Pintor: Malam Camara
1-Conosaba:
Malam Camara nasceu na Guiné-Bissau e escolheu Senegal para viver, porquê? Tem
saudades da sua infância?
Malam
Camra: Nasci na Guiné-Bissau sim, e vivo, digamos assim,
temporariamente em Dakar (Senegal). A razão é simples. Por razões que têm a ver
com o mercado e poder de compra que é maior em termos de volume de vendas e também
em termos de notoriedade. Saudades da infância? Acho que todo o mundo as tem e
eu não fujo à regra.
2-Conosaba:
Conte-nos
um pouco sobre como começou o seu interesse pelo desenho e pela pintura? Teve a
influência de alguém para ser pintor?
MC:
Bem,
interesse pelo desenho tenho desde a minha infância, lembro-me bem que não me
separava das folhas de papel e lápis. Estava sempre a desenhar. Na tenra idade
íamos à UDIB (risos) tentar copiar cartazes de filmes às escondidas. Lembro-me
bem que o meu pai me comprava o “Ntori Palan”
e eu tentava copiar as gravuras com fidelidade e as pintava depois a lápis. Em
2000 fui até à Praça para pedir aos irmãos Manuel e Fernando Júlio, autores do “Ntori Palan”, para que me aceitassem
como discípulo, mas fiquei quase o dia inteiro sentado no muro da sede do
partido de Abubacar Baldé sem coragem.
Quando cheguei a Dakar em
2002, tive a honra de encontrar um guineense que ainda tenho como mestre
chamado Ady Baldé, foi ele que me mostrou tudo e a ele devo o que sou hoje na
área da arte plástica.
3-Conosaba:
Quais
são suas principais referências e inspirações?
MC: No que diz respeito às
referências, as minhas pinturas assentam essencialmente sobre os motivos
africanos, sobre a África. Como sabes esses motivos são vastos e
incomensuráveis. A África é um continente arco-iris que tem muito a dar em
termos de representação. E eu toco tudo o que é a cultura e o modus vivendi da sociedade africana,
trajes e costumes. Gosto de representar as etnias e seus modos de vida, em suma,
fazer conhecer o continente em termos culturais. Quando digo África, é óbvio
que a minha pátria está inclusa.
4-Conosaba: Qual
é a sua relação com resto dos pintores guineenses? Conhece algum em especial?
MC: A respeito da relação, como
artista plástica, admito que não sou conhecido no país como tal. Como disse
anteriormente, foi já em Dakar, com Ady Baldé, que aprendi tudo, embora sinta
essa corrente nas veias desde a minha infância. Com esse meu amigo e irmão (o
Ady) partilhei os mesmos bancos da escola., Mas devo enfatizar, todavia, que
tenho tido uma relação harmoniosa com todos os artistas plásticos que vou tendo
a oportunidade de conhecer como o Lemos Djata, que é também um irmão para mim, o
Sidney com o qual me dou muito bem, o Ismael, que embora não nos conheçamos pessoalmente,
damo-nos bem. A cultura é uma família, onde cada um pode entrar com a sua ideia
e saber-fazer de modo a que todos juntos possam fazer ecoar o nome do país e
neste âmbito, penso que somos todos anjos com uma só asa. Quer seja um
conhecido ou não, a arte faz de nos uma família e nisso só pode haver uma boa
relação e um intercâmbio de ideias, onde todos possam sair com espírito ainda
mais aberto.
5-Conosaba:
Na
sua opinião, ‘ao longo destes anos todos’, sentiu que o estado da Guiné-Bissau
tem estado a apoiar suficientemente a divulgação do trabalho dos nossos
pintores (plásticos) no plano interno ou externo?
MC: No plano interno não sei,
talvez o Lemos Djata seja a pessoa ideal para responder a esta pergunta.
