segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O EX-COMBATENTE PRIMO DE NINO, MAS QUE ACABOU POBRE


Félix Costa de Barros, 72 anos, era primo de Nino Vieira, o ex-presidente da Guiné-Bissau que um dia lhe prometeu que o ia “safar” e dar-lhe uma vida descansada, mas isso nunca aconteceu e hoje vive quase cego numa casa pobre.


É um dos mais antigos habitantes da Ilha do Rei, onde nasceu, a cerca de um quilómetro de Bissau, no meio do estuário do Rio Geba.

Félix Barros engrossa a lista dos guineenses que lutaram pela libertação da Guiné-Bissau e que acabaram na pobreza, enquanto uma minoria conquistou poder e riqueza.

“Não sei o que se passou [para ficar assim pobre]. No tempo em que o Nino deu o golpe – ele era meu primo -, falou-se de me safar qualquer coisa. Ele ia buscar dinheiro para eu compor a casa do meu pai e da minha mãe. Mas não me safou nada. Depois mataram-no e perdi tudo”, conta.

Nino Vieira saiu das matas onde era um combatente temido pelos portugueses para tomar o poder em 1980, no primeiro de vários golpes de Estado que a Guiné-Bissau conheceu ao longo da independência.

Era o princípio do descalabro ético do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no dizer de Delfim da Silva, membro histórico do partido, várias vezes ministro.

Assassinado o “pai” da independência, Amílcar Cabral, o partido perdeu as orientações ético-morais e passa-se a lutar pelo poder e riqueza. “Cada um tenta safar-se a si próprio em vez de safar o país” e surge um antagonismo entre o combatente pobre e combatente rico, que passam a digladiar-se no interior do partido, afirma.

Ainda hoje é assim: as crises em que o país tem caído nascem, em parte, no PAIGC, onde toda a gente luta “sem saber bem porquê”, porque “perderam-se as referências” éticas.

Félix Barros tem um adjetivo para descrever o cenário: é um Estado baralhado.

“Está tudo baralhado, mas estamos livres”, refere, saudando a conquista da independência.

Félix entrou na luta contra o poder colonial português na década de 60, juntamente com Rafael Barbosa, célebre nacionalista que ficou conhecido pela capacidade de mobilização de jovens.

“Comecei com Rafael Barbosa. Largava panfletos em toda a parte [na capital]: junto à UDIB”, coletividade onde havia uma sala de cinema, “junto à igreja, por todo o lado. E transportava clandestinos de Bissau para o combate, no mato”, recorda.

O trajeto era feito de canoa: embarcavam em Bissau e faziam 15 quilómetros pelo estuário do Rio Geba acima até Inxudé, na margem sul, a partir de onde os combatentes “eram levados para a zona de Tite” – local onde se deu o primeiro disparo contra um quartel português.

A 23 de janeiro de cada ano, celebra-se o início da luta armada contra Portugal, desencadeada com um ataque ao quartel de Tite, em 1963 – o conflito iria arrastar-se por uma década até à independência da Guiné-Bissau.

Hoje, as canoas ou pirogas, como também lhes chamam, quase todas estão equipadas com motor, mas na altura era tudo mais duro: a viagem era feita “a remos”.

“Ainda hoje há aí gente com postos na marinha e na Amura [quartel da chefia das Forças Armadas]que se deve recordar de eu os transportar”, sugere Félix.

Era preciso força de braços e destreza para escapar “aos PIDES”, agentes da polícia política portuguesa, prontos a deter e encarcerar de imediato quem parecesse suspeito.

“PIDEs eram às dezenas”, mas Félix Barros ignorava o medo. “Medo de quê? Se morresse era pela minha terra”.

Até hoje, lamenta não ter ganhado nada que melhorasse a sua vida, nem sequer ter visto o país andar para a frente.

“Por causa da habitação e do terreno sou o único da família aqui na ilha. As minhas sobrinhas e o resto estão em Bissau”, refere.

São os amigos que o ajudam a sentar-se e a circular em redor da casa quando chegam visitas – os olhos turvos já pouco deixam ver.

À pergunta sobre se serão cataratas, um problema comum na Guiné-Bissau, simples de operar, mas a cujos cuidados a população não tem acesso, ninguém responde, ninguém sabe ao certo o que é.

Depois de lutar pela liberdade da pátria, Félix tornou-se serralheiro e soldador no estaleiro naval da Ilha do Rei, que havia de fechar na década de 80 – como quase tudo na ilha.

Hoje lavra a terra e diz que assim vai continuar, como quem já pouco mais espera do país pelo qual lutou.

http://www.independenciaslusa.info/privado-o-ex-combatente-primo-de-nino-mas-que-acabou-pobre/

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