O especialista em relações internacionais e comércio internacional, Macote Ambrozio, disse que por questões geoestratégias, a administração de Donald Trump vai continuar com a política de ajudar a África em certos setores estratégicos com o intuito de reforçar os laços diplomáticos com o continente. Contudo alertou que a África não deve esperar muito da administração Trump, acrescentando neste particular, que na verdade, a África não deve continuar à espera de um “salvador” que virá de outro continente.
Macote, como é chamado pelos seus próximos, fez esta chamada de atenção na entrevista ao nosso jornal para falar dos fatores que contribuíram para a eleição de Trump, uma figura controversa, criticada, chamada de extremista e considerada violenta e não só, como também de que forma a administração de Trump continuará a influenciar as políticas de ajuda e desenvolvimento voltadas para a África.
Em relação à segurança e defesa em África, Macote Ambrozio disse que a segurança, como é uma prioridade de qualquer presidente americano, a estratégia de cooperação nos setores de defesa e segurança da nova administração Trump com a África proporcionará apoio ao continente para minimizar a vulnerabilidade de países Africanos na luta contra o terrorismo.
“Acredito que a eleição do Trump não mudará a posição Africana no concerto das nações, a maioria dos países Africanos são da corrente de não alinhados que se posicionam mais em linha com a Rússia e a China”, assegurou.
O Democrata (OD): Quais são os fatores que contribuíram para a eleição de Trump, uma figura controversa, criticada, chamada de extremista e considerada violenta. Acredita que a eleição de Trump é a rejeição da figura da mulher como Presidente dos Estados Unidos da América?
Macote Ambrozio (MA): Vários fatores contribuíram para a eleição do Donald Trump, entre eles: a troca de candidatura do partido democrata nas últimas horas, a figura da “mulher” como candidata a presidência dos EUA, crise migratória, inflação e as guerras Rússia – Ucrânia e Israel-Hamas em Gaza, por outras palavras, quase Israel contra todos no Oriente Médio.
O partido democrata passou os últimos quatro anos subestimando o possível regresso de Donald Trump a Casa Branca e não preparou um candidato que o pudesse derrotar– tinha que ser um candidato robusto que correspondesse a imagem de um presidente musculado no pensamento de um Americano comum. Por fator idade e as dúvidas sobre a sua capacidade cognitiva, o Presidente Joseph Biden nãodeveria se recandidatar a segundo mandato.
Após um debate desastroso com o Trump, o presidente Biden desistiu da corrida quando percebeu que não tinha mais a energia para enfrentar o polémico candidato republicano (Trump) e, ao desistir, Biden pediu que os seus delegados suportassem a candidatura da Kamala Harris na convenção do partido democrata. Essa indicação do Biden não deixou os delegados livres para escolherem um candidato alternativo à Harris.
Os cidadãos Americanos perderam pela Segunda vez a chance de eleger a mulher para liderar o país pela rejeição da figura feminina como presidente. A Kamala Harris não só concorreu a Casa Branca contra uma figura controversa (Donald Trump), mas a senhora Harris concorreu contra a figura da “mulher candidata nos EUA”; os Americanos não estão ainda preparados para ter uma mulher como Presidente da República.
Um considerável número de eleitores de base Árabe-Americanos residentes em estados que compõem o “Blue Wall” (o muro azul) reclamava da impotência da administração Biden em conter a atuação desproporcional Israelense em Gaza. Não tendo sido atendidos, decidiram punir a candidata democrata simplesmente não votando nelaou votando “o voto de protesto” para o Trump, permitindo o republicano demolir a muralha azul ao vencer nos estadosde Winsconsin, Michigan e Philadelphia. É difícil, ou impossível um candidato democrata vencer a eleição presidencial sem manter o “Blue Wall”. O Blue Wall refere-se a 18 estados da costa leste dos EUA que os democratas tradicionalmente vencem desde 1992.
