Em reação a várias decisões assumidas pelo Supremo Tribunal de Justiça e que levaram à exclusão da sua candidatura às presidenciais e da coligação PAI Terra Ranka, lembrou que desde a abertura ao multipartidarismo na Guiné-Bissau, em 1994, esta é a primeira vez que o PAIGC e um candidato dos libertadores são excluídos de um processo eleitoral no país, por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, uma decisão que foi fortemente contestada até por adversários políticos de Domingos Simões Pereira, pela sociedade civil e por algumas organizações internacionais.
Questionado como se se sente com a exclusão da sua candidatura e da coligação da corrida eleitoral, Domingos Simões Pereira disse que essa decisão revela que a democracia está ameaçada e o estado de direito está “ fortemente” comprometido no país e disse ter medo de duas situações perante o atual quadro político que se vive na Guiné-Bissau: que o cidadão não se resigne, se mobilize para encontrar outras respostas que talvez não sejam no domínio constitucional.
“Primeiro, que o cidadão guineense se resigne, se mobilize para encontrar outras respostas que talvez não sejam no domínio constitucional. No domínio constitucional, os mecanismos que estão reservados ao cidadão são o direito à manifestação, à reunião e à expressão livre da sua vontade. Quando sistematicamente o regime impede isto e dissolve o Parlamento, está a criar um quadro de conflitualidade que não ajuda na consolidação da paz e da estabilidade”, advertiu.
Domingos Simões Pereira anunciou na entrevista está na reta final da sua liderança no PAIGC e que se houver um próximo congresso não será candidato, porque é chegado o momento de entregar a liderança a outra energia.
Para além disso, Simões Pereira lembrou que em 2014 quando se candidatou à liderança do PAIGC, o partido estava fortemente ameaçado, porque não tinha uma liderança e porque também tinha havido golpe de estado de 12 de abril que “ceifou” a liderança do partido e, consequentemente, não se via em posições de destaque e elementos que estivessem em condições de assumir o partido.
“Hoje, não. Hoje, o PAIGC tem alternativas. O PAIGC tem muitas alternativas. Continuarei a apoiar o partido e estar presente”, disse e negou que tenha sido a única figura capaz de liderar o PAIGC e disse que as estruturas e as bases do partido continuam intactas, da base ao topo.
“Nunca fui e nunca pretendi sê-lo. Sou um cidadão preocupado sempre com a situação do país e querente que a via política, incluindo os mecanismos de diálogo, de apresentação de uma visão, são daqueles que o país precisa e foi isso que defendi durante o meu mandato”, reforçou e disse que em condições normais já não teria sido candidato em 2022 e que quando foi eleito em 2014 e 2018 assumiu que já não seria candidato, mas como o partido estava em risco de não realizar o seu congresso e, consequentemente, de não participar nas eleições, sentiu que se tivesse abandonado o barco nessa altura e o partido tivesse essas consequências seria complicado para ele atravessar esse período.
Para o presidente do PAIGC, apelidar os dirigentes do partido que integram o governo de iniciativa presidencial de “inconformados” é um termo que valoriza demais essas vozes, pois não sabe qual é o verdadeiro grau de liberdade dessas pessoas ou se o fazem por amor ao partido ou por obrigações para se manterem nos cargos que desempenham neste governo.
“Repara que é um número muito reduzido de elementos. Da última vez que essa espécie de confronto aconteceu dentro de um órgão do partido, a oposição deles foi derrotada por mais de 95%. Nunca houve uma votação, durante a minha liderança, em reuniões dos órgãos superiores do partido, presididos por mim que não tivesse apoio de mais de 90% de elementos presentes. No dia em que eu submeter ao partido, a um órgão competente, uma decisão que não recolher o voto maioritário, uma maioria substantiva, interpretarei isso como um sinal de que era chegado o momento de deixar o lugar à disposição de outrem. Sempre prometi que se isso acontecesse não esperaria por nenhum congresso ou outro mecanismo. Nós escolheríamos de entre os vice-presidentes alguém que me pudesse substituir para continuar o trabalho. Não se trata de confrontar os militantes, mas por acreditar nos mecanismos democráticos”, afirmou o líder do PAIGC, contudo disse pensar que cinco ou dez elementos podem formar uma sensibilidade dentro de um partido é acabar com o PAIGC.
