Manifestantes com bandeiras palestinianas na Praça da República, Paris. AFP - THOMAS SAMSON
A França vai reconhecer o Estado da Palestina em Setembro, durante a próxima assembleia geral da ONU. A decisão foi anunciada ontem pelo presidente francês através de uma publicação nas redes sociais. Porquê apenas em Setembro? O presidente francês poderá voltar atrás na sua decisão? A RFI colocou estas interrogações ao investigador em Relações Internacionais, José Palmeira.
"Fiél ao seu compromisso histórico com uma paz justa e duradoura no Médio Oriente, decidi que a França reconhecerá o Estado da Palestina", escreveu Emmanuel Macron no X, esta quinta-feira 24 de Julho. Um acto simbólico, sem implicações concretas, mas uma vitória política para a Palestina e uma afronta para Israel.
Trata-se de um "um marco político importante", considera o professor em Relações Internacionais na Universidade do Minho, José Palmeira.
Até agora, pelo menos 142 países já reconhecem o Estado da Palestina, de acordo com uma contagem realizada pela agência France-Presse que inclui a Espanha, a Irlanda e o Vaticano na Europa, e quase todos os países dos continentes africano, asiático e sul-americano.
Mas trata-se do primeiro país membro do Conselho de Segurança da ONU a dar o passo, assim como do primeiro país do G7, o grupo das maiores economias mundiais.
"A prova que esse reconhecimento tem impacto é que Israel reagiu muito negativamente", acrescenta José Palmeira.
Israel não tardou a expressar-se. A decisão francesa "recompensa o terrorismo", criticou o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, apoiado pelos Estados Unidos, que rejeitaram "com firmeza" este projecto e alegam que se trata de "uma decisão imprudente".
Por sua vez, o Hamas considerou que se trata de uma "etapa positiva para dar alguma justiça ao povo palestiniano". A Irlanda, a Jordânia ou ainda a Espanha saudaram uma decisão "histórica" e "primordial", vista pelo primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchez como "a única solução" para "proteger o que Benjamin Netanyahu procura destruir".
"Gesto político em reacção à situação humanitária catastrófica a que assistimos"
O reconhecimento do Estado da Palestina não se acompanha por medidas coercitivas ou sanções contra Israel. "Trata-se sobretudo de um gesto político", explica José Palmeira, "uma reacção a um impasse a que assistimos neste momento, que é a incapacidade de chegar a um cessar-fogo e, por outro lado, à situação humanitária catastrófica a que assistimos na Faixa de Gaza".
Perante a ajuda humanitária insuficiente e a sua distribuição ineficaz que, segundo a ONU, chegou a gerar mortes, "estes gestos políticos visam, em primeiro lugar, pressionar as partes", recorda o analista, antevendo depois, num futuro de paz, a possibilidade de "se chegar a uma solução de coexistência de dois Estados: o Estado de Israel e o Estado da Palestina".
Países da UE procuram evitar oferecer uma vitória política ao Hamas
Alguns sectores questionam: porque esperar Setembro para reconhecer o Estado da Palestina? "O objectivo é pressionar, mais do que concretizar", de acordo com José Palmeira.
Em Setembro, a França vai co-presidir com a Arábia Saudita uma conferência internacional da ONU a nível dos chefes de Estado e de Governo visando relançar a solução dos "dois Estados", um israelita, outro palestiniano.
No entanto, José Palmeira vê outra razão ao agendamento do reconhecimento apenas em Setembro. "O objectivo é dar tempo às partes para até Setembro, eventualmente se chegar a um cessar-fogo, no mínimo, porque a maior parte dos países da União Europeia não quer fazer já o reconhecimento do Estado palestiniano, por considerarem que pode favorecer o Hamas".
O Hamas, responsável pelos atentados de 7 de Outubro de 2023, não tem até agora nenhuma vitória política para apresentar, a não ser a sua resistência, diz o professor universitário, e os Estados europeus não querem conceder esse triunfo ao grupo islamista.
"Ora, o reconhecimento internacional do Estado palestiniano poderia ser considerada uma vitória para o Hamas. Alguns podem alegar que 'se não fosse o 7 de Outubro, não havia reconhecimento do Estado palestiniano', o que legitimaria os atentados. Ora, há países europeus que não querem dar esse triunfo ao Hamas e, portanto, esperam por uma solução pacífica. E esperam também que o Hamas não seja o protagonista do futuro Estado palestiniano, mas que seja antes a Autoridade Palestiniana. Este é o posicionamento da maioria dos Estados da União Europeia. O que é que estará a precipitar este reconhecimento? A questão humanitária, que de facto é catastrófica".
Por outro lado, a decisão de Emmanuel Macron foi anunciada no mesmo dia em que o Parlamento israelita aprovou um texto em que exige a anexação total da Cisjordania. Neste território vivem cerca de dois milhões de palestinianos juntos com cerca de 500 000 judeus em colonatos considerados ilegais aos olhos do direito internacional.
Esta situação e a decisão francesa podem estar ligadas, na medida em que "a iniciativa do Parlamento israelita poderá ter como consequência a de impedir que no futuro haja um Estado palestiniano".
No entanto, o analista considera que estas duas decisões, a de Macron e a do Parlamento israelita, poderão ter objectivos "políticos no sentido de pressionar, mais do que resultados consequentes".
Resta saber se a decisão francesa vingará até Setembro, ou se o Presidente Emmanuel Macron optará por retirar ou adiar a sua decisão. Dois cenários poderiam levar a um retrocesso por parte da França, refere o investigador: eventuais ameaças por parte de grupos palestinianos contra Israel, ou eventuais medidas humanitárias tomadas, até lá, por Telavive.
Eurodeputados exigem sanções contra Israel e contra a controversa Fundação Humanitária para Gaza
Ainda esta quinta-feira, mais de 60 eurodeputados enviaram uma carta à chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, em que exigem que o bloco comunitário adopte sanções contra Israel e contra a Fundação Humanitária para Gaza, organização controversa controlada pelo exército israelita, a única que procede à distribuição de ajuda alimentar na Faixa de Gaza e que a ONU acusou de estar implicada na morte de mais de 1 000 palestinianos desde o mês de Maio enquanto aguardavam ajuda alimentar.
Sanções essas que "fazem sentido", segundo José Palmeira, já que "a pressão política [sobre Israel], até agora, parece que não tem sido suficiente".
"Os palestinianos têm sido vítimas, alegadamente, quando vão à procura da ajuda alimentar, da sua própria procura de alimentos. O que para a comunidade internacional não é aceitável... Portanto, esta pressão sobre as instituições europeias para que actuem junto de Israel faz sentido. A pressão política até agora parece que não tem sido suficiente. Parece que, de facto, tem que haver alguma retaliação, algum tipo de sanções. A ver se Israel cede, numa matéria que é crucial do ponto de vista humanitário", refere.
A carta foi enviada pelos eurodeputados à Alta Representante para a Política Externa e de Segurança da União Europeia, Kaja Kallas. Mas a chefe da Comissão Europeia também está na linha de mira, já que Ursula Von Der Leyen tem sido muito criticada por alegadamente estar mais próxima das posições israelitas do que de um equilíbrio entre Israel e os palestinianos.
Por: Eva Massy
rfi.fr/pt/
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