Eram três horas quando os dois chegaram, numa
madrugada aflita mas serena. Ele vinha com o seu carro branco 4x4, chapa
amarela, património de Estado. Ela de táxi, Mercedes Benz, modelo L 190, azul e
branco.
Cruzaram-se na porta da pediatria do
Hospital Nacional, os olhares beijaram-se ao longe na sala de espera antes de
entrarem no consultório médico. Ele tinha uma menina de dois anos e ela um
menino de três, ambos estavam impacientes, as crianças tinham-lhes pregado um
susto, embora fossem coisas da vida… Se elas não pregassem sustos, a vida ocupar-se-ia
de nos presentear com outras surpresas desagradáveis.
Os dois ficaram internados numa sala, quem
diria, na mesma sala, camas separadas por uma outra, para desprender os olhares
inquietantes, que envolviam os sentimentos inexplicáveis dos dois pais que tinham
ido ali parar pelo mesmo motivo, filhos com vómitos persistentes desde quando a
noite começara a crescer na cidade, Bissau, e a lua a subir ao céu como se
fosse um macaco de Cantanhez.
Passaram-se dois dias, a atração teimosa que
nenhum dos dois sabia ao certo explicar, crescia. Melhor dizendo, fingiam não perceber
o que lhes corria descontroladamente nas veias da paixão, porque os seus olhos
brilhavam comunicando o que o coração falava intensamente sem usar uma palavra
sequer. Quando a cama do meio ficava vazia, comunicavam-se telepaticamente e os
seus olhares cruzavam-se timidamente. E os filhos? Os filhos, desde que
chegaram aquele hospital, moribundos nas suas camas, presos com cateteres, não
apresentavam sinais visíveis de recuperação.
O pai. O pai penetrado no seu monólogo
mental, alimentava a sua imaginação "que corpo lindo ela tem, dá vontade
de comer essa carne toda, oh mãe minha! Essa carne, devorar essa carne toda, ir
até ao fundo, abrir a mata com o meu pau e entrar bem fundo, ai Deus!".
Ele fechava os olhos para deliciar-se com a sua imaginação, que era gratuita. Ele
era casado, a sua esposa não podia ficar internada com a filha, porque tinha um
outro bebé, que acabara de nascer há duas semanas, mas ele necessitava de
expulsar o líquido que estava demasiado preso nas suas calças.
A mãe. Sim, a mãe. Ela queria apalpar
aquele corpo que para ela era um desenho perfeito “os músculos, fogo! Imagina
toda essa força a agarrar o meu corpinho, a entrar, entrar, entrar cada vez com
mais força, com maior intensidade, acompanhado com palmadinhas no rabo, ai, ai,
ai". Arregalava os seus olhos e parecia que queria mesma agredir e violar
o pai da menina, mas o seu grande medo era o casamento, se não fosse o seu casamento
cometeria loucuras naquele hospital. Ela era casada, o marido vivia no
estrangeiro, compreendia a carência que tinha de um corpo rijo dentro do seu
corpo mole.
No compasso do desejo e da atração física,
que envolvia os olhares embaciados de tanto brilhar sem concretizar a vontade
de comer, comer a carne, devorar e matar a curiosidade e a sede também, ele resolveu
ir à casa de banho, queria que ela viesse. Ela foi. A comunicação telepática
entre ambos era inquebrável, tudo isto seria força da paixão ou do desejo? Foi
exatamente ali que romperam o silêncio falante, que impunha os olhos a falar. Num
tom embaraçoso, ele disse:
- O seu nome é...
- Não precisas dizer nada, eu percebi tudo!
E tenho também a mesma vontade!
E começaram a expulsar as suas roupas... Caíram
nos braços um do outro e as suas bocas trancadas soltavam gemidos soltos que
falavam mantenhas aos que acabavam de
chegar à casa de banho. Duas mulheres, uma delas gritou – era a esposa dele que
vinha com amiga visitar a sua filha, que estava moribunda na cama:
- Mas o que é isto?!
- Isto é tchai inesperada, amiga!
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