O mundo assiste um dos piores momentos da sua história, considerando os efeitos em quase toda esfera da nossa vida cotidiana causado pelo COVID-19 a nível planetário. Esta situação coloca-nos perante muitas incertezas sobre nossa vida presente, bem como num futuro próximo. O presente artigo faz uma análise sinóptica desta situação e seus possíveis desdobramentos haja vista as decisões preventivas que estão sendo acionadas.
Sabe-se que, praticamente em todos continentes os líderes dos Estados estão tomando decisões quase que semelhante, por meio dos seus departamentos de saúde, a famigerada quarentena que advém das orientações da OMS (organização mundial da saúde) e dos peritos da saúde pública como uma das melhores formas de prevenção neste momento conturbado.
Sendo assim, muitos governantes, estão tomando decisões ao modelo “copiar e colar”, isto é, baseado nos moldes daquelas tomadas por outros países como a China e principalmente Itália (epicentro do vírus no momento), países com alto índice de desenvolvimento humano e com uma certa estabilidade econômica e este último com uma elevada esperança média de vida e atrelado a isso possui uma percentagem considerável de população idosa.
A semelhança deste e de vários outros países principalmente os da Europa: França, Reino Unido, Espanha etc.), vários países em vias de desenvolvimento com configurações socioculturais, econômicas e de nível de vida totalmente desfavoráveis, países com alta taxa de desigualdade social e grande percentagem de trabalhadores “informais”, com infraestruturas precárias estão seguindo o mesmo modelo de quarentena ou como queira (isolamento social), propondo fechamento de quase tudo, medidas que poderão ser prejudiciais e incongruentes face aos seus contextos.
Sendo assim, a aparente tentativa de prevenção, evitar ser devastada pelo vírus vigente sem criação concomitante de um plano econômico que nos evite da recessão no pós-vírus, poderá induzir-nos a um outro problema, ou seja, com estas medidas “drásticas” sem que ao mesmo tempo se considere a importância da vertente econômica, estaremos simplesmente trocando a causa da nossa morte.
Visto que, os governantes ou o sistema de aparelhamento dos Estados e seus ajustamentos estariam praticando uma espécie de “Biopolítica” como advertia-nos Foucault (1976), e também, precisamente “Necropoder” do Mbembe (2016), que basicamente evidenciam as diferentes formas pelas quais as potências e os chefes dos Estados na modernidade perpetuam opressão, terror e até exterminação dos corpos a partir duma implícita “seleção” dos mesmos sob múltiplos critérios que podem ser: racial, socioeconômico, político e até territorial.
Considerando esse aporte, o que estaremos vivenciando, caso muitas decisões forem mantidas indissociáveis ao plano de restruturação econômica eminente, seria um tipo de seleção dos corpos a partir da categoria socioeconômica principalmente, isto é, os mais pobres serão, evidentemente, os mais prejudicados, condenados à morte pelas decisões de seus líderes ou pela configuração da sociedade que lhes darão duas opções de morrer: a primeira é morrer por causa do COVID-19, haja vista a não proteção em busca de mantimentos (enfrentar o vírus sem mínima proteção).
A outra opção de morrer seria, ficar dentro de casa (para aquelas que possuem) sem provisões e morrer de fome, aliás esta última é muito importante nos remete a pensar em um dos eventos mais importante da história moderna, o emblemático acontecimento de 1789 na França, A Revolução Francesa.
Reporto que dos momentos mais importante deste evento e que fez eclodir literalmente a revolução, foi o caos social, o tumulto ocasionado pela crise sociopolítica atrelada à econômica (falta de trigo, especialmente, sendo que a base de alimentação francesa na época era pão) gerou pânico, quer dizer, grande agitação social e fez com que as autoridades perdessem controle da situação e como consequência a Bastilha foi tomada e daí prevalecia a carnificina.
Em suma, pretendo com essa abordagem, chamar atenção aos nossos governantes sobre o perigo neste momento, de tomar decisões de modo peremptório, contudo compreende-se a gravidade da situação e sua repercussão na sociedade, não só em termos de perdas de vidas humanas, mas também seu efeito psicossocial nos vivos. Isso torna realmente, imprescindível tomada de certas medidas, no entanto, deve-se agir com maior discernimento e calma possível para não incorremos no risco de trocarmos a morte causada pelo COVID-19 pela morte causada pela agitação social e ou (fome).
Sigamos lutando contra COVID-19!
Por: Nando Paulo Suma
Bacharel em Humanidades e Licenciando em Ciências Sociais na UNILAB
Salvador, Bahia, Brasil. 27/03/2020
Referências: FOUCAULT, Michel, "Aula de 17 de março de 1976", In: Em Defesa da sociedade, São Paulo, Martins Fontes, 1999.
MBEMBE, Achille, “Necropolítica”, Artes & Ensaios, n. 32, 2016. Link: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
Apoio: entrevista, Descolonização, necropolítica e o futuro do mundo com Achille Mbembe. Link: http://afita.com.br/outras-fitas-descolonizacao-necropolitica-e-o-futuro-do-mundo-com-achille-mbembe/
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