terça-feira, 16 de junho de 2020

CONSELHO DE IMPRENSA TIMORENSE CRÍTICA RECURSO A LEGISLAÇÃO DA GUINÉ-BISSAU SOBRE DIFAMAÇÃO


Díli, 16 jun 2020 (Lusa) – O presidente do Conselho de Imprensa timorense criticou hoje o facto de o Ministério da Justiça ter praticamente copiado a legislação da Guiné-Bissau na sua proposta de criminalização da difamação em Timor-Leste.

Virgílio Guterres, presidente do Conselho de Imprensa, lamentou em declarações à Lusa que a proposta timorense seja um ‘copy-paste’ quase total da legislação na Guiné-Bissau, afirmando que neste, como noutros casos, Timor-Leste deveria inspirar-se nas melhores práticas.

“É normal que se procure referências internacionais na elaboração do seu quadro legislativo, e que se recorra a Portugal ou até a outros países lusófonos”, disse.

“O que nos deve inspirar são os melhores, as referências dos melhores. Os piores podem considerar, mas apenas como referência do que não se deve copiar”, afirmou.

Em causa está uma proposta do Governo timorense, a que a Lusa teve acesso, que pretende criminalizar difamação e injúrias em resposta a situações de ofensa da honra, do bom nome e da reputação de indivíduos e entidades na comunicação social e nas redes sociais.

As medidas propostas, introduzidas num esboço de decreto-lei de alteração ao Código Penal, preparado pelo Ministério da Justiça e ao qual a Lusa teve acesso, preveem penas de prisão para casos de difamação e injúrias, para o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida.

“O Governo considera oportuno prever e punir determinadas imputações de factos ou juízos suscetíveis de os ofender, introduzindo no Código Penal os crimes de difamação e injúrias, o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida”, de acordo com o texto.

O texto que está a ser discutido em Timor-Leste, e que já suscitou críticas de dirigentes políticos, organizações da sociedade civil e do setor dos media no país, vai buscar praticamente na íntegra o texto e as penas definidas no Código Penal da Guiné-Bissau.

As referências são tiradas dos artigos 126 a 132 do Código Penal guineense, nomeadamente o capítulo IV “contra a honra”, e replicada na proposta de alteração ao código timorense.

O relatório de 2020 da organização Repórteres Sem Fronteiras, que coloca Timor-Leste em 78.º lugar entre 180 países, nota que a Guiné-Bissau caiu cinco posições em 2019 para 94.º lugar, considerando que "o impasse político" que se vive no país tem sido "um obstáculo à liberdade de imprensa".

Virgílio Guterres insiste que Timor-Leste ainda está a construir a sua democracia e que, por isso, deve consolidar direitos, não colocá-los em risco.

“Na busca de uma melhor solução para a nossa causa, devemos procurar referências que não vão contra os princípios constitucionais, os direitos humanos e a democracia que estamos a tentar alcançar”, frisou Guterres.

Globalmente, explicou, o Conselho de Imprensa nem sequer vai analisar a proposta em si, considerando que “criminalizar a difamação é simplesmente para rejeitar”, postura que vai ser comunicada ao Ministério da Justiça.

“Amanhã vamos ter um plenário e vamos escrever ao Ministério da Justiça para que cancelem este processo. Não vale a pena discutir uma lei que temos a certeza de que vai matar a democracia e a liberdade de imprensa”, afirmou.

Guterres rejeita igualmente argumentos do ministro da Justiça, Manuel Cáceres da Costa, de que a iniciativa pretende ajudar a educar a população.

“Não acredito nas prisões como instrumento de educação, principalmente numa sociedade democrática que queremos. A prisão não é um instrumento de educação, principalmente em supostos crimes de expressão”, afirmou.

“Não podemos encarcerar a opinião das pessoas. O melhor caminho para educar pessoas é investir na educação, na educação cívica, na formação. O MJ tem um papel a fazer para educar as pessoas para respeitar a lei, os regimentos que produzimos”, disse.

O presidente do Conselho de Imprensa questiona tanto a motivação da proposta como o seu ‘timing’, especialmente com o país em estado de emergência e num momento de combate à pandemia da covid-19.

“Porque é que esta ideia nasce num período em que o país todo e o mundo todo está concentrado na luta contra a pandemia? Sabemos das preocupações anteriores a este esboço, sobretudo o discurso de ódio nas redes sociais”, disse.

No entanto, considerou que “neste caso a melhor resposta a essas preocupações deveria ser com uma lei de crimes cibernéticos, não criminalizando a difamação”.

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