sexta-feira, 25 de setembro de 2015

«OS CUSTOS DA "POLÍTICA" SEM REGRA» ENSAIO ECONÓMICO SOBRE OS "DESPERDÍCIOS", DA POLÍTICA E DOS POLÍTICOS - DR. LUÍS VICENTE

LV

Na verdade, (…) apesar do considerável potencial económico de que a Guiné-Bissau dispõe, devido às suas riquezas naturais e ao estado de pré-desenvolvimento em que encontram alguns sectores relativamente atraentes, a exploração destes recursos é limitada devido à instabilidade política recorrente (…).

Afirmação supra conduz-nos à seguinte questão: A conjuntura política que tem caracterizado o país estará preparada para os desafios do desenvolvimento? É o que se pretende discutir neste pequeno ensaio económico sobre os “desperdícios”, da política e dos políticos.

O processo de desenvolvimento da Guiné-Bissau passou por várias fases e contornos políticos desde à independência em 1973 até aos nossos dias. Este pequeno ensaio pretende abordar o impacto que algumas decisões políticas tiveram sobre a economia, concretamente sobre o PIB - Produto Interno Bruto - que representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades) durante um período determinado (mês, trimestre, ano, etc.). Em linguagem mais aberta, o PIB é o indicador mais usado para perceber o estado da economia de um país, revela se o país está a crescer, a produzir riqueza ou em dificuldades.

Com este ensaio não se pretende elaborar um estudo empírico, baseia-se tão-somente na interpretação dos dados macroeconómicos recolhidos através da seguinte Fonte: “World Bank, World Data Bank”, Dados disponíveis: 1973-2014.

Antecedentes: Após à independência, em 1973, e logo a seguir à crise de 1977, o país registou um crescimento de 13,1% do PIB, entre 1978 e parte de 1979, conforme se pode comprovar no gráfico 1 a seguir. Seguidamente, o golpe de Estado ocorrido em 1980 precipitou a deterioração da economia e, consequentemente, a redução do PIB em cerca de (-16%).

A economia, entretanto, voltou a recuperar em 1981-82 e já em 1983 com o programa de intervenção do FMI – Fundo Monetário Internacional - que permitiu, por um lado, alavancar o crescimento do PIB, mas, por outro, descurou a articulação estratégica que deveria ser acompanhada de uma reforma séria em termos da administração pública e do Estado, condicionado logo à partida através de um pacto de estabilidade política para a governação do país. Aliás, os três momentos que marcaram o país, através de graves ruturas constitucionais entretanto ocorridas, concretamente em 1980 (golpe de estado), 1998 (recorda-se que aqui não se tratava apenas de um golpe de estado mas de uma guerra civil com repercussões terríveis para as populações) e 2012 (outro golpe de estado) é a prova da falta de articulação estratégica entre as instituições do Estado, devolveram ao país as taxas de crescimento negativos, respetivamente de (-16%), (-28,1%) e (-2,2%).

Nesse período temporal de 34 anos, o crescimento do PIB abaixo da linha de tendência, em resultado de instabilidade política, traduziu-se no output gap – quebra do produto da economia - em cerca de (-79,01%).

Contudo, anteriormente à guerra civil de 1998, o país demonstrava um crescimento moderado, entre 1992 e 1996, altura em que o PIB atingiu a sua taxa máxima, cerca de 11,6%, no conjunto dos 4 anos. Na verdade, a guerra civil de 1998 foi o pior momento para a economia guineense pois colocou em causa os objetivos de desenvolvimento que vinham a ser alcançados, embora mínimos mas possíveis, uma vez que o PIB regrediu para (-28,1%), a mais baixa desde a independência da Guiné-Bissau.

