quarta-feira, 18 de junho de 2014

DR. JULIAO SOARES SOUSA - 'NÃO ACREDITO QUE VENHA A HAVER UM OUTRO GOLPE DE ESTADO NA GUINE-BISSAU'




Julião Soares Sousa foi o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra. Historiador e investigador guineense, especialista em História Política da Guiné e de Cabo Verde, Julião Soares Sousa defendeu, em 11 de Janeiro de 2008, em provas públicas, a sua tese de doutoramento, intitulada “Amílcar Cabral e a luta pela independência da Guiné e Cabo Verde 1924-1973”, publicada em livro com o título Amílcar Cabral (1924-1973). Vida e Morte de um Revolucionário Africano. Foi distinguido em 2011 com o Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História Moderna e Contemporânea de Portugal, pela Academia Portuguesa de História.

A sua principal área de investigação é a construção do Estado nos PALOP. Porém, revela ainda particular interesse por outras áreas científicas afins, tais como: História de África, História e Cultura dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, História da Expansão, Colonialismo, Anticolonialismo e Identidades Nacionais, Cultura e Conflito, Conflitos e Resoluções de Conflitos, CPLP e História e Teoria das Relações Internacionais.

Natural de Bula, Guiné-Bissau, vive em Portugal, sendo Investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra.

Em 1991 concluiu a Licenciatura em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Seis anos depois, em Janeiro de 1997, torna-se mestre em História Moderna, também pela FLUC.