Questionado se o PAIGC deve ser dirigido nos próximos tempos por uma figura jovem, Domingos Simões Pereira admitiu essa possibilidade, tendo anunciado que as mudanças estão a acontecer internamente e em função das transições que vão ocorrer e que todos os órgãos do partido têm maioritariamente jovens, resultado de um trabalho de base, de diálogo e de sensibilização, mesmo havendo vozes contestatórias.
Relativamente à decisão do Comité Central do PAIGC em apoiar o candidato independente, Fernando Dias da Costa, Domingos Simões Pereira disse que a Coligação decidiu apoiar o candidato independente às presidenciais de 23 de novembro, Fernando Dias da Costa, porque percebeu que a não participação do PAIGC nas eleições de 23 de novembro e o não acompanhamento do processo eleitoral poderia ditar uma eventual vitória de Umaro Sissoco Embaló logo na primeira volta.
“E qual seria então a nossa responsabilidade perante o processo? Cientes dessa situação, abrimos o processo de escolha e qual candidato poderia merecer o nosso apoio. Quando iniciamos esse exercício, invertemos a lógica. Procuramos, primeiro, saber o candidato que reúne condições e que pode integrar a nossa estratégia para continuar o nosso combate político. Daí, elegemos cinco critérios: um candidato que tenha uma base a portar, que não seja um candidato que tenha aquilo que nós já tínhamos. Um candidato idóneo que respeite os compromissos assumidos, um candidato que tenha algum contributo capaz de diminuir a carga externa e fatores que deveriam ser externos ao processo, mas que estão em presença neste momento, um candidato que se comprometa com a reposição da ordem constitucional, quinto e último critério foi dizer a todos os cinco candidatos que se devem comprometer, a que mesmo que não fossem os escolhidos agora pelo PAIGC, manter-se-iam como parte do entendimento para apoiar o candidato que passar a segunda volta das presidenciais. Mesmo que se houvesse um candidato com um historial considerado controverso com o partido fosse aquele que preenchesse os critérios, estávamos em condições de o admitir”, indicou.
O Presidente do PAIGC disse que o candidato João Bernardo Vieira não teve apoio do partido porque não se apresentou à primária do partido para pedir apoio ou aprovação da sua candidatura e disse que, para além disso, todas as avaliações das outras correntes que defendiam que o partido poderia ter escolhido Baciro Djá ou José Mário Vaz são válidas, mas era necessário que fossem maioritários nas reuniões do Comité Central para aprovar ou fazer passar a sua posição.
Disse que o PAIGC assinou dois documentos com três dos cinco candidatos que haviam pedido o seu apoio, um pacto pré-eleitoral, que estabelece um entendimento de não confrontação nessa fase da campanha eleitoral e aquele que passar a segunda volta poder merecer apoios dos demais candidatos e da base eleitoral que for capaz de mobilizar e como o partido [PAIGC] tem o direito de apoiar um dos 12 candidatos, por isso decidiu no seu Comité Central apoiar o candidato Fernando Dias da Costa em contrapartida este comprometeu-se a respeitar a ordem constitucional, repondo a normalidade desses órgãos de soberania, com repercussão na constituição do Supremo Tribunal de Justiça.
“Como todos sabem, os membros do Conselho Superior da Magistratura foram substituídos à revelia e o país passou a ter um novo conselho na base do qual essa composição do Supremo foi feita, o que não corresponde aos dispositivos constitucionais”, criticou.
