.

E por outro lado, são milícias que tomaram o poder. Não refletem a realidade sociológica das nossas Forças Armadas. Nós tínhamos a certeza que mais dia menos dia, o regime ia cair. Caiu, como o povo demonstrou de forma brilhante, de forma patriótica, nas urnas.

O jornalista prossegue: ao contrário do que foi dito pelo primeiro-ministro Ilídio Té Vieira, à imprensa guineense, no dia seguinte à cimeira da CEDEAO, "os militares temem sim as ameaças de sanções financeiras".

Têm que temer. Não conseguem fazer nada sem apoio externo. Endividaram a Guiné-Bissau. Levaram o nosso plafond de dívidas para quase mais de 100% do Produto Interno Bruto. Todos os dias estão a emitir títulos de tesouro no mercado regional! Portanto, é um grupo que vive só desses esquemas. Logo, com sanções económicas e financeiras não podem sobreviver.

O coordenador da frente popular destaca outro ponto: a existência de uma força da CEDEAO na Guiné-Bissau. Esta é composta por contingentes da Nigéria e do Senegal e os seus membros, fardados e armados, já eram visíveis nas ruas da capital antes das eleições gerais, durante, e depois.

Questionamos o real mandato desta força da CEDEAO. Não vale a pena termos uma força paga pelas contribuições dos cidadãos da África Ocidental, quando na realidade está ao serviço de um ditador, que agora ninguém duvida de que era um ditador, mas também um campeão do crime do crime organizado e do branqueamento de capital.

Aqui, Armando Lona faz referência à detenção de Dinísia Embaló, a ex-primeira dama, mulher do ex-presidente deposto, que continua em parte incerta.

Dinísia Embaló foi constituída arguida por suspeita de contrabando e branqueamento, no caso das malas com 5 milhões de euros encontradas no jacto privado em que viajava.

Voo esse que partiu de Marrocos, último país, aliás, onde se soube do paradeiro de Umaro Sissoco Embaló. Fez depois escala em Bissau e seguiu para Lisboa.

Um caso que impactará muito provavelmente a imagem e o poder diplomático de Umaro Sissoco Embaló e do seu entourage.

Não há julgamento maior do que esse julgamento da opinião pública internacional. Para nós isto basta. Infelizmente, sentimo-nos atingidos porque somos guineenses. Temos orgulho enquanto povo, temos dignidade, e lutámos pela nossa liberdade. Mas por acidente da história temos tido gente que não tem a preparação para estar a nossa frente.

rfi.fr/pt

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