A eleição do Trump deveu-se também a situaçãocatastrófica da migração na fronteira com o México, considerada de importante no pensamento do movimento Make America Great Again (MAGA) e eleitores Americanos em geral. Nas três eleições que o Trump participou sempre se apresentou como o candidato anti-imigração. No seu primeiro mandato, Trump iniciou a construção do muro na fronteira com o México e adotou medidas que dificultaram os pedidos de asilo e refúgio nos EUA. Na última campanha eleitoral, Trump prometeu terminar a construção do muro, fechar as fronteiras erealizar a deportação em massa de imigrantes irregulares.
O eleitor acreditou no discurso anti-guerra do Trump. Após as guerras de Iraque e Afeganistão, o eleitor Americano está um pouco exausto de guerras. Como o Trump cumpriu no seu primeiro mandato a promessa de não iniciar uma guerra ou envolver-se em um policiamento do mundo; durante a campanha, ele estava em boa posição de convencer o eleitor de que iria acabar as guerras no leste da Europa e no Oriente Médio. Trump beneficiou do voto anti-guerra.
OD: Que mudanças significativas podemos prever na política externa dos EUA, especialmente em relação a tratados internacionais, aliados tradicionais e acordos de comércio com após a eleição de Donald Trump?
MA: O Presidente Trump é imprevisível; a sua eleição representa a incerteza para as relações diplomáticas entre os EUA e o mundo. Qualquer tratado ou acordo internacional que não vai em linha com a doutrina Trumpista inspirada no “America First”, será revisto ou até revogado, pois a America First é um desafio às relações tradicionais dos EUA. É importante mencionar que Trump e o partido republicano venceram a Casa Branca, o Senado e vencerão a Câmara dos Representantes (deputados) assim que terminar a contagem dos resultados para os Representantes, portanto, Trump tem o mandato.
A política externa Trumpista prometida na campanha será o protecionismo guiado pelo America First que terá impactos negativos reais na relação comercial e diplomática entre os EUA e a China logo nos primeiros meses da próxima administração. Para Trump, tudo será renegociado se nãofor ao encontro do seu America First. O caricato de tudo é que o próprio America First é um argumento vago, portanto, tudo vai depender da imprevisibilidade do Trump e o MAGA. Assim, a relação externa tradicional dos EUA como mundo não versará muito perante a doutrina Trumpista na nova administração.
A transição energética, ou seja, a energia verde e acordos internacionais para a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa não são as prioridades do Presidente eleito. Na diplomacia climática, é provável que Trump abandonará o Acordo de Paris de novo como fez no seu primeiro mandato, também é de esperar que Trump pedirá a reconfiguração de todas as alianças globais estabelecidas sobre as alterações climáticas.
OD: De que forma a administração Trump continuará a influenciar as políticas de ajuda e desenvolvimento voltadas para a África?
MA: Por questão de geoestratégia, a política de ajudar a África em certos setores estratégicos continuará com intuito de reforçar os laços diplomáticos com o continente. Mas a África não deve esperar muito da administração Trump, na verdade, a África não deve continuar à espera de um “salvador” que virá de outro continente. Uma eventual guerra comercial entre os EUA e a China deve ser vista como uma oportunidade para os países Africanos redefinirem as relações comerciais com os EUA através de ampliação das oportunidades via AGOA – African Growth and Opportunity Act (a Lei de Crescimento e Oportunidades para África). A AGOA concede isenção aduaneira às importações da África subsaariana.
A forte influência da China em África e a recente ação da Rússia na África Ocidental obrigará a administração Trump a procurar manter o espaço Americano no continente.
OD: Como vê a abordagem de Trump em relação à segurança e defesa em África?
MA: O ISIS, al-Qaeda e seus afilhados recrutam e operam na África contra os interesses dos EUA. Sendo a segurança a prioridade de qualquer presidente Americano, a estratégia de cooperação nos setores da defesa e segurança da nova administração Trump com a África proporcionará apoio ao continente para minimizar a vulnerabilidade de países Africanos na luta contra o terrorismo.