Quanto ao silêncio da comunidade internacional relativamente à situação política na Guiné-Bissau, disse que qualquer cidadão preocupado com a ordem internacional tem razão de estar preocupado com o que se passa no país e lembrou que as subdivisões dos blocos regionais como SADC e outras organizações regionais têm contribuído na prevenção e na resolução de muitos conflitos na região africana, o que foi o caso da CEDEAO.
“Infelizmente, quando olharmos para CEDEAO neste momento, vamos registar vários acontecimentos preocupantes. Golpe Estado no Burkina Faso e no Mali, que tirou uma parte. A Guiné-Conacri é um caso muito especial. Veja as eleições na Costa do Marfim. Neste país, os principais contendores foram colocados à margem. Os órgãos regionais estão a perder a capacidade de intervenção e legitimidade na sua atuação. Havendo sinais de um silêncio até aqui de entidades como a CEDEAO, a União Europeia reclamaria e as Nações Unidas também, como também os Estados Unidos no topo dessa preocupação”, lamentou.
De acordo com Domingos Simões Pereira, o que causa estranheza nesse silêncio é porque os próprios países da Europa estão dominados por correntes de pensamentos que não são muito favoráveis a isso e disse que um dos exemplos dessa situação “é a forma como a França tem acompanhado a nossa situação”.
“Ultimamente, temos visto mais cautela e ponderação por parte das outras autoridades europeias no acompanhamento da nossa situação, mas no início realmente aconteceu. Temos um Presidente dos Estados Unidos que destoa com a maioria dos outros países na questão de Gaza. Há um quadro que deve preocupar a todos, por não só ser um quadro impactante na nossa realidade africana e corre o risco de nos repor ao período antes de 1945, onde os Estados vão voltar a pensar que a sua segurança depende da quantidade de armas que têm. Repara que voltou a ser mais do que normal os países europeus dizerem que temos que dedicar, pelo menos, cinco por cento do nosso orçamento ao armamento”, criticou.
Domingos Simões Pereira deixou uma mensagem ao povo guineense na qual alertou que o que está neste momento em avaliação é a subtração de liberdades fundamentais, um risco de instalação de um regime autoritário que, num primeiro momento, divide e aqueles que julgam que vão ser favorecidos aplaudem e se acompanharem o regime passam a descobrir coisas que o próprio regime não está interessado que eles saibam e surpreendem-se, e quando isso acontece, este mesmo regime se vira contra eles.
Admitiu que no regime do PAIGC, enquanto partido único, muita coisa errada foi feita no país, mas nunca viu algo igual com este grau de autoritarismo, de desmando, de desprezo e de irresponsabilidade que o país está a ser dirigido.
“Não me lembro de ter visto um ministro das Finanças ser o diretor da campanha eleitoral de um candidato presidencial e da coligação que o apoia, nunca. Nunca vi…se alguém já viu que me lembre. Nunca vi um Presidente da República a fazer campanha associando os órgãos como o Ministério da Defesa, portanto militares. Vi viaturas nestas eleições, ainda espero poder confirmar com os meus próprios olhos, ornamentadas com símbolos de campanha de um candidato presidencial. É muito triste. Nós chegamos ao ponto de ver o Estado Maior General das Forças Armadas a dar conferência de imprensa…e é claro que depois da conferência de imprensa vai parecer que houve lapso de comunicação. Mas a questão não é o lapso de comunicação, sim o que é que motivou o Estado Maior a dar conferência de imprensa em vésperas do início de uma campanha eleitoral, evocando elementos que hoje todo o cidadão pergunta onde é que estão essas provas que disseram que tinham, se não é simplesmente para condicionar a participação dos cidadãos guineenses nas eleições. É muito triste, mas não é isso que nos vai salvar, o que nos vai salvar é se nos mobilizarmos nestas eleições. Estas eleições podem decidir o que vai ser a vida na Guiné-Bissau e a vida dos guineenses”, alertou.
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