quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

«OPINIÃO» 'GUINENDADE' - A. VERA CRUZ


O termo guinendade está ligado ao conceito de identidade nacional, à vivência sociocultural do "Homem" guineense ou à língua crioula, que Cónego Marcelino Marques de Barros chamava, ainda no século XIX, de "o guineense". Entretanto, cada vez que falamos com quem recorre ao termo guinendade, para saber o que significa na verdade o referido termo, a resposta acaba por ser, regra geral (ou invariavelmente) "não sei explicar bem mas é algo que está intrinsecamente ligado à Guiné-Bissau".
Esta resposta quase comum, revela o quanto o próprio termo é lato e vago. Ou seja, é a mesma coisa do que perguntar a um guineense "o que é ser guineense". De um modo geral, todos nós sabemos responder, porque é lato e vago. Logo, qualquer que seja a resposta, esta serve desde que tenha um pingo de lógica.
Contudo, se formos analisar bem as coisas, podemos definir a guinendade como a mestiçagem étnica, porque na génese de cada guineense existe uma diversidade enorme de etnias, em que cada uma delas reporta a um conjunto de traços culturais próprios e a um conjunto de status social, que acaba por formar aquilo a que chamamos de cultura crioula baseada naquilo que nos une, o crioulo. Mas será que guinendade é apenas isso?
Talvez possamos também ver a guinendade como uma forma de estar, de sentir e, sobretudo, de ser.
Quando me refiro à guinendade como forma de estar, refiro-me ao nosso modo de estar com o outro que não é da nossa etnia, nem da nossa nacionalidade, nem da nossa comunidade ou do nosso espaço de convívio. Esse, "ooutro", deve ser tratado com todo o carinho possível, porque o ditado diz que o "hóspede leva o mau e o bom nome da casa", por isso, temos que ser solidários e hospitaleiros com "o outro", para que ele possa integrar e contagiar com a nossa forma de estar, para que possa levar o nosso "bom nome".
Podemos também referir aqui a guinendade como a nossa maneira de sentir as coisas. De uma forma muito pacata conseguimos ver alegria em tudo e sem motivo assinalável (ou sem motivo aparente), festejamos, comemoramos e contentamo-nos com o pouco que temos. Ou ainda, a nossa forma de lidar com a morte, com os nossos antepassados, com as missas ou as simolas de tchur ou com as nossas cerimónias tradicionais.   
No que diz respeito à nossa forma de ser, podemos dizer que a guinendade é uma questão de pertença, de um sentimento ligado ao que é nacional, independentemente de onde o nosso umbigo tenha sido enterrado. A pertença à língua e cultura crioula, a pertença a uma dada etnia, que compõe o nosso mosaico étnico. Ou simplesmente uma pertença por nos envolvermos apaixonadamente com a Guiné-Bissau, sentirmo-nos guineenses ou ainda uma pertença por fazer parte, sem ser parte nenhuma, porque apenas o contato com a Guiné-Bissau é contagioso.
Se recorremos à arte e à cultura, somos capazes de definir a guinendade como uma expressão artística, que tenta apresentar, de um modo muito criativo, a identidade do "Homem" guineense, independentemente do seu estatuto socioeconómico, mas com os seus traços culturais, como por exemplo, os seus valores e crenças.
Contudo, será que é possível falar da guinendade sem nos referirmos às nossas músicas: gumbé, tina, siko, Djambadon, kusundé, etc. O gumbé como estilo musical que está associado ao crioulo, é cantado quase sempre nessa língua nacional. Entretanto, nesta matéria não podemos deixar de apontar a Orquestra Super Mama Djombo como motivo de orgulho nacional, devido às suas composições que se identificam com tudo o que seja guineense, ou seja, a Orquestra canta simplesmente a guinendade. E o saudoso José Carlos Schwarz como o pioneiro da música moderna guineense, era a voz dessa guinendade, ontem na Luta de Libertação Nacional.     
Apesar de tudo, a guinendade é um processo que está em permanente construção, porque é um processo dinâmico, que progride de acordo com o desenvolvimento socioeconómico do país, sobretudo, com o desenvolvimento educacional do povo guineense.   

Para dizer a verdade, a guinendade é a alma do sentir-se guineense. Amanhã poderá ser outra coisa. Mas hoje é isto! 

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