terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Saif al-Islam Khadafi quebra silêncio e reitera acusações contra Sarkozy


Saif al-Islam Kadhafi, fotografia não datada. © Comitiva de Saif al-Islam Kadhafi

Numa conversa exclusiva com a RFI, Saif al-Islam, um dos seis filhos do Coronel Khadafi, quebra o silêncio. Em 2018, Saif al-Islam deu uma entrevista ao jornal New York Times, mas pela primeira - desde 2011 - aceitou falar sobre o alegado financiamento da campanha presidencial de Nicolas Sarkozy, em 2007. Saif al-Islam respondeu às perguntas da RFI por escrito, reafirmando a sua versão do caso. O julgamento do ex-Presidente francês e de outros onze arguidos começou há duas semanas, em Paris.

Quando, na segunda-feira, 6 de Janeiro de 2025, a RFI fez um novo pedido de entrevista a Saif al Islam, através de um próximo de um dos filhos do Coronel Khadafi , o intermediário não se mostrou particularmente optimista.

"Vou colocar a questão, mas não tenho a certezas”.

A resposta chega ao final da tarde. Saif al Islam não dará entrevista, mas aceita dar a versão do "caso do financiamento da Líbia". Por iniciativa própria, envia um texto, com cerca de duas páginas, escrita em francês e maioritariamente na terceira pessoa do singular, mostrando que um tradutor tinha participado na redacção do texto. Segue-se uma troca de correspondência, por escrito e em árabe, ainda por intermédio de um interlocutor, para obter esclarecimentos sobre as afrimações que são feitas. Desde o começo, a RFI certifica-se que se trata de Saif al Islam.

Nesta troca de mensagens, Saif al Islam recorda que em 2018 transmitiu o seu testemunho ao juiz Serge Tournaire, responsável pela investigação deste caso político-financeiro, alegando que o ex-Presidente francês o pressionou, através de intermediários e em diversas ocasiões, a alterar o seu depoimento em tribunal.

Três tentativas para alterar o testemunho sobre Sarkozy

De acordo com Saif al Islam, Souha al-Bedri, uma consultora em comunicação,baseada em Paris, faz-lhe, em 2021, o primeiro pedido para alterar o testemunho sobre Nicolas Sarkozy. Saif al Islam afirma que lhe foi pedido para "negar tudo o que é dito sobre o apoio líbio a Sarkozy nas eleições". Com que compensação? Ajuda, garante a consultora, a encerrar o caso diante do Tribunal Penal Internacional. No início de 2025, Saif al Islam continua a ser procurado pelo Tribunal Penal Internacional - TPI.

Segundo Saif al Islam, no final de 2022, um novo emissário de Nicolas Sarkozy - Noël Dubus-aborda Hannibal Khadafi, o irmão mais novo, preso há vários anos no Líbano. O homem, de nacionalidade marfinense, é citado neste caso de alegado financiamento da campanha eleitoral de Nicolas Sarkozy, mas também no caso Karachi, que diz respeito a contratos de armamento.

Noel Dubus, conta Saif al Islam, terá ido a Beirute pressionar Hannibal "para garantir a sua libertação, caso Saif al Islam alterasse o depoimento a favor de Sarkozy".

Hannibal, o filho mais novo de Khadafi, está preso em Beirute desde 2015, em ligação com o desaparecimento de Moussa el-Sadr, um alto dignitário religioso libanês visto pela última vez na Líbia em Agosto de 1978. O Líbano exige informações a Trípoli sobre o desaparecimento do alto dignitário religioso.

Saif al Islam afirma que uma terceira tentativa é feita numa data posterior, não especificada, por um francês de origem árabe, cuja identidade recusou revelar. Mas, indica o filho do líder líbio, não são nem Alexandre Djouhri, nem Ziad Takieddine, os dois principais intermediários neste caso do alegado financiamento líbio da campanha de Nicolas Sarkozy. Djouhri e Takieddine são ambos arguidos neste caso.

O filho do Coronel Khadafi diz que "recusou sempre" todas estas exigências. A RFI não conseguiu verificar de forma independente as alegações de Saif al Islam. A ordem de reenvio para o tribunal criminal menciona vários casos de pressão exercida sobre as testemunhas no contexto deste caso.

Advogado de Nicolas Sarkozy fala em afirmações "delirantes e muito oportunistas"

Questionado pela RFI sobre estas declarações, o advogado de Nicolas Sarkozy, Christophe Ingrain, afirma que se tratam de afirmações"delirantes e muito oportunistas". Christophe Ingrain refere que as declarações "ocorrem numa altura em que o julgamento está apenas a começar e vêm de alguém que, desde o início do julgamento, há dez anos, tem feito acusações que não são nem suportadas nem confirmadas".

O advogado de Nicolas Sarkozy acrescenta que “há dez anos que promete entregar documentos que confirmem estas acusações. Até ao momento, nada foi submetido ao procedimento. Por isso, para mim, estas acusações são feitas na base da fantasia e não têm qualquer importância".