Porém, entre 2001 e 2007, assolado por uma série de instabilidades políticas, com as constantes quedas de governo, eleições legislativas e presidenciais, o país manteve uma variação de crescimento médio-baixo pelo menos até 2009 altura em que permitiu uma excelente dinâmica económica que durou sensivelmente até 2011 com o PIB a tingir cerca de 9%. No entanto, com o golpe de Estado ocorrido em abril de 2012 a contração do produto interno afundou de novo a economia para valores negativos (-2,2), conforme se apresenta:


Gráfico 1. Evolução do PIB (% anual)
Invariavelmente, verifica-se que em cada ciclo de crescimento há uma rutura que deita por terra as esperanças do desenvolvimento almejado. O gráfico 2 a seguir apresenta a evolução do PIB (preços correntes atuais em USD), a linha vermelha mostra o desempenho da economia e a tendência linear (linha preta) representa o que deveria ser a evolução normal da economia a partir de 1977.

Gráfico 2. Evolução do PIB versus Ruturas Constitucionais

Os dados que se podem retirar do gráfico 2 acima demonstram que no período compreendido entre 1983 e 2007 o PIB evoluiu timidamente abaixo da linha de segurança. Ou seja, o hiato ou output gap do produto da economia - que significa a diferença entre o produto efetivo dessa economia e o produto potencial - é tão evidente que requer muita atenção na abordagem que deve ser feita sobre a política guineense e a sua interferência direta na economia através dos chamados desperdícios e dilapidação do “produto” Guiné-Bissau. Este cenário demonstra claramente que em situações normais de estabilidade política e governativa a dinâmica da própria economia gera liquidez suficiente para se manter acima da linha de tendência, conforme se apresenta no gráfico.

Na verdade, as instabilidades políticas recorrentes originam a retração da economia e, automaticamente, o atraso no processo de desenvolvimento de um país. Veja-se, por exemplo, os orçamentos de Estado bem como os programas económicos que deveriam ter períodos de 4 anos de execução e mais 2 anos de avaliação dos seus impactos.

No caso concreto da Guiné-Bissau, de 1984 e posterior abertura democrática em 1994 até à presente data, nenhum governo conseguiu concluir o seu mandato, o que só por si inviabiliza, automaticamente, o cumprimento de qualquer programa de desenvolvimento económico ou orçamento de Estado. Nesse período, o crescimento do PIB abaixo da linha de tendência, em resultado da frequente instabilidade política, traduz-se no output gap - quebra do produto da economia - em cerca de (-79,01%), ou seja, a destruição momentânea do grande potencial económico.

Em termos da dinâmica de governação, constata-se, através do gráfico 3 a seguir, que o partido fundador das nacionalidades guineense e cabo-verdiana, nomeadamente o PAIGC, esteve ininterruptamente no poder desde 1975 até 1998 (altura em que os país de precipitou para guerra civil com contornos ainda por esclarecer).

Tal como já se referiu, a crise de 1998 originou uma quebra do PIB na ordem dos (-28,1%), conforme se pode constatar no referido gráfico. A seguir a esse período e já em 2000 a liderança do executivo guineense passou para o partido PRS em coligação com a RGB Movimento Bafatá e, em Janeiro de 2001, este último deixa a coligação PRS/RGB.

Gráfico 3. Evolução do PIB Versus Partido / Governo


Como é evidente numa análise técnica a fundamentação é importante, pelo que importa ter em consideração alguns aspetos necessários para efeitos de comparação. Contudo, partindo de alguns pressupostos e, também, de dados comparativos com os países vizinhos, nomeadamente, Senegal, Guiné-Conacri, Gâmbia e Cabo-Verde, este último por razões que se prendem com a ligação histórica, constata-se que, no período compreendido entre os anos de 1980 e 2014 conforme se pode constatar no gráfico 4 a seguir, todos eles tiverem uma evolução do PIB tendencialmente positiva, à exceção da Gâmbia e da Guiné-Bissau que apresentaram crescimentos nitidamente abaixo da fasquia de Mil Milhões de USD.
Porém, como é sabido, Senegal e Cabo-Verde, em 30 anos de democracia, nunca tiverem crises políticas graves que colocassem em causa os seus modelos de desenvolvimento e, consequentemente, a retração das suas economias em valores substanciais como aconteceu com a da Guiné-Bissau.

