sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Fernando Dias: "Anunciem os resultados eleitorais para que possamos continuar em democracia"

O Alto Comando Militar que anunciou nesta quarta-feira ter "tomado o controlo" da Guiné-Bissau deu posse hoje ao general Horta Inta-A, que até agora era chefe do Estado-Maior do exército. Ontem, Umaro Sissoco Embaló anunciou a órgãos de comunicação social estrangeiros que tinha sido detido, sendo que desde então não se exprimiu, muito embora o Alto Comando Militar tenha garantido hoje em comunicado que se encontra "são".

Enquanto isso, também pouco se sabe sobre a situação em que se encontram Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, Octávio Lopes, membro desse mesmo partido e ainda Roberto Mbesba do PRS, presos desde ontem em Bissau. De acordo com Fernando Dias, candidato presidencial suportado pelo PRS e pelo PAI Terra Ranka, que se encontrava em reunião com Domingos Simões Pereira na altura da detenção deste último, todos eles "estão na segunda esquadra" e as autoridades "não permitiram qualquer tipo de visita".

Ao recordar em que circunstâncias aconteceram estas detenções e como conseguiu escapar para "um lugar seguro", o responsável político diz-se convicto de que "não vão ter a coragem de torturar o DSP, assim como os outros elementos que estão com ele".

"Foram nos buscar na nossa sede de campanha. Estávamos lá a reunir-nos com delegações da União Africana, CEDEAO e Fundação Goodluck Jonathan. De repente, apareceu um grupo de polícias com uma viatura. Nós pedimos à delegação da CEDEAO para se retirar porque a situação não era a melhor. Tínhamos sido informados que tinha havido disparos de tiros no centro da cidade", começa por recordar.

"De repente, apareceram três viaturas cheias de polícias com o objectivo de nos prender. E quando chegaram lá, começaram logo a atirar gás lacrimogéneo dentro da sede, nas janelas e nas portas de entrada da sede. Então nós decidimos ficar numa única sala. Mesmo assim, arrombaram as portas e foram ter connosco dentro da sala onde nós estávamos. 

E quando aquilo aconteceu, disseram-nos 'Não, vocês têm que descer. Acompanhem-nos'. Quando pediram nos para acompanhá-los, como estávamos no primeiro piso, nós descemos até ao rés-do-chão. Já para sair no portão, eu perguntei 'Mas onde é que nós vamos? 

Porque é que vocês vieram nos buscar? O que é que está a acontecer? 

Não querem informar? Se vocês não nos informam do que está a acontecer, nós não vamos convosco, porque não há nada que nos garanta que vocês estão-nos a levar para um lugar certo'. A nossa juventude, que estava lá em massa, decidiu desde logo criar um bloqueio para impedir que nós sejamos levados por eles. Então, naquele 'puxa puxa' disparando armas, tiros reais, tentando dispersar a juventude que estava lá, não conseguiram e nós conseguimos retirar-nos pela porta de trás", conta Fernando Dias.

"Eu consegui ficar num lugar e o Domingos Simões Pereira, como ele saiu para outra via, foi pegado por uma viatura e levado para a Base Aérea. Como lá era um lugar seguro, ficou lá algum tempinho. E depois, como eles sabem que o Domingos tinha sido levado para a Base Aérea, foram buscar o Domingos ali. Mas a ideia não era de ir buscar o Domingos, porque lá era considerado um lugar seguro. Mas o tio do Umaro Sissoco Embaló, que é o comandante de uma das divisões internas, foi quem ordenou retirar Domingos Simões Pereira para levá-lo dali para a Polícia Judiciária", relata.

Questionado sobre notícias que circularam nesta quinta-feira relativas a um ataque ocorrido contra a sua casa em Bissau, o responsável político confirma. "Polícias foram lá e dispararam gás lacrimogéneo atirando dentro da minha casa porque acharam que as pessoas não podiam ficar lá. Não sei se acharam que eu estava lá dentro, mas dispararam tiros reais, embora para cima, e gás lacrimogéneo já directamente na minha casa", diz Fernando Dias.

Ao tornar a reivindicar a vitória nas presidenciais, o candidato suportado pelo PRS e o PAI Terra Ranka, Fernando Dias apela a comunidade internacional a "tomar medidas urgentes para se manter a democracia em África".

"Nomearam o Horta Inta-A como presidente interino. Mas quem é que vai ser o Presidente da República? Na verdade, é Umaro Sissoco Embaló, porque ele vai continuar a manipular as actuais chefias militares. Porque são chefias da sua proveniência. Isso é que nós compreendemos", afirma o candidato presidencial.

"Daí que nós estamos a chamar a atenção a comunidade internacional, a tomarem medidas urgentes para estancar uma situação do género, porque o país vai mergulhar no caos. Este governo que eles vão formar, este Presidente, não vão ter apoio popular. O povo não vai estar com esse governo e a comunidade internacional não vai estar também de acordo com esse poder. Afinal, onde é que o povo de Guiné-Bissau vai sobreviver? Isto é um problema sério que vamos ter. Portanto, nós estamos a exigir à comunidade internacional, a exigir às autoridades militares instaladas, que concluam o processo eleitoral, que anunciem os resultados eleitorais para que possamos continuar na democracia como a nossa lei diz", conclui Fernando Dias.

De referir que ao longo do dia, várias vozes se expressaram a nível internacional. Para além de dois pesos-pesados do continente, a Nigéria e a África do Sul terem condenado hoje os acontecimentos na Guiné-Bissau, apelando à restauração imediata e incondicional da ordem constitucional, o presidente da Comissão da União Africana condenou o que qualificou de “golpe de Estado militar” na Guiné-Bissau e disse ser "imperativo o respeito pelo processo eleitoral em curso".

No mesmo sentido, a União Europeia disse estar a acompanhar “com preocupação os desenvolvimentos na Guiné-Bissau” e pediu o “regresso célere à ordem constitucional” do país e contenção para evitar mais violência, à semelhança da Rússia que preconizou "contenção e diálogo".

Por: Liliana Henriques
rfi.fr/pt

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