Contactado pela RFI, Souha al-Bedri nega ter transmitido “este tipo de mensagens” a Saif al-Islam em 2021. “Isso não é, de forma alguma, verdade", disse.

Sobre a ligação ao antigo Presidente francês, Souha al-Bedri explica que Nicolas Sarkozy foi seu advogado nos anos 80, que foi militante do UMP, que apoiou a candidatura de Sarkozy nas eleições antes de devolver o cartão do partido e não ter mais contacto com ele

Questionado por um dos advogados, sobre o encontro que manteve com Noël Dubus, Hannibal Kadafi afirma, tal como o irmão, que Noël Dubus o contactou em 2022, para que exercesse pressão junto de Saif al Islam de forma a este alterar o depoimento a favor de Sarkozy.

Cinco milhões de dólares transferidos?

Durante a conversa com a RFI, Saif al Islam avança pormenores sobre o papel que afirma ter desempenhado no financiamento da Líbia.

"Sarkozy recebeu 2,5 milhões de dólares da Líbia para financiar a sua campanha eleitoral", durante as eleições presidenciais de 2007, uma quantia em troca da qual Nicolas Sarkozy deveria "concluir acordos e executar projectos a favor da Líbia" .Uma segunda quantia de 2,5 milhões de dólares, também em dinheiro, foi, segundo Saif al Islam, entregue ao clã Sarkozy.

O Saif al Islam não especifica quando, mas afirma que em troca as autoridades líbias esperavam que Nicolas Sarkozy pusesse fim à investigação do ataque contra o avião DC-10 da companhia UTA que fazia a ligação entre Brazzaville, Congo, e N'Djamena, Chade, 170 pessoas perderam a vida, incluindo 54 franceses em 1989. Queriam, igualmente, que os nomes dos seis líbios, envolvidos no ataque, fossem retirados da lista da Interpol, incluindo o de Abdallah Senussi, chefe dos serviços secretos líbios e cunhado de Khadafi.

Saif al Islam alega que ele próprio ofereceu a quantia ao antigo chefe de Estado francês em troca do fim do processo e que supervisionou pessoalmente a transferência do dinheiro em numerário.

"As malas com dinheiro foram entregues a Claude Guéant"

Saif al Islam refere que as malas com dinheiro foram entregues a Claude Guéant, então chefe de gabinete de Nicolas Sarkozy.

"O dinheiro foi-lhe dado por Bashir Saleh", antigo financeiro de Muammar Kadhafi e braço direito, que também esteve implicado no caso. Foi por intermédio, especifica o filho de Khadafi, de Alexandre Djouhri, um empresário de origem argelina. Ainda de acordo com Saif al Islam, o dinheiro foi depois depositado numa conta bancária em Genebra. Saif al Islam reiterou à RFI que os 5 milhões de dólares em dinheiro foram transferidos para Nicolas Sarkozy.

O filho do antigo líder líbio conta a célebre cena - já relatada por Bashir Saleh - que "fez rir todos os presentes", em que Claude Guéant, ministro do Interior, terá tido dificuldade em fechar uma mala cheia de dólares. Claude Guéant que ainda nega o envolvimento no caso.

O caso caricato já tinha sido contada aos tribunais franceses por Saif al Islam no seu depoimento escrito em 2018 e consta da ordem de reenvio do caso. Neste depoimento escrito em árabe, Saif al Islam declarou que durante a entrevista de 6 de Outubro de 2005, realizada em Tripoli, na tenda de Khadafi, os Srs. Sarkozy e Khadafi discutiram o apoio financeiro ao futuro candidato na eleição presidencial francesa. O Saif al Islam indicou que o apoio a esta campanha "resultou no pagamento de 2,5 milhões de euros".

Segundo os juízes, Saif al Islam explicou que "foi por essa razão que Nicolas Sarkozy enviou o chefe de gabinete, Claude Guéant, para receber o dinheiro". Saif al Islam obteve a confirmação da transferência de fundos para Claude Guéant de Béchir Saleh no escritório deste último.

"Claude Guéant regressou a França com os 2,5 milhões de euros em dinheiro", indica a ordem de transferência, citando Saif al Islam, que afirma ainda que "Ziad Takieddine foi informado destes factos".

Na troca de mensagens que teve com a RFI, Saif al Islam sublinha que Nicolas Sarkozy, então Ministro do Interior, contactou pessoalmente Abdallah Senoussi, o antigo Ministro do Interior da Líbia, por ocasião de uma visita à Líbia em 2005 e prometeu-lhe que retiraria o seu nome da lista da Interpol assim que fosse eleito Presidente.