Internacionalmente limitar-me-ei a falar apenas de Dakar. Nesse sentido, ainda
não vi nenhum apoio governamental, pelo menos com os artistas plásticos que
vivem na capital do Senegal. A arte é um embaixador sem fronteiras, que faz conhecer
o nome do país além-fronteiras, por isso, acho que é dever dos nossos
governantes apoiarem a cultura guineense em geral e a arte em particular,
através da criação de condições para tal. Se observarmos bem, na Guiné-Bissau
não existe nenhuma Galéria Nacional ou Teatro onde o povo possa exprimir as
emoções culturais, o que é lamentável. O Centro Cultural Brasileiro não é nosso
e muito menos o Centro Cultural Francês. Acho que é momento de começar a pensar
na edificação de um Centro digno desse nome para fazer descolar a cultura
nacional. O mundo está conectado culturalmente, imagina que um grupo cultural
de um outro país decide atuar ou expor na Guiné-Bissau, vai a que centro? Temos
que nos emancipar culturalmente ou seremos anónimos para sempre.
6-Conosaba: Ao
longo da sua carreira, chegou a ganhar algum prémio especial que deixou marcas?
Chegou a expor algum dos seus quadros ou vendeu alguns? Ou qualquer coisa de
género...
MC: Ao longo da minha curta (de
2006 até ao presente) carreira, não ganhei por nunca ter participado em nenhum concurso,
mas fiz exposições conjuntas apoiadas por entidades senegalesas como SONATEL (jovens
talentos), ORANGE (calendários anuais), DAKAR WOMEN GROUP, Bienal Off e Câmaras
Municipais, para além de muitas exposições particulares.
7-Conosaba:
Tem
algum projeto na manga, a curto prazo, para viajar e divulgar o seu trabalho? Já,
alguém o convidou para expor os seus quadros?
MC: Tenho projetos como
qualquer homem da terra, um destes projetos é ter uma Galeria de Arte em Bissau
onde poderei transmitir as gerações vindouras o que sei fazer, uma espécie de escola
da arte para que assim outros como eu se possam revelar, pois garanto-te que há
muitos, mas que não conhecemos. Já recebi alguns convites de Espanha, por
exemplo onde mandei e fiz mostrar os meus trabalhos, alguns estão no horizonte,
mas só o tempo dirá. Durante este ano (em setembro) acho que darei uma mão ao
Guerreiro da Luz, sobre um evento que conta realizar, algo também em Paris mas
que ainda está para ser confirmado. Decidi também ir ao meu país natal mostrar
o que sei fazer, depois da exposição do mês de outubro aqui em Dakar no Muséu
Théodore Monod. Espero conseguir realizar estes desejos a curto e longo prazo.
8-Conosaba:
Gosta
da música tradicional da Guiné-Bissau? O cantor José Carlos Schwarz
diz-lhe alguma coisa?
MC: (risos). Eu sou “Po di
Terra”, os que me conhecem sabem que privilegio mais a musica de casa, e neste
caso sem exceção oiço todos os músicos guineenses e até tenho musicas que nem
imaginas, o Infara Mané te diz alguma coisa (risos)? O José Carlos é um dos
pioneiros da música moderna guineense e não pode deixar de ser escutado. Para
confessar eu adoro o cantar em crioulo, mas sem tirar o “meloman” que há em
mim.
9-Conosaba: Sabemos
que, o Malam é muito patriota, certo? Na sua opinião, a Paz veio
definitivamente para ficar no seu país, Guiné-Bissau?
MC: Sabem? E como? (risos).
Patriota sou sim e na primeira fila, nunca deixei de ser guineense apesar de
algumas pressões e tentações, pois sempre acreditei que o nosso sol nascera.
Falando da paz, é sempre bom ser optimista e eu sempre acreditei na PAZ, mas esta
palavra não vale nada por si só sem a ação humana para a sua concretização e
isso passa pela reconciliação nacional e, não obstante, essa reconciliação deve
ser feita duma maneira aberta para sarar as feridas abertas e isso passa por um
sincero pedido de perdão ao povo guineense que, embora maltratado, nunca deixou
de acreditar e com isso poderei dizer que a PAZ veio para ficar. Ainda assim,
há muita coisa a fazer, não vou nessa ilusão de palavras para me enganar a mim
mesmo sabendo que o caminho é longo e há muitas coisas para fazer. Em suma, não
haverá paz sem desenvolvimento sustentável, sem uma emancipação das diferentes
camadas sociais. Na verdade o governo não dá de comer, mas o governo cria
mecanismos para que o povo tenha comida. Com isto quero dizer é bom servir e não
se servir.
