sexta-feira, 20 de março de 2015

"O BARULHO SOBRE A MESA REDONDA" - ECONOMISTA E ANALISTA FINANCEIRO


DR. LASSANA MANÉ


O barulho em Bissau a propósito dos preparativos da mesa redonda com doadores em Bruxelas prevista para o dia 25 de Março de 2015 e a forma como o projeto foi apresentado ao povo guineense, deixou-me muito inquieto e preocupado. Enquanto economista e analista financeiro, vim expor a minha preocupação com o único objectivo de convidar a todos os guineenses a uma reflexão profunda e exaustiva quanto aos reais impactos da dívida que o país se prepara para contrair para o seu crescimento económico.

À primeira vista, a iniciativa parece louvável, imperativa e extremamente urgente para tirar o país da difícil situação em que se encontra. Mas na verdade, o governo vai negociar dívidas e não donativos, dívidas essas que escondem aspectos que podem prejudicar muito o país a longo termo, se as condições de base não forem criadas para permitir a sua utilização na criação de riquezas que rentabilizarão o dinheiro emprestado e permitir o seu reembolso.

Baseando nas experiências passadas no uso dos créditos concedidos à Guiné-Bissau, eles permitiram o financiamento de poucos projetos e de curta duração sem criação de grandes empregos, com impacto muito limitado na economia nacional e na melhoria de qualidade de vida do cidadão comum. Como os créditos são concedidos, em geral, com taxas de juros variáveis, não fixos, e que os credores gozam de prerrogativas que lhes permitam aumentar os juros sem pré-aviso a qualquer momento, os custos acabam por ser nove ou dez vezes superiores aos benefícios.

A dívida por si só, sem estruturas e políticas bem estabelecidas previamente nunca contribuirão para o crescimento económico na Guiné-Bissau.

Em princípio, a obtenção de um crédito deve permitir o país investir, financiando o desenvolvimento das suas próprias infraestruturas e das suas forças produtivas em geral para a criação de riquezas. Graças a esse desenvolvimento, o país poderá reembolsar a sua dívida.
Mas essa lógica, infelizmente, se perde rapidamente depois do desbloqueamento das verbas devido ao alto nível da corrupção e da má governação.

Podemos definir a corrupção como um ato que consiste em oferecer certas vantagens e privilégios a um grupo de pessoas no uso de bens públicos para os fins pessoais.
Uma boa governação é necessária para a criação de estruturas e mecanismos  que possam permitir o uso estrito da dívida na razão pelo qual foi contraída e garantir o bom funcionamento do governo. Ela permite também o estabelecimento de uma ética na gestão rigorosa de bens públicos.

A falta dessas estruturas e mecanismos de controle expõe o país a um risco muito elevado de desvio de fundos.

Infelizmente, os doadores não fazem papel de fiscalização na utilização do crédito concedido. Na verdade, não têm interesse de o fazer porque na realidade, o desenvolvimento e a autonomia económica dos países que procuram o tal crédito são contrários aos seus interesses, pois representam um mercado muito lucrativo e essencial para as suas economias locais e na extensão das suas zonas de influência.

Se assim for, o produto da dívida nunca será utilizado para os seus fins e acabará por custar extremamente caro ao país. Como o dinheiro não foi utilizado para a criação de riquezas, o governo terá que utilizar outros recursos do país para o reembolso da dívida, privando a população o uso desses recursos para o seu desenvolvimento.

Os serviços da dívida, reembolso do capital e pagamento dos juros, acaba por absorver uma boa parte do PIB (produção nacional do país durante um período dado, normalmente anual). Os aumentos das taxas de juros fazem com que a dívida em vez de diminuir, aumenta, dificultando assim o seu o reembolso rápido  e causa pobreza agudizado do país.

Quando o país não está em condições de pagar, ele se encontra numa posição de alto risco e os doadores impõem uma nova dívida para pagar a dívida inicial. Como o risco é mais elevado, as taxas de juros aumentam de maneira exorbitante para cobrir o risco dos credores e acaba por agonizar muito mais o País.