ENTREVISTA COM O DOUTOR JULIÃO SOARES SOUSA


1-Conosaba: Depois de tantos anos em Portugal (Coimbra) pensou um dia regressar ao seu país natal?
JS: Sim. Naturalmente. Penso que é o sonho de todos quantos emigram. Recorrentemente todos temos sempre na nossa agenda a vontade de regressar ao país natal e estar ao lado dos nossos familiares, amigos e irmãos. Quem não pensa assim? Infelizmente, para muitos esse sonho acaba por ser apenas um sonho.
2-Conosaba: Há muito se dizia que a Guiné-Bissau é um país muito pobre, será?
JS: Em termos de recursos naturais, recursos humanos ou culturais? (risos…). A Guiné-Bissau não é um país pobre em termos de recursos naturais, humanos ou culturais. Essa é uma ideia veiculada pelo colonialismo durante décadas, inclusivamente, para não despertar a cobiça de outros potentados europeus. Como sabe, gradualmente esta ideia tem vindo a cair e o futuro ainda nos reserva grandes surpresas nesse domínio. Mas há uma coisa que é absolutamente incontornável. O país mais rico não é aquele que tem importantes recursos naturais. Essa ideia é do século XIX. Hoje, o país mais rico é aquele que é capaz de colocar os benefícios desses recursos ao serviço das populações, criando escolas, hospitais, estradas, para acabar com a miséria e o sofrimento em que se vive ou de aproveitar racionalmente os seus recursos humanos. Veja o que se passa hoje à nossa volta com a disputa dos recursos humanos entre países. Quem paga mais leva os melhores. Esse processo já está a acontecer em África. É aqui que está a chave de países como o nosso se for capaz de mobilizar os seus recursos humanos que se encontram espalhados pelos quatro cantos do globo.
3-Conosaba: na sua opinião a Guiné-Bissau é um país adiado?
JS: A Guiné-Bissau não é um país adiado. Tem vivido muitos sobressaltos, é certo, mas está longe de ser um país adiado. E a resposta mais evidente para a sua pergunta é o facto de hoje os filhos da Guiné estarem a arregimentar-se e a organizar-se para colocar o país na senda do progresso. Isso é sinal de que se pode fazer mais e melhor e de que há uma margem de manobra para mudar o status quo que chegou a ser, numa determinada fase da nossa história recente, de desesperança. Acredito que havendo patriotismo sentimental lograremos a desejável mudança.
4-Conosaba: Com uma zona económica exclusiva de 200 milhas, dizem que a Guiné-Bissau possui recursos haliêuticos, madeiras, fosfato, bauxite e até mesmo petróleo que ultrapassa todas as expectativas, recursos que a longo prazo poderão assegurar a sua sobrevivência, concorda?
JS: A Guiné-Bissau possui tudo isso e mais. Mas a sobrevivência de um país não depende tanto dos recursos naturais. Depende mais da capacidade dos seus filhos e da vontade que possam ter em criar condições para a elevação do nível de vida das pessoas. Como dizia anteriormente, o importante não é ter recursos. É fazer com que as pessoas possam usufruir dos benefícios da exploração desses recursos. Mesmo só com o turismo nós poderíamos sobreviver como país. Mas tem que ser um turismo que não prejudique a nossa biodiversidade. Para isso é preciso criar infraestruturas (hospitais apetrechados, ter bons médicos especializados em doenças tropicais, etc. etc). Sabe, mesmo os recursos haliêuticos e o petróleo etc., que referiu, não são inesgotáveis. Daí a importância de fazer uma exploração criteriosa e racional desses recursos e, sobretudo, exercer efetivamente maior vigilância e soberania sobre a nossa Zona Económica Exclusiva (ZEE) e sobre o nosso património natural e cultural. Só dessa maneira estaríamos a defender os interesses do nosso país e dos nossos povos.
5-Conosaba: Acha que a Guiné-Bissau corre o risco de vir a sofrer um outro golpe de Estado?
JS: Não acredito que venha a haver um outro golpe de Estado no meu país. Só se fôssemos burros é que embarcaríamos num outro golpe. O golpe de 12 de Abril foi uma grande lição. Acho que devemos aprender com os erros cometidos e tentar corrigir. Estou convencido de que, doravante, o guineense que tem responsabilidades escolherá sempre a via de diálogo. É claro que o caminho é um caminho estreito ainda, mas com a propensão para o diálogo nacional revelada pela classe política todas as adversidades poderão facilmente ser suplantadas.
6-Conosaba: É desta que a Guiné-Bissau se erguerá para sempre?
JS:Definitivamente… Tenho mais razões para responder afirmativamente do que negativamente. Há neste momento uma grande vontade interna para mudar as coisas. Isso era o que vinha faltando. Sempre dissemos que o primeiro passo para qualquer mudança no nosso país passaria sempre pela manifestação dessa vontade internamente. Isso está a acontecer. A oposição, quando é responsável, faz-se nos parlamentos e não na praça pública. Em todo o caso, para mim, “erguer para sempre” significa defender os interesses do nosso país e dos nossos concidadãos onde quer que eles se encontrem. É criar condições objetivas e subjetivas para que as pessoas vivam melhor, em paz e segurança.
7-Conosaba: O que se espera do novo governo e a nova presidência da Guiné-Bissau?
JS: Espera-se que Domingos Simões Pereira e José Mário Vaz possam cumprir com as expectativas que os eleitores depositaram neles. E, sobretudo, que durante os seus mandatos possam recuperar a dignidade dos cargos e das funções que vão desempenhar por vontade expressa nas urnas. Ambos devem trabalhar em articulação e rodear-se da melhor nata. As reformas no nosso país não devem resumir-se às preocupações internas. É urgente recuperar a imagem exterior do país e isso só se conseguirá com uma reforma também profunda nesse plano.
8-Conosaba: Entre PAIGC E PRS como vai ser a coabitação? É possível um entendimento no parlamento e na governação no nosso país?
JS: Bom, como sabe, o Partido que ganhou as eleições legislativas é o PAIGC. E com maioria absoluta. Em todo o caso, sou da opinião que entre ambos os partidos (e até alargado a outros) é possível chegar a entendimentos a nível parlamentar e extraparlamentar. Cheguei mesmo a sugerir, numa outra ocasião, que entre estes partidos (e outros do nosso espectro político-partidário) se estabelecessem Pactos de Regime duradoiros. Este entendimento alargado sobre os principais dossiers nacionais é não só absolutamente necessário como indispensável para a pacificação do país e para uma boa e estável governação. Creio que tem havido diligências nesse sentido. Sabe, há já algo que mudou no nosso país. Até agora ninguém sabe quem vai integrar o próximo elenco governamental e pouco ou nada se sabe das diligências que estão a ser feitas a outros níveis. Isso é um bom sinal. Mesmo aqueles rumores e boatos que a partir de uma determinada altura confiscaram o nosso sistema político e institucional parece que de repente terminaram. 
9-Conosaba: Afinal quem tem razão, CEDEAO ou CPLP neste caso de conflito de 12 de Abril de 2012?
JS: Aqui não se trata de fazer juízos de valor sobre quem tem razão e quem não a tem. Mas, é evidente que as posições relativamente a um facto (o golpe de Estado de 12 de Abril de 2012) e a forma de gerir o processo foram, sem dúvida, diferentes. Devo dizer-lhe claramente que, nos tempos que correm, ninguém (nenhuma organização regional, continental ou mundial) em seu pleno juízo aceita tacitamente um golpe de Estado contra qualquer governo legitimado nas urnas. E nessa matéria a margem de manobra será cada vez mais estreita nos próximos tempos. Em todo o caso, acho que o mais relevante nesta altura é lançarmos um olhar em relação ao futuro. E o futuro do nosso país passa necessariamente pelo reforço da nossa participação e posição no quadro dessas duas organizações, defendendo sempre os interesses do nosso país. Temos também acrescidas responsabilidades no que concerne a mudança da imagem do nosso país junto destas duas organizações e no plano exterior, lacto senso.
10-Conosaba: Ramos Horta foi a chave fundamental desta transição na Guiné-Bissau?