OD: Acredita que a eleição dele poderá impactar a luta contra o terrorismo e a instabilidade no continente?
MA: Acho que essa questão já foi respondida através da resposta à questão 4.
OD: Quais poderão ser as consequências para o comércio e os investimentos americanos na África sob uma administração Trump, considerando a sua abordagem conhecida de “América First”?
MA: A abordagem “América First” não significa o isolacionismo, hoje os mercados são integrados e nenhum mercado poderá ignorar o input do mercado Africano; se o Trump conseguir aplicar uma tarifa alta sobre as importações da China, a China retaliará os EUA.
O protecionismo Trumpista acelerará a guerra comercial entre os EUA e China, a guerra entre os gigantes mercadosabrirá as portas do mercado americano aos produtos Africanos via AGOA e os países Africanos devem se posicionar para aproveitar as vantagens da projetada guerra comercial entre os EUA e a China.
OD: A eleição de Trump poderá alterar a perceção global dos Estados Unidos e a confiança dos países africanos nas políticas e alianças norte-americanas? Isso afetará a forma como a África se posiciona em relação a outras potências globais, como a China e a Rússia?
MA: Acredito que a eleição do Trump não mudará a posição Africana no concerto das nações, a maioria dos países Africanos são da corrente de não alinhados que posicionam mais em linha com a Rússia e a China.
OD: Donald Trump disse que nunca começou uma guerra no mundo e que tem trabalhado para parar asguerras. Ele será capaz de travar o conflito Rússia/Ucrânia?
MA: Durante a sua primeira administração, o Trump provou ser uma figura controversa, mas não um senhor da guerra. Ele poderá temporariamente acabar com a guerra entre a Rússia e a Ucrania. Digo temporariamente, pois, qualquer negociação em direção ao fim da guerra, o Trumppressionará a Ucrania a ceder muito, principalmente, o seu território e, num futuro próximo os ucranianos, reclamarão a sua terra e voltarão a guerra.
OD: Trump será capaz de sarar as feridas nos Estados Unidos da América. Ele disse no seu discurso de vitória que o país está “ferido”. Ferido de quê, por exemplo?
MA: Trump se estabeleceu como o líder do partido republicano, pelos ataques aos direitos das mulheres, ataques racistas contra os negros, os hispanos e emigrantes. O seu discurso politicamente incorreto serviu para estabelecer e consolidar o vínculo com os seus seguidores do movimento MAGA – a sua base eleitoral.
O MAGA sequestrou o pensamento ideológico do partido republicano e transformou os conservadores em eleitores discípulos do Trump, não importando ou questionando mais os seus discursos polêmicos. O que importa para o partido republicano hoje é atender ao chamamento do Trump.
Em parte, o país está ferido pela linguagem agressiva do próprio presidente eleito. Sendo ele parte de problema, será improvável esperar da sua liderança um ambiente que sararáa nação Americana.
OD: Donald Trump poderá mudar a abordagem do Ocidente em relação à África e como ficará o Médio Oriente nesta nova era dos EUA?
MA: Trump já deixou claro o seu pensamento sobre os líderes Africanos, acho que sua posição não mudará. A abordagem “explorador e explorado” do ocidente em relação a África não mudará a partir do ocidente, terá de ser a partir da África para o mundo; quando os líderesAfricanos coadjuvados pelos intelectuais Africanos com corpos e mentes na África decidirem definir o futuro do continente, teremos uma nova relação com o ocidente. Com isso, não quero ignorar o papel lambuzo que o explorador(ocidente) continuará a jogar no sentido de não haver a história Africana escrita e contada pelo próprio Africano.
O melhor aliado dos EUA no Médio Oriente é o Israel, portanto, qualquer presidente Americano sabe que deve proteger o Israel a todo custo. O Trump fará todo o possível para acalmar a região, porém, a partir da lente de Benjamin Netanyahu (PM do Israel) o que não será sustentável.
Por: Filomeno Sambú
Conosaba/odemocratagb
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