domingo, 26 de novembro de 2017

«OPINIÃO» “MANDINTISMO” - DR. Jorge Herbert

Apesar da manifesta falta de tempo para debater nas redes sociais as questões guineenses em voga, por ter muito que estudar, consequência do processo formativo em que me encontro, face à algumas barbaridades que tenho visto publicado nas redes sociais, não posso deixar de fazer o papel a que me propus há anos. Emitir sempre de forma gratuita e livre de quaisquer condicionalismos, a minha opinião escrita ou verbal (esta se me for solicitada), sempre no sentido da orientação dos valores e princípios morais, sociais e culturais à sociedade e, principalmente, à juventude guineense.


Procurei um título para este texto, que fosse ao encontro daquilo que pretendo aqui abordar e não encontrei, pelo que me ocorreu chamá-lo apenas e só “Mandintismo”.

Para começar, importa referir que o conhecimento e a aprendizagem informal existem desde os primórdios da humanidade, antecedendo como é evidente a ciência. Desde que a humanidade existiu que o conhecimento foi passando de forma informal entre os seus elementos. Por outro lado, o conhecimento formal é um conhecimento previamente estudado, estruturado e transmitido através de instituições acreditadas para tal, com regras pré-estabelecidas, com base no conhecimento que, quanto mais científico for, mais credível torna os seus formandos e a própria instituição.

Eu vejo o conhecimento abrangente de qualquer assunto ou matéria, similar a construção de um puzzle, em que ao longo da vida vamos acrescentando peças (entenda-se informações que ficam), que podem ser de forma orientada ou aleatória. Quanto mais orientada, mais faz sentido no processo da construção e fica guardada de forma mais coesa. Como a vida é curta, é meu entender que, procurar e colocar as peças de forma orientada por quem já fez esse percurso e estruturou esse conhecimento, sem inibirmo-nos do esforço que isso também implica, é o caminho mais seguro, apesar de reconhecer que existem autodidactas que conseguem lá chegar, mas percorrendo individualmente os caminhos já percorridos pelos outros, com idêntico rigor e disciplina, necessitando quase sempre da certificação institucional de entidades licenciadas para tal…

Quando falo do esforço que o estudo orientado exige, falo do rigor que a aprendizagem do conhecimento científico enceta, assentando em horas de estudo, de sistematização, de verificabilidade e da demonstração com provas, perante júris acreditado, que é justamente a orientação que a ciência nos dá na “colocação das peças dos puzzles da nossa obra”, nos devidos espaços vazios, sem baralhar a obra.

Quem passar por esse crivo de conhecimento científico, mesmo através do estudo autodidacta, ou atémesmo sendo um “idiota social”, terá um conhecimento mais sólido sobre a área em que se versou do que aquele não fez esse percurso. Disso não tenho dúvidas.

Antigamente, o conhecimento científico era mais valorizado e respeitado, porque para se tornar conhecedor de uma matéria, implicava a busca e aquisição de melhores livros, o que obrigava também à selecção da instituição com autoridade na matéria, frequentar a sua biblioteca e ser orientado pelos seus professores ou até passar a ser aluno da instituição…

Na sociedade do conhecimento em que vivemos hoje, a aquisição do conhecimento de forma retalhista tornou-se fácil. Como nos ensinou o senso comum, tudo o que é fácil também insere o risco inversamente proporcional de estar contaminado. Hoje em dia, está quase tudo armazenado online. Quem quiser opinar sobre qualquer tema, em qualquer parte em que se encontra, basta ter disponível um dispositivo electrónico com acesso a internet, terá a sua disposição toda e qualquer informação sobre o assunto. Mas, o que faz a diferença entre um indivíduo treinado em obtenção de conhecimento científico e outro habituado na aquisição do conhecimento informal, é a selecção das fontes e a humildade de perceber o que lhe falta aprender, face ao pouco que conseguiu colher nas redes sociais.

Confesso, a título de exemplo, que tenho uma curiosidade aguçada em relação a Sociologia e a Astronomia (mais com o primeiro) e sempre que posso ler qualquer coisa fora da minha área profissional, tenho tendência a ler algo relacionado com a Sociologia e sempre que posso consumo curiosidades astronómicas, mas, contrariamente a um empírico, tenho a plena consciência que isso não faz de mim sociólogo nem astrónomo e que o pior dos sociólogos e o pior dos astrónomos são melhores que eu nas suas áreas e esse facto agravaria, se eu não tivesse treino académico para seleccionar fontes e “mastigar” informações que vou recolhendo.