JS: Não é fácil para ninguém trabalhar nas condições objetivas e subjetivas que encontrou e em que trabalhou. Mas cumpriu o seu papel. Houve uma transição pacífica e eleições legislativas e presidenciais sem incidentes que permitem para já o país regressar à normalidade constitucional. Que mais se poderia querer? Mas não foi só nesses aspetos que ele trouxe uma vital contribuição. Trouxe Timor Leste para a esfera das relações com a Guiné-Bissau. Como sabe a visita de governantes timorenses a Bissau têm sido frequentes e intensas. A Guiné-Bissau e a Timor Leste podem perfeitamente intensificar essas relações bilaterais e no quadro da CPLP noutros moldes para benefício dos dois povos e países. Acredito que é isso o que vai acontecer havendo vontade político como me parece que vai haver.

11. Conosaba: Disseram-me há pouco tempo, que numa das suas intervenções em Aveiro, pediu às ONG’s que operam na Guiné-Bissau para que deixassem de divulgar imagens das crianças guineenses no facebook e noutras redes sociais, e foi muito aplaudido. É Verdade?

JS: É verdade. Foi um gesto (um pedido) voluntário, muito pessoal. As crianças da nossa terra, apesar de tudo têm direito à imagem. Sei que não há nenhuma maldade nisso, mas acho que devemos defender também o direito à imagem, à privacidade e à reserva das nossas crianças, sem retirar valor ao trabalho que algumas ONG´s têm feito nosso país.

12-Conosaba: Para findar a nossa entrevista, fala-me um pouco sobre regresso da TAP a Guiné-Bissau...
JS: O regresso da TAP à Guiné-Bissau será um regresso natural de uma companhia com história nas ligações entre a Guiné-Bissau e a sua diáspora europeia. Por isso, na altura própria devemos saudar esse regresso. Contudo, as novas autoridades da Guiné-Bissau não devem colocar de lado a hipótese, havendo condições para isso, de criar uma companhia própria e/ou de criar condições para a entrada na concorrência de outros operadores, de modo a baixar substancialmente os preços das viagens, o que naturalmente interessa aos nossos emigrantes em Portugal e na Europa. Em qualquer circunstância o que deve estar sempre em cima da mesa e motivar as nossas ações nesse domínio e em todos os outros é a defesa do interesse nacional e dos interesses dos nossos compatriotas que vivem e trabalham no exterior.   

Feito por: Pate Cabral Djob


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