O antigo médio que fez história no Boavista foi olheiro do Chelsea. Agora, tem uma escola de futebol na Guiné. Dos tempos de jogador, lamenta quem o apelidava de duro
Mamadu Bobó Djalo, ou simplesmente Bobó, nome pelo qual se tornou um dos jogadores mais carismáticos da I Divisão nas décadas de 80 e 90. Destacava-se por ser um jogador agressivo, que chegou a patrão do meio-campo de um histórico Boavista de Manuel José. Só que no início de carreira, nos juniores do FC Porto, o seu treinador António Feliciano chamava-lhe... "pezinhos de lã". "Só gostava de jogar bonito, com a bola no pé. Foi ele quem me tornou mais agressivo", conta ao DN.
Aos 54 anos, Bobó fala com saudade dos tempos de jogador. "O melhor desta profissão são as histórias de balneário e as amizades fortes que se criam, que quando são transportadas para o campo tornam as coisas mais fáceis. São memórias que ficam para sempre", diz o antigo médio, que não esquece as inúmeras peripécias no Bessa ao lado de Barny, Jaime Alves, Caetano, Alfredo, Nelo, entre outros.
Bobó vive no Porto e, ao mesmo tempo, gere a sua escola de futebol na Guiné-Bissau, o seu país natal, onde vai com frequência. "Tenho miúdos entre os 13 e os 18 anos e alguns têm vindo jogar para Portugal", diz orgulhoso, até porque, em breve, os seus meninos vão ter novos equipamentos "aos quadradinhos pretos e brancos, como o Boavista, e o emblema será a pantera". É, afinal, uma boa forma de homenagear o clube que guarda no coração e onde esteve entre 1990 e 1996.
Quando pendurou as chuteiras, em 1999, no Gondomar, voltou ao Bessa. "Fui adjunto de Jaime Pacheco, prospetor e responsável pela ligação entre o futebol profissional e a formação." Mas em 2007 aceitou o convite do Chelsea para ser olheiro para África. "Entrei no dia seguinte ao despedimento de Mourinho, não nos cruzámos por pouco", diz.
Longe vão os tempos em que começou a jogar a sério nas camadas jovens do Vilanovense, de onde saltou para o FC Porto. Os primeiros passos como profissional foram em Águeda, num ano histórico para o clube que subiu pela primeira e única vez à I Divisão. "Fiz uma boa época e regressei ao FC Porto... era aposta de José Maria Pedroto. A última vez que ele se sentou no banco, já doente, foi em Penafiel [4 de dezembro de 1983]. Mandou-me entrar ao intervalo. Eu era médio--ofensivo, mas ele colocou-me a ponta-de-lança e marquei o golo da vitória por 1-0", recorda.
Aos 20 anos, Bobó era uma promessa dos dragões, mas no fim da época foi emprestado ao Varzim. "Fui como moeda de troca com o André e o Justiniano. Eu queria era jogar e aceitei ir." A boa época na Póvoa não lhe abriu as portas das Antas, pois foi cedido ao V. Guimarães para que Laureta e Paulo Ricardo rumassem ao Porto. "No Vitória fiz uma excelente época, ganhámos aos grandes em casa e fomos empatar às Antas e a Alvalade", diz.
Os passos seguintes de Bobó foram no Marítimo. Foram duas épocas e só não foram mais por causa do... aeroporto. "No segundo ano, fui passar o Natal ao Porto e no regresso passei mal quando o avião tentou aterrar no Funchal. Após duas tentativas, tivemos de ir para as Canárias, onde estivemos duas horas à espera que o tempo melhorasse. Mas a aterragem no Funchal foi esquisita, para não dizer outra coisa, e decidi ali que no fim da época voltaria ao continente. Não queria colocar a minha família em perigo."
Grato a João Alves e Manuel José
É então que se dá uma feliz coincidência que lhe mudou a carreira. "Tinha dado a palavra ao Estrela da Amadora quando me telefona o João Alves, que me queria levar para o Leixões. Disse que só iria se no Estrela não cumprissem o prometido... curiosamente, a época na Reboleira começou com Alves como meu treinador", lembra, explicando que foi o Luvas Pretas que o converteu em médio-defensivo. "Havia muitos para a minha posição e ele pediu-me para recuar no terreno, no jogo de estreia com o Nacional. Fiquei um bocado amuado, mas lá fui... a verdade é que joguei bem e até marquei um golo. O Alves disse-me logo para ter paciência porque passaria a ser médio-defensivo. Ainda bem que foi assim."
Na Amadora conquistou a Taça de Portugal e foi em pleno balneário do Jamor, ainda durante a festa, que a vida mudou. "Apareceu o major Valentim Loureiro. Deu-me os parabéns e perguntou se eu queria ir para o Boavista. Disse que sim, mas só com um bom contrato." No Bessa fez a sua história e conviveu com um treinador que o "marcou muito por causa da frontalidade": Manuel José. "Tivemos alguns choques de personalidade, mas houve sempre muita lealdade entre nós."
Venceu duas Taças de Portugal e uma Supertaça pelo Boavista, onde foi capitão e ganhou o respeito dos adeptos. "Recentemente uma senhora disse-me que tem em casa uma estatueta de pau preto com o meu nome... até me comovi", revelou, sublinhando o "orgulho em ser reconhecido pelos boavisteiros" - afinal, Bobó era daqueles atletas rijos, que não dava uma bola por perdida. "Diziam que era duro, mas eu só queria ganhar os lances, sempre de forma leal. Um dia, Manuel José disse que em dez bolas divididas eu ganhava nove e fiquei orgulhoso."
Há, contudo, uma mágoa causada por uma crónica do ex-presidente da Federação Silva Resende. "Foi numa meia-final da Taça de Portugal que fomos jogar com o Sporting do Robson. No dia seguinte senti uma grande tristeza porque esse senhor escreveu que tinha andado um assassino à solta em Alvalade. Disseram-me para lhe responder, mas eu nunca quis, porque o tempo encarrega-se sempre de trazer a verdade."
Conosaba/DN
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