Celebra-se a 20 de Janeiro de 2025 o 52° aniversário da morte de Amílcar Cabral, líder do movimento independentista da Guiné-Bissau e de Cabo Verde e uma das figuras revolucionárias de Africa mais conhecidas.
Há 52 anos, Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri. Era a partir de aí que o fundador do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde) conduzia desde 1960 a luta contra o regime colonial português.
De origem cabo-verdiana e guineense, nascido em Bafatá, na então Guiné portuguesa, e fortemente enraizado em Cabo-Verde, Amílcar Cabral conjugou a luta armada com um movimento político e ideológico. O revolucionário contribuiu para forjar uma doutrina que militava a favor das descolonizações e que nunca parou de influenciar os movimentos independentistas pelo continente.
Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri junto à sua residência a 20 de Janeiro de 1973. A sua esposa e viúva, Ana Maria Cabral, estava presente e assistiu a tudo. Em entrevista à RFI, a companheira de Cabral relatou as memórias que guarda do acontecimento.
Descemos do carro, eles tentaram amarrar o Cabral. Cabral disse "eu prefiro morrer a ser amarrado", nunca me esquecerei. Depois, Inocêncio Cani disparou à queima roupa sobre o baixo ventre. [Amílcar] dobrou-se cheio de dores, e eles pensaram que já o tinham morto e caiu no chão.
O Inocêncio Kani, quando conseguiram dominar Aristides Pereira, o companheiro mais próximo de Cabral na altura, Cabral continuava deitado no chão. A camisa toda cheia de sangue. Ele continuava a falar. Um dos executantes disse para o executarem de vez.
Meio século depois continua-se a especular bastante sobre a identidade das pessoas que mataram Cabral. Terá sido a polícia secreta de Lisboa que estaria por detrás ? Conhece-se a identidade dos executantes, militantes activos do PAIGC em Conacri, mas não a dos mandantes. O que é certo é que terá havido interesses internos e externos ao partido que levaram à sua morte. Ana Maria Cabral está convencida da culpa de Lisboa.
Os executantes eram militantes do PAIGC, gente que tinha tido problemas com a direcção do partido, problemas de indisciplina. E foram facilmente mobilizados para esse grande esquema. Um grande complot. Foi tudo urdido por Portugal colonialista.
Antes do assassínio de Cabral, tinha acontecido a operação "Mar Verde", até hoje não assumida por Lisboa, que passava pela invasão da República da Guiné para se tentar derrubar Sekou Touré (primeiro presidente da Guiné-Conacri) e tentar decapitar o PAIGC.
Mas esta operação teve um efeito colateral: o apoio militar acrescido para o PAIGC por parte dos seus parceiros externos e, nomeadamente, do bloco da União Soviética.
O PAIGC conseguiu armar-se cada vez mais e melhor, com aparelhos mais sofisticados para lutar contra Portugal, tornando a situação muito complexa para o império luso, cada vez mais periclitante.
Não existem certezas sobre se Portugal esteve por trás da neutralização de Amílcar Cabral. O certo é que, consoante documentos comprovam, havia interesses por parte de Portugal em fomentar divisões no seio do PAIGC.
[Amílcar Cabral] já tinha recebido informações de vários serviços de espionagem. Vi que ele estava muito preocupado nesse dia. Havia uma recepção, penso que era na embaixada da Polónia. Em geral, ele não era muito de recepções, mas íamos também porque precisávamos da solidariedade deles. O Amílcar nunca mais queria sair da embaixada.
Dizia que tinha o pressentimento que era o último dia da vida dele. E então falava, falava, falava com todos os embaixadores e os diplomatas. Fiquei até admirada, não percebia porque é que ele não queria sair. Só depois, mais tarde, é que me apercebi, porque quando chegámos a casa, a casa estava toda cercada pelos traídores.
Nós fomos [à embaixada] só os dois, sozinhos, sem guarda, sem nada, sem pistola, sem nenhuma segurança. Logo que saímos do carro eles vieram tentar amarrar o Cabral. Depois, mais tarde, é que soubemos que tinham chegado a acordo com o Spínola, para entregarem os principais dirigentes do PAIGC na altura. Em troca Spínola discutiria com eles uma espécie de autodeterminação da Guiné-Bissau sob a bandeira de Portugal colonialista.
Com a morte de Amílcar Cabral a 20 de Janeiro de 1973, o PAIGC decide avançar com a declaração unilateral de independência, que viria a ser reconhecida por Portugal em Setembro de 2024. Mais de cinco décadas depois, qual é o legado de Amílcar Cabral?
A esposa do revolucionário participou na criação da Fundação Amílcar Cabral, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, actualmente dirigida pelo antigo combbatente Pedro pires. O objectivo é, antes de mais, "preservar a história", explica Ana Maria Cabral, avançando que continua a ser importante "lutar pelo panafricanismo".
Temos a Fundação Amílcar Cabral que nós mesmos, os seus companheiros, criámos. Está agora a ser dirigida por um antigo combatente, Pedro Pires. E uma das questões é precisamente preservar a história, a nossa história. A lição que [Amílcar] deixa é que que temos de preservar a nossa independência, a nossa dignidade, que as pessoas devem procurar tudo para se tornarem dignas e cultas e defenderem-se.
Vale sempre a pena lutar pelo panafricanismo, porque há muitos tabus ainda a vencer em relação aos anos de colonização. Foram muitos anos. Em toda a África. Então, há muitos preconceitos ainda sobre África. Mas é preciso lutar contra tudo isso, lutar contra todos esses preconceitos, essas alienações, digamos assim, que os africanos ainda não conseguiram libertar se das alienações todas que nos foram impostas. De maneira que tem de se lutar.
Cinco décadas depois do seu assassínio, o infindável legado de Amílcar Cabral continua a inspirar movimentos panafricanistas e anti-coloniais.
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