Donald Trump tomou posse como 47.º Presidente dos EUA, levantando incertezas quanto à política externa, especialmente com o continente africano. No seu primeiro mandato, Trump mostrou pouco interesse pelo continente africano. O docente da Escola Superior de Relações Internacionais da Universidade Joaquim Chissano, Calton Cadeado, acredita na manutenção do status quo nas relações EUA-África e observa a saída dos EUA da OMS e do Acordo de Paris como um reforço da postura unilateral de Donald Trump.
RFI: Donald Trump descreveu o início da sua gestão como uma "era dourada", prometendo apostar na prosperidade americana. Por outro lado, diversos líderes africanos manifestaram interesse em fortalecer os laços com os EUA, destacando esperanças em parcerias económicas e cooperação mútua. O que se pode esperar das relações entre os Estados Unidos e o continente africano nos próximos quatro anos?
Calton Cadeado: À primeira vista, é esperar mais do mesmo. Não há grandes alterações. Uma grande evidência disso é o número de convidados africanos que não estão presentes nos eventos presidenciais. Isso já diz algo, porque a África nunca foi uma prioridade para os Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump. Isso ficou ainda mais explícito no passado, e não há muita expectativa de que isso venha a mudar.
Em que medida a política de Donald Trump pode travar o desenvolvimento e as relações entre os Estados Unidos e a África?
Não vejo possibilidade de travar as relações entre os Estados Unidos e a África. Vejo uma continuidade do que já está em curso. Por isso digo: mais do mesmo. Há, por exemplo, algum receio de que projectos como o corredor do Lobito, em Angola, sejam interrompidos. Mas não acredito que os Estados Unidos abandonarão a política de apoio a questões de saúde, por exemplo. Também não vejo os Estados Unidos a desistirem de alargar a sua presença no continente africano por meio do AFRICOM, algo que, apesar de difícil de concretizar, continua relevante. Além disso, abandonar completamente o continente africano significaria abrir espaço para a China e a Rússia, que estão activamente à procura de fortalecer as suas influências.
Mas quando Donald Trump anuncia a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), isso terá inevitavelmente consequências à escala global, mas também para o continente africano?
De facto, essa saída simboliza um ataque ao multilateralismo, algo que já se esperava de Donald Trump. No entanto, é importante considerar o lado bilateral das relações, que ele provavelmente vai tentar manter. Sair completamente seria uma tragédia para as ambições geopolíticas americanas. Por outro lado, Trump pode simplesmente ignorar políticas que Joe Biden implementou e que foram bem recebidas em África, como a defesa de uma maior presença africana no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Essa é uma questão que Donald Trump provavelmente não discutirá, como já ficou evidente nos seus discursos. Outro aspecto importante são as cimeiras entre os Estados Unidos e a África, cuja realização permanece incerta. Mas, se não acontecerem, não será uma surpresa, pois já é o que se espera de Donald Trump.
O que pode acontecer caso essas cimeiras não se realizem nos próximos quatro anos?
Está claro que, para os Estados Unidos sob Donald Trump, a África não é uma prioridade. A menos que algo extraordinário aconteça no continente, Trump dificilmente gastará recursos em iniciativas como as cimeiras EUA-África, especialmente se essas acções não trouxerem benefícios económicos directos para os Estados Unidos.
Em que medida, China e Rússia podem capitalizar um possível recuo dos Estados Unidos no continente africano?
Quando Joe Biden fez a visita histórica a Angola, no contexto do corredor do Lobito, muitos interpretaram isso como um colapso da influência russa em África. Contudo, a Rússia, devido à guerra na Ucrânia, enfrenta dificuldades económicas e políticas que limitam a sua acção no continente. Já a China parece mais bem posicionada para capitalizar qualquer recuo dos Estados Unidos. No entanto, é difícil medir os resultados a curto prazo, pois são apenas quatro anos, e mudanças significativas ou estratégicas não são esperadas nesse período.
Por que motivo disse que a Rússia está a perder presença em África?
A guerra na Ucrânia tem impactado severamente a economia russa, e já existem sinais claros de que o país enfrenta desafios significativos. Isso lembra o colapso da URSS, que também enfrentou dificuldades económicas semelhantes. Além disso, a Rússia está cada vez mais focada em questões internas e em alianças estratégicas próximas das suas fronteiras. O grande braço da política externa russa, o Grupo Wagner, também se encontra fragilizado. Actualmente, parece que a Rússia está mais preocupada em proteger a sua segurança interna do que expandir a sua influência externa.
Donald Trump gerou indignação ao usar termos depreciativos para se referir a países africanos. Essa retórica ainda influencia a percepção e as relações diplomáticas?
As relações diplomáticas têm um histórico importante. Em Moçambique, por exemplo, há uma percepção de que as relações com os republicanos sempre foram boas, ao contrário dos democratas. Contudo, a retórica de Trump reforça a desconfiança e o cepticismo em relação à hegemonia americana. Essa visão é amplificada pelo nacionalismo de Donald Trump, que prioriza abertamente os interesses dos Estados Unidos, mesmo que isso prejudique outros países.
Acredita que a OMS pode sobreviver à saída dos Estados Unidos?
Esse é um grande teste para a OMS, que sempre dependeu muito dos Estados Unidos como maior contribuinte. A organização precisará de procurar recursos de potências emergentes, mas isso tem um custo elevado. A China, por exemplo, está mais focada em ganhar dinheiro do que assumir a liderança mundial.
Como interpreta a saída dos EUA do Acordo de Paris? E de que forma os países africanos podem defender seus interesses climáticos?
A saída de Trump do Acordo de Paris era previsível, dada a sua coerência em priorizar os interesses americanos. Para países africanos como Moçambique, isso representa um desafio para se reinventar e procurar parcerias alternativas. É uma oportunidade de reduzir a dependência excessiva dos Estados Unidos e de encontrar soluções internas para lidar com problemas climáticos.
Por: Lígia ANJOS
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