Toda essa explicação advém do facto de se assistir entre o s guineenses nas redes sociai,s um fenómeno cada vez com mais adesão, a tentativa de desvalorização dos licenciados, mestres e doutores, em prol dos que, apesar de não se terem submetido à qualquer certificação em instituições de ensino superior, vêm adquirindo e acumulando conhecimentos informais a retalho e que, retirados a frente dos dispositivos electrónicos que lhe permitam fazer buscas automáticas, decerto perderiam no emaranhado das informações soltas que foram consultando e, colocados frente a desafios práticos, sabem repetir limitadamente a rotina que aprenderam ao longo dos anos.

Tenho verificado o crescimento desse fenómeno nas redes sociais, com a tendência e até o propósito para o culto de imagem desses empíricos. Paradoxalmente, são esses mesmos empíricos que tentam desvalorizar os quadros superiores guineenses, são os que facilmente criticam outros guineenses que, apesar de raciocínios brilhantes, articulam mal a língua portuguesa em termos gramaticais, quando expõem as suas ideias através da escrita! Acrescento ainda que, são os mesmos empíricos que também estimulam os filhos em casa a estudarem com afinco para virem a ter um curso superior!

A facilidade da recolha de dados e na utilização dos recursos informáticos (correcção electrónica automática, consulta de textos modelos, etc) associada à facilidade na publicação literária na Europa, veio confundir ainda mais a cabeça desses empíricos, que acham que o facto de terem um livro publicado, dá-lhes automaticamente o acesso livre ao título de intelectual ou académico! Por essa lógica, Carolina Salgado, a antiga namorada de Pinto da Costa, ou até a mãe do Cristiano Ronaldo, já são intelectuais há muito tempo! 

Essa associação de facilidades, na colheita de dados e na publicação de livros, fez aumentar sem dúvida a produção literária guineense, mas gostava que fosse criado uma instituição que avaliasse a qualidade desses livros e emitisse publicamente a sua crítica, talvez inibia muitos aventureiros de massajarem os seus egos.

A titulo de exemplo, fui uma vez a apresentação do livro de um guineense que já chegou a apresentar-se como professor universitário sem sê-lo. No fim da apresentação, como é da praxe, fui cumprimentá-lo para me assinar a obra. Aproveitei e fiz-lhe uma singela pergunta sobre a forma como classificava o seu livro, em termos de conteúdo. Qual o meu espanto, o escritor não soube responder! O verdadeiro académico que estava ao seu lado e que fez a apresentação do livro, apressou-se a aliviar o embaraço e respondeu-me “é um ensaio”! Confesso que até comecei a ler aquele livro, mas desisti no meio, porque constatei que nada mais era que um compilar de ideias redundantes, extraídas em porções de outras fontes não mencionadas na obra…

Esse fenómeno que denomino de “Mandintismo” não é novo e vem completar o quadro de outros “ismos” que compõem a sociedade guineense, que nada mais é, que a manifestação de medo (em vez do respeito) pelas capacidades ou qualidades de potenciais adversários, tentando eliminá-los antecipadamente. A lógica do mandintismo é “se ele pode ser melhor que eu por ter ou ser isto, vou provar que não é preciso ser ou ter isso para se ser bom”. Em nada o “Mandintismo” difere do tribalismo ou de outros “ismos” que servem para afirmação de uns através da diminuição dos outros na Guiné-Bissau. E assim vamos continuar a cavar o nosso próprio fosso em todas as áreas. Mais preocupante se torna, quando esses “ismos” são manifestados por figuras representantes do Estado ou candidatos a esses cargos!

A Europa tem cerca de 30% da sua população licenciada, com mestrados e/ou doutoramentos e está na organização do seu QNQ (Quadro Nacional de Qualificações), classificando através de graus as qualificações dos seus quadros. Enquanto nós guineenses, insistimos no “baralhar para voltar a dar”, na desinformação e desvalorização dos nossos quadros, conforme interesses individuais e de grupos! Nem aprender com os outros sabemos!

É certo que uma sociedade constrói-se com todos os seus membros, mas qualquer sociedade organizada tem regras e hierarquias e, uma sociedade que não lute pela hierarquia do conhecimento, tem o seu desenvolvimento comprometido.

Só para terminar e, mais uma vez, a título de exemplo, há pouco estive a conversar com um colega mais velho, que se encontra no topo da carreira, que me disse que, “só após cerca de dez anos do fim da sua licenciatura, o Estado português começa a rentabilizar o investimento feito num médico”. Os guineenses, pelo contrário, querem ter quadros a produzirem logo a saída da faculdade, sem graus (somos todos médicos ou todos engenheiros, ou todos economistas) e, se não produzir aquilo que esperam dele, é um burro ou idiota!

“A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”. 
“A cultura é o maior conforto para a velhice”.
Aristóteles

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