 Gráfico 4. Evolução do PIB por países da sub-região + Cabo-Verde

No entanto, o crescimento progressivo desses países, sobretudo do Senegal que desde 1994 tem tido uma evolução apreciável, passando de 3,3 Mil Milhões USD para 15,5 Mil Milhões em 2014 do PIB, contou, em parte, com a falta de organização política e económica da Guiné-Bissau, sobretudo após o conflito armado de 1998 que colocou a economia guineense em recessão em cerca de (-28,1%), por razões que têm essencialmente a ver com a mudança de posicionamento estratégico desse país (Senegal) em termos da sua Balança Comercial e na escolha de mercado da Costa Ocidental de África. Tanto assim que a Guiné-Bissau importa praticamente todos os seus bens de consumo e de capital. Os géneros alimentares e o petróleo representavam, por, exemplo, em 2009, cerca de 51% das importações, o principal fornecedor destaca-se o Senegal que é responsável por 54% das mercadorias importadas. De ano para ano o Senegal tem vindo a reforçar a sua posição na Guiné-Bissau, tal como acontece a partir de 2001 nas áreas de Comércio e Serviços.

Contrariamente, a Guiné-Bissau deixou de ser um país com um setor económico muito forte em termos de agricultura para se aproximar do Comércio e Serviços, conforme se pode constatar no gráfico 5 a seguir, tendo este setor, em 2001, ultrapassado largamente a fasquia dos 47,1% do PIB. Ora, como é sabido, aliás, verifica-se claramente, que a atividade comercial, serviços e turismo guineense é controlada por capital estrangeiro, uma vez que o tecido empresarial nacional é frágil e com graves falhas de organização.

Para além disso, a economia paralela, que também é controlada por capitais estrangeiros, representa cerca de 41,6% do PIB (dados de 2013), não se prevendo uma máquina fiscal capaz e eficiente no combate à evasão e fraude fiscal em virtude das crises cíclicas que têm assolado o país.

Gráfico 5. Setor Económico (% do PIB)
Quanto ao setor industrial, que outrora foi a menina dos olhos bonitos da Guiné-Bissau, chegou a atingir cerca de 26,9% do PIB em 1981, tem vindo a perder a sua posição traduzindo-se numa redução em de cerca de 40% do seu peso em 2014, situa-se agora em 13,6% do PIB.

Pretende-se demonstrar com este pequeno ensaio que a estabilidade política e governativa é desejável para fazer face aos objetivos de crescimento e sustentabilidade da nação, criando condições para o bem-estar social das populações. No entanto, para que assim seja, é importante a coerência na gestão das políticas públicas, na estabilidade política e governativa, na criação de um clima favorável de negócio e, acima de tudo, no desenvolvimento das parcerias estratégicas entre os órgãos de soberania tendo em conta o espirito de solidariedade institucional.

Por fim, importa ter presente que a política é um instrumento que permita encontrar soluções para os problemas que afetam as populações, que permita, sobretudo, fazer com que o presente seja um presente de compromisso e o futuro, um futuro de realizações.

É desejável que as forças vivas do país procedam, quanto antes, as reformas estruturais que dignificam a nação, criando condições para uma participação política, através de iniciativas públicas e privadas na esfera da economia real, dando ênfase às ações geradoras de emprego e aumento da produtividade. O indicador do PIB é o que mede a sustentabilidade económica de um país, pelo que quanto maior for este indicador maior é a capacidade de geração de riqueza, crescimento e criação de emprego, e menor será o esforço em termos de endividamento público que em 2013 era de 39,8% do PIB, portanto, há que lutar para que seja real e verdadeiro o tão almejado desenvolvimento e progresso da nação.

Aos partidos políticos, os dois que têm governado o país, nomeadamente PAIGC e PRS, aconselha-se que procedam uma profunda revisão das suas bases ideológicas e, correlativamente, uma adaptação assertiva dos seus estatutos que acompanhem os sinais do tempo. Assim, estes partidos terão a oportunidade em abrir e atrair jovens e quadros com novas ideias que apontem o futuro com reflexos diretos no desenvolvimento do País.
Neste preciso momento em que este ensaio é produzido, a nação guineense celebra 42 anos de independência, mas, por infortúnio a que já se habituou, mais uma crise política se instalou e já foram nomeados três primeiros-ministros no espaço de um ano.

Lisboa, 24 de setembro de 2015

Luís Vicente


Sem comentários:

Enviar um comentário