10-Conosaba:
Picasso representou a Paz por uma Pomba. Se
tivesse que representar a Paz na sua terra, Guiné-Bissau como o faria?
MC: Eu representaria a paz
neste caso com sorriso do meu povo, num bom hospital, num bom ensino, numa boa
estabilidade económica enfim representar o orgulho de ser guineense na pátria que todos amamos.
11-Conosaba: Ao
longo da sua carreira, B.B. King foi distinguido com 15 prémios Grammy, tendo
sido o criador de um estilo musical único e que faria dele um dos músicos mais
respeitados e influentes de Blues. Ganhou mesmo o epíteto de Rei dos Blues! É
fã do B.B.
King? A sua morte abalou-o?
MC: Risos, vejo que foste ao
meu mural, sabes irmão da terra, eu admiro os homens que se distinguiram, que
fizeram caminho onde antes não existia. Admiro os homens que acreditam neles, temos o caso de Amílcar Cabral que é um exemplo mais perfeito, e vários outros.
O blues é um estilo de música espiritual que teve a sua origem a partir de
escravos negros nas plantações que exprimiam sua dores através das canções. Foi
assim que o BB King me fez viver essa época pelos gestos e emoções exprimidas.
O homem partiu, mas o mais importante é o que ele deixou como obra e esta
desafiará os séculos. Admiro homens que se sabem distinguir e isso exige
coragem.
12-Conosaba: Para
terminar, “a expectativa foi grande” com a recente visita do rei
Mohamed VI de Marrocos a Guiné-Bissau, por favor, comente...
MC: Acho a visita do Rei Mohamed
VI à Guiné-Bissau foi como um balão de oxigénio para toda a nação, pois há
muito que deixamos de receber visitas do género no país. Acho encorajador o que é sinal de que as poeiras se assentaram depois de muitos anos de
instabilidades. Agora o fundo da visita eu desconheço, mas espero que tenha
servido para abrir caminho a uma cooperação que seja profícua para ambas as
partes. Contudo, o que me deixou surpreendido foi a capacidade governamental de
fazer um tal esforço em poucos dias para montar a estrutura para a visita. Isso
quer dizer que dinamismo não falta no que diz respeito à capacidade da reação.
Mas se somos capazes de fazer tudo isso por um hóspede, porque não somos
capazes de fazer algo para nós mesmos? Porque não conjugar o mesmo esforço para
um arranque nos vários setores paralisados? Pessoalmente acho que é momento de
apontar várias lacunas existente com esta visita do Rei de Marrocos e entre
elas as estruturas e infraestruturas para que o país possa respirar, pois é
sabido que é costume guineense que o anfitrião deixe a cama ao hóspede, mas
devemos destinguir a sociedade e o Estado, e nisso sei bem que se houvesse uma
casa de hóspede digno desse nome, muitas lacunas poderiam ser evitadas. Agora referente
a bandeira nacional que deu muito que falar, desconheço os assuntos
protocolares, mas para mim acho bem que as duas bandeiras deveriam estar ao
mesmo nível na haste, simbolizando assim a “amizade” que une estas duas nações,
mas acho que é um lapso de pouca importância, tendo em conta o sucesso obtido
na organização da vinda. Somente espero que os nossos governantes tenham tido a
cabeça fria nas propostas bilaterais, pois é de salientar que não existe
amizades entre os governos, mas sim interesses e esses devem ser bem negociados,
mas no nosso caso é mesmo lamentável por falta de empresários que não temos
enquanto os marroquinos terão os olhos grossos em tudo que é oportunidade na
Guiné-Bissau. Devemos ativar os alicerces da economia. É urgente a criação de microcréditos
que com o tempo vão criar empresários, pois uma economia é sustentada pela base
e essa base passa pela criação de microcréditos que facilitem o acesso da
população aos empréstimos para a realização das suas atividades comerciais.
Obrigado pela oportunidade
concedida para uma livre expressão em nome dessa Guiné ku nô djunta.
Fim
Por: Pate Cabral Djob
Portugal, 03-06-2015
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