O filho do antigo líder líbio garante que as gravações desta conversa telefónica estão na posse de Senoussi e que tudo isto foi reportado, em 2018, ao juiz Tournaire, responsável pelo caso. Em diversas ocasiões, as autoridades líbias alegaram que existem gravações e documentos, mas até ao momento, a justiça francesa não teve acesso a nenhuma dessas provas. Saif al Islam mencionou este caso de alegado financiamento, em Março de 2011, durante uma entrevista ao canal Euronews, mas também numa conferência de imprensa, em Tripoli, antes da queda do regime líbio.

Após a intervenção da NATO, exigiu que o antigo chefe de Estado francês devolvesse o dinheiro à Líbia. A ordem de encaminhamento apresenta vários elementos que apontam para a multiplicação dos canais de transferência de dinheiro, bem como para a existência de vários intervenientes, dentro do regime líbio, envolvidos nas transferências de dinheiro, descrevendo um suposto acordo que vai além da partição reivindicada por Saif al Islam.

“Vingança objectiva”?

Transação feita em numerário? "Mais uma vez, são afirmações totalmente fantasiosas", garante Christophe Ingrain, advogado de Nicolas Sarkozy. O advogado do ex-Presidente sublinhou que as acusações “não têm qualquer fundamento”: “Não são apoiadas por nada, vêm de alguém que, na altura da Primavera Árabe e da intervenção da NATO na Líbia, perdeu tudo, esta intervenção da NATO foi iniciada pelo Presidente Sarkozy, estamos realmente no contexto de uma vingança objectiva".

Questionado sobre a teoria do caso que investigava o ataque ao avião DC-10, apresentada como contrapartida solicitada pelos líbios o advogado de Sarkozy reage que se trata "mais uma vez de algo falso, não tem apoio em nada", argumentando que "a justiça francesa não funciona assim, os mandados de detenção emitidos por um tribunal criminal não podem ser cancelados por ninguém. A única forma de parar a busca é que as pessoas que são alvo da mesma se apresentem e sejam julgadas, não há outra forma legal, por isso, mais uma vez, estas são acusações completamente gratuitas, que visam apenas prejudicar, que visam apenas tirar vingança".

Para o advogado do ex-Presidente francês, “há dez anos que se prometem documentos que, obviamente, nunca são entregues e, com razão, não existem e, com razão, nunca foram feitos os chamados pagamentos. (...) portanto é tudo conversa fiada".

Nem "um único cêntimo líbio" financiou a campanha presidencial de 2007

Christophe Ingrain acredita que "não há nada de novo nestas ideias selvagens do Sr. Kadhafi, não são acusações que provavelmente mudarão alguma coisa". Desde que o julgamento começou, a 6 de Janeiro de 2025, Nicolas Sarkozy tem afirmado que nem "um único cêntimo líbio" financiou a sua campanha presidencial de 2007.

"Nunca precisei", garante. O ex-Presidente diz que foi vítima de "dez anos de calúnias. Gostaria que, finalmente, se alguém tivesse o elemento mais pequeno, mo desse! É desgastante ter de responder a alegações que não se baseiam em nada! ", declarou diante do tribunal.

*Todas as pessoas nomeadas neste artigo presumem-se inocentes.

Quais são as ambições de Saif al-Islam, quase 14 anos depois da queda do regime de Muammar Kadhafi?

Saif al-Islam Khadafi expressou repetidamente o desejo de se candidatar à presidência da Líbia, mas desde a queda de Mouammar Kadhafi, o país nunca realizou essas eleições. Em Novembro de 2011, foi detido em Zentan, acusado de estar implicado na repressão do povo líbio e pelas ameaças feitas contra os insurgentes. Foi libertado em Junho de 2017 sob amnistia geral, mas alguns na Líbia ainda pedem que seja condenado à pena de morte.

Actualmente, vive em Zentan, deslocando-se no sul da Líbia, onde conta com o apoio das tribos. Ainda é procurado por um mandado de captura emitido pelo TPI por crimes de guerra, mas a Líbia não tem planos para o entregar. Os seus advogados consideram que o facto de ter sido julgado no país não dá o direito ao TPI de o julgar uma segunda vez pelos mesmos motivos. O procurador deste caso, Karim Khan, que foi seu advogado no passado, continua, no entanto, a exigir a sua extradição.

Porquê e como é que o Saif al Islam Kadhafi respondeu à RFI por escrito?

O Saif al Islam Kadhafi respondeu às perguntas e pedidos de esclarecimento da RFI por escrito, através de uma pessoa de confiança e que integra a sua comitiva. Não quis utilizar uma linha telefónica internacional, receando ser localizado. A sua comitiva diz que ele tem muito pouca confiança nos meios de comunicação social.

Após vários pedidos da RFI, finalmente concordou em falar no contexto da abertura do julgamento. A RFI conseguiu verificar a identidade de Saif al Islam Kadhafi. Esta é a primeira vez, desde 2011, que fala aos meios de comunicação social sobre o caso do financiamento líbio da campanha presidencial de Nicolas Sarkozy em 2007.

Artigo escrito pela jornalista da RFI, Houda Ibrahim.

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