Muitas vezes é o FMI, parceiro multilateral, que faz o papel de credor da última instância para salvar o país, mas com muitas condições e medidas de austeridades  que obrigam o governo a reduzir as suas despesas públicas (serviços de hospitais, escolas e outros serviços sociais importantes para a maioria da população, sobretudo a classe desfavorecida) ao mesmo tempo, exigem  o reforço dos serviços de segurança (forças armadas e polícias) pois são serviços essências para garantir a segurança dos seus investimentos.

A falta de serviços sociais e de emprego, constitui a miséria e humilhação das populações desfavorecidas, criando a angústia e o desespero. Para salvar a cara do país perante a pobreza extrema da população, os imigrantes são chamados para participar financeiramente, enviando constantemente dinheiro para assegurar a sobrevivência dos familiares.

Assim, a dívida externa acaba por reagir como um CANCRO SEM CURA. Ela, a dívida, aumenta sem parar e o tumor maligno, neste caso o “cancro” da dívida, acaba por impedir a população de sair da miséria, conduzindo-a para uma agonia ainda maior.

Para melhor compreender os desafios e os jogos à volta dos financiamentos para o desenvolvimento, é necessário conhecer  os grandes atores e os seus interesses.

Podemos classificá-los em três grandes grupos:
   Doadores Multilaterais, FMI e Banco Mundial
   Doadores Bilaterais, compostos por diferentes Estados
   Doadores Privados, Bancos e sociedades de investimento

Cada um desses atores utiliza o dinheiro dos contribuintes dos seus países respectivos ou das suas instituições com objectivos bem claros e acentuados nos seus próprios interesses, ignorando totalmente as reais necessidades do país que solicita o financiamento. Por exemplo, são eles que decidem o projeto a financiar, a modalidade do pagamento, o período de amortização da dívida, as taxas de juros, o montante a emprestar, etc.

O FMI e o Banco Mundial têm uma ideologia predefinida da economia que muitas vezes não são compatíveis à realidade e à necessidade económica do país e as suas políticas são elaboradas e decididas na sua sede em Washington (EUA) e impostas a todos os países. Eles exigem o respeito integral dos termos dos contratos estabelecidos na concessão de crédito sem nenhuma margem de manobra para o país. Por exemplo, se os termos de contrato são de dez anos, mas que o país depois de cinco anos quer reembolsar integralmente a sua dívida, eles recusam e o país tem que continuar a pagar os juros durante dez anos, mesmo se o podia limitar em cinco.

A Dívida Externa e as Realidades Nacionais

Na realidade, a dívida dos países em vias de desenvolvimento só beneficia dois grupos de pessoas: os Doadores e a Elite Política.

   Os doadores, na procura de lucros e benefícios astronómicos, impõem ao país condições severas. Os governos devem pagar para as suas dívidas, as taxas de juros seis a sete vezes superiores às taxas de juros praticados no mercado financeiro. E não ficam por ai: impõem também outras condições que lhes permitam um controlo quase total dos recursos naturais e das riquezas do país.

   A elite política se enriquece instantaneamente com o dinheiro emprestado e é protegida pelos próprios doadores enquanto ela protege os interesses dos emprestadores.

Assim, a elite política fica mentalmente e economicamente dependente e as suas políticas internas e externas são inteiramente ditadas  pelos “decretos” e interesses dos países doadores. Mas, apesar de tudo, os políticos continuam a proferir discursos bonitos e patrióticos perante o povo.

Assim, o endividamento é utilizado pelos credores como instrumento de dominação política e económica, como se fosse uma nova forma de neocolonialismo, com uma máquina poderosa que faz muitos dos seus trabalhos sem que a presença física seja necessária.
Daí que seja preciso uma análise profunda com debates sérios à volta dos projetos a serem financiados e os seus impactos reais a curto, médio e a longo termo para a economia nacional.

A principal condição necessária para um crescimento económico é a criação de um sistema incitativo de produção. E, para que isto aconteça, três estruturas são necessárias para a sua criação:

1) Mercado
2) Direito de propriedade
3) Moeda/Dinheiro

O mercado permite trocas de informações e comercialização de produtos entre vendedores e compradores. Os preços praticados enviam sinais aos atores comercias, criando incitativos para aumentar ou diminuir a produção. Mas, o mercado não pode funcionar muito bem  sem que o direito de propriedade seja protegida e sem a moeda para facilitar a troca de produtos.

O Direito de propriedade é um conjunto de leis e de regulamentos que protegem a detenção e a utilização de bens e meios de produção (i.e. terrenos, edifícios, máquinas, etc.). Quando é bem estabelecido e respeitado, ele permite assegurar as pessoas que os seus bens não serão confiscados e que em casos de problemas poderão recorrer à Justiça.
Depois de estabelecimento do  sistema incitativo, a maneira mais simples de atingir o crescimento económico é de especializar a produção do país nos domínios onde ele tem vantagens comparativas. Com a especialização, o país aumenta a sua produtividade, cria mais empregos e os cidadãos podem adquirir todo tipo de bens e serviços a custos mais baratos graças ao fruto do seu trabalho.

Quanto mais uma economia é especializada, mais o PIB real de cada habitante aumenta e o seu nível de vida também.
Só assim podemos atingir um crescimento económico sustentável, mas não com as dívidas.

Compreendo perfeitamente que o país precisa de construir infraestruturas, barragens elétricas, estradas, escolas, instalações portuárias, hospitais, e o governo deve decidir os meios a financiar os seus projetos.
Das múltiplas possibilidades (i.e. Imposto por meios de fiscalidade progressiva, emissões de títulos governamentais aos investidores, exploração e transformações dos recursos naturais), o mais fácil e rápido é a dívida.

É claro que nenhum país do Mundo pode desenvolver sozinho sem parceiros internacionais, mas os acordos de cooperações devem permitir o país de desenvolver a sua economia local numa perspectiva onde todos ganham e ninguém domina o outro.

Se o governo da Guiné-Bissau pautar mesmo na dívida, como a única solução de financiamento do seu plano estratégico de desenvolvimento, pode optar para um financiamento mais barato e mais acessível com os países emergentes como a China, a Índia, a Rússia, o Brasil que dão créditos sem juros ou com juros muitos inferiores ao “credor tradicional” e permitem (os países emergentes) a transferência de tecnologias barata e eficiente sem ingerência nos assuntos internos do País. Esses países atravessaram o mesmo caminho e as mesmas dificuldades que estamos a enfrentar, alguns sofreram colonialismos e as guerras civis, e conhecem melhor as nossas realidades e necessidades. Igualmente, os países emergentes não condicionam o crédito para criar uma dependência e nem decidem o projeto a financiar e baseiam as suas decisões nas necessidades reais de cada Governo. O modelo económico da China, por exemplo, pode muito bem ser aplicado na Guiné-Bissau em vários aspectos.

Tenho a impressão que o projeto da mesa redonda foi apresentado ao povo guineense como um projeto de “salvação nacional” e o governo está desesperadamente determinado no seu sucesso e canalizou toda a sua energia e os seus recursos  na sua materialização, ao invés de preconizar profundas reformas que possam permitir a boa governação e a nação de andar com os seus próprios pés, criando a sua própria riqueza com os seus próprios recursos a fim de diminuir progressivamente a dependência do país ao exterior.

Tenho conhecimento de muitos projetos de reformas que estão a ser implementados no país neste momento sem resultados visíveis, que mostram claramente a vontade do governo, mas essas reformas precisam de ser terminadas antes da obtenção do crédito, porque vão garantir o bom funcionamento do aparelho de Estado e permitir o bom uso do crédito. Como diz o ditado guineense, “ No ka pudi kurri i kossa djudju ao mesmo tempo”.

Mas, como já estamos muitos avançados para a mesa redonda sem as estruturas de base sólida, temos que assegurar pelo menos o funcionamento rigoroso do TRIBUNAL DE CONTAS e outras estruturas que poderão permitir a fiscalização dos fundos que serão concedidos ao país.

Convido a todos os partidos da oposição a jogarem o seu papel, a imprensa (rádio, jornais, televisão, blogues e redes sociais) e a população civil em geral a serem muitos atentos e vigilantes no comportamento e atitude do Governo, depois da mesa redonda, no uso de fundos a serem aprovados ao país.

Chegou a hora de se afirmar e de contar com os nossos próprios meios para sