quarta-feira, 18 de maio de 2022

«Cuma PAM, cu fala!» Estado guineense continua ausente no apoio a uma alimentação saudável

O representante da Rede para a Segurança e Soberania Alimentar da Guiné-Bissau, Miguel de Barros, afirmou hoje que a única novidade no inquérito do Programa Alimentar Mundial (PAM) à questão alimentar no país é a “permanente ausência do Estado”.

O PAM apresentou hoje um inquérito à situação da segurança alimentar nutricional no país que indica que a insegurança alimentar piorou nos últimos seis meses devido ao aumento dos preços dos produtos alimentares na sequência da guerra da Ucrânia e às consequências da covid-19.

Os dados constam de um inquérito à situação da segurança alimentar nutricional no país realizado pelo PAM, Ministério da Agricultura e do Instituto Nacional de Estatística, no âmbito do Programa Ianda Guiné ‘Kume dritu’ (come bem), financiado pela União Europeia.

“Se recuarmos ao período de 2020 no pico da covid-19 encontramos uma situação muito mais crítica. A novidade está na permanente ausência do Estado em assistir as pessoas para terem acesso à alimentação de uma forma digna, saudável e ao mesmo tempo que lhes permita não correr riscos”, afirmou Miguel de Barros.

O sociólogo guineense salientou que não houve qualquer investimento do Estado na assistência à produção agrícola e o que se viu foi a entrega de financiamentos e donativos.

“O que está aqui em causa é que vamos continuar a ter estes dados de gente que está exposta à situação de pobreza extrema”, afirmou Barros, salientando que a capacidade do Estado deve ser orientada, a partir do que os dados dizem, a criar mecanismos para estabilizar a capacidade de abastecer as pessoas com produtos essenciais.

Caso contrário, salientou Miguel de Barros, “Fome zero 2030 é uma ilusão”.

“Hoje, a nossa capacidade de produção, a esperança que o Governo tem é que a campanha de caju vai correr bem para termos a situação económica normalizada, isso é uma falácia, é uma situação temporária de três meses, no resto dos noves meses como é que fazemos?”, questionou.

“Onde está o investimento público na diversificação da produção, onde está o investimento público na capacidade de abastecimento aos mercados, onde é que está o investimento público na valorização da produção local? É disto que estamos a falar, de soberania alimentar”, afirmou Miguel de Barros.

Para o representante da Rede para a Segurança e Soberania Alimentar da Guiné-Bissau enquanto o Governo não dotar o Orçamento do Estado com despesa para orientar o abastecimento de mercado a partir da produção local “será uma ilusão falar de fome zero”.

O sociólogo deu exemplos práticos, nomeadamente o Estado guineense optar por comprar arroz da China com um donativo de dois milhões de dólares doado pelas autoridades chinesas em detrimento da produção local para abastecimento das cantinas escolares, programa gerido pelo PAM, considerando-a a pior das opções estratégicas.

Segundo Miguel de Barros, a compra do arroz da China não só não garante a segurança alimentar, como coloca em causa a questão da segurança nutricional.

“Ninguém nos faz acreditar que a variedade de arroz que vem da China para as cantinas escolares é a variedade mais segura, mais nutritiva e com maior possibilidade de melhorar o nosso coeficiente de inteligência através dessa alimentação”, disse.

“Pior, estamos a falar de um sistema produtivo que não é financiado, estamos a falar de uma economia associada ao transporte, à conservação, à produção que não é financiada, nós estamos a falar do aumento da pobreza, da dívida externa, da incapacidade de pensar de que nós temos possibilidades de criar a nossa própria soberania alimentar”, sublinhou.

Outro exemplo dado pelo sociólogo é a importação de peixe seco ao Japão para abastecimento das cantinas escolares quando a Guiné-Bissau tem mais de 180 variedades de peixes.

“Estamos a falar de uma ausência total de visão estratégica relativamente à segurança alimentar e capacidade nutricional. O Governo tem de ter a capacidade negocial de dizer aos seus parceiros que determinados financiamentos não só aumentam a nossa pobreza, mas retiram-nos a dignidade enquanto Estado”, frisou.

Conosaba/Lusa

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