Nas reuniões da plenária da CNE realizadas durante a 1.ª e 2.ª volta das presidenciais, adotou-se como procedimento e ponto 1 da ordem dos trabalhos a leitura, a submissão e assinatura da acta da reunião precedente. Assim se trabalhou.
Depois das eleições da 2.ª volta, realizadas no passado dia 29 de Dezembro, a plenária reuniu-se no dia 1 de janeiro, convocada para a apreciação, deliberação e posterior divulgação dos resultados provisórios. Para análise e comparação com os dados que as candidaturas detinham foram distribuídas as Actas dos resultados parciais de votação em cada uma das Regiões, bem como o mapa de resultados nacionais provisórios, este obtido do apuramento regional e integrante da Projeção de votos por Região e Nacional. Nesta reunião, nenhum dos presentes reclamou de alguma irregularidade desses documentos. Porém, a representante do Candidato posteriormente Reclamante referiu que houvera problemas na votação e que a Polícia Judiciária estaria ao corrente, solicitando o adiamento da divulgação dos resultados provisórios. Pediu-se-lhe prova documental, ou testemunhal ou outra qualquer que se pudesse apreciar. Não apresentou. Depois de uma aturada discussão e prolongamento da reunião plenária, esclareceu-se-lhe sobre o cumprimento de prazos na divulgação dos resultados e deu-se-lhe conhecimento da inexistência de quaisquer reclamações, protestos ou contraprotestos feitos em conformidade com a lei. Durante e concluída a reunião, ninguém, nem a representante do Candidato posteriormente Reclamante, tão pouco o representante do Governo, que havia corroborado na tese do adiamento da apresentação dos resultados provisórios, solicitou que o conteúdo da reunião fosse imediatamente revertido em acta e esta assinada. Ou seja, que se alterasse o habitual procedimento. Tanto que, estava o coletivo atrasado em relação à hora marcada para a divulgação dos resultados provisórios e todos cientes do que tinha sido tratado na reunião.
Apressada e atrasada, a CNE compareceu ao Acto Público de apresentação dos resultados provisórios da 2.ª volta das presidenciais, presidido pelo seu Presidente, na presença da Comunidade e Observadores das Eleições Internacionais, como de todos que se fizeram presentes. Neste Acto, igualmente ninguém solicitou Acta de apuramento nacional, assinada. Afinal eram os provisórios e a Acta era explanada em apresentação pública.
Dois dias depois, ao arrepio da disposição imperativa da Lei Eleitoral (LE), que condiciona o objeto do recurso contencioso ao plenário do Supremo Tribunal da Justiça às decisões proferidas pela CNE sobre as reclamações, protestos ou contra protestos (art.º 142.ª), enquanto instância recorrível e sempre que esteja esgotada a possibilidade de reclamar ou recorrer para entidades administrativas com competência própria na matéria, foi interposto recurso pelo Candidato que perdera o pleito eleitoral, com fundamento em irregularidades e pedindo ao STJ a recontagem dos votos.
Naturalmente que o STJ, que controla, em última instância, a legalidade dos atos do processo eleitoral, por “inobservância de prescrição legal imperativa”, nem sequer conheceu o mérito da causa (exceção dilatória). Assim como, resolvendo todas as questões submetidas à sua apreciação (art.º 660.º/2 do CPC), o STJ mais decidiu: indeferiu o incidente de suspensão da instância por fraude eleitoral; não deu provimento a providência cautelar, considerando-a expediente dilatório; indeferiu o incidente de suspeição de Juiz Conselheiro do STJ; e não considerou sequer a queixa-crime interposta contra o Presidente da CNE. Pois, ficou evidente que, se mais se pudesse, mais se inventaria.
Todavia, na sua decisão, a título oficioso, o STJ ainda encerra a ação interposta junto a si com uma interpelação à CNE para observar as exigências constantes no art.º 95.º da LE, como seja o envio de um exemplar da Acta do apuramento nacional aos órgãos de soberania, aos partidos políticos ou coligações de partidos concorrentes.
O STJ decidiu e está decidido, definitivamente (art.º 147.º da LE).
Interessantemente, para quem tenha seguido todo este processo eleitoral com alguma ironia, designadamente a 2.ª volta, o convite do STJ foi imediatamente revertido em cavalo de batalha pelo Reclamante dos resultados provisórios. O assunto passa à ordem do dia e a Acta de apuramento dos resultados nacionais passa a ser ausência de operações do apuramento nacional, preterição de uma formalidade e a falta de pressuposto essencial. No fundo, a Acta é agora uma abébia e, necessariamente, o caminho trilhado para já não se aceitar a própria Acta, de maneira a não se aceitar os resultados divulgados.
Algo que, nem o STJ poderia prever. Pois, sabe-se que a falta de pressuposto processual essencial são aquelas exigências legais sem cujo atendimento o processo, como relação jurídica, não se estabelece ou não se desenvolve validamente; e que, em consequência, não atinge a sentença que deveria apreciar o mérito da causa.
A Acta foi investida em tábua de salvação, e à sua celebridade acresceu um ataque acérrimo à CNE e à reputação dos seus membros. A CNE foi posta de rastos, não escapando a acusações de questionamento, tais como: omissão tão brutal, de tão primária? Falta de profissionalismo? Incúria? Atitude deliberada? Incompetência? Coerção? Irresponsabilidade? Má-fé? Como se todos não soubéssemos que estes adjetivos estariam melhor se reportados ao recenseamento eleitoral que esteve na base desta tripla eleição. O pior da história democrática guineense, feito na total incúria e amadorismo jamais responsabilizado, para que a culpa, como sempre, morresse sozinha.
É caso para hoje também se questionar se terá sido deliberado a omissão do pedido da Acta e sua assinatura? E se fosse o contrário? E se o reclamante tivesse ganho? E se houvesse boa-fé?
Mas afinal o que é uma acta de apuramento de resultados nacionais? É onde se limita a somar as parcelas das dez CREs. São burocracias, um pró-forma, que em nada podem alterar o resultado. As actas das mesas fazem fé, mormente quando não existem reclamações, protestos ou contra protestos. Ademais, a verificação e confrontação do apuramento geral de todos os resultados da votação das assembleias de voto que constituem o círculo é feita com a obrigatoriedade da presença de delegados das listas, sob supervisão dos presidentes das mesas e da fiscalização dos delegados do Ministério Publico (art.º 83.º al. c) da LE).
Um mero convite para suprimento de irregularidade transformou-se num incidente para agora se tomar a nuvem por Juno, sabendo-se que esse convite não pode ter impacto ao nível dos resultados e, muito menos invalidar um processo eleitoral. Por isso, o Reclamante, cautelosamente, não pede a aclaração do Acórdão.
Por decisão do STJ, a CNE só tem que elaborar a bendita Acta, assinando-a, formalizando o atraso, atribuindo ao "acto público" igual valor, e anunciar e publicar os resultados eleitorais definitivos. A vontade do Povo é soberana!
Bissau, 14 de janeiro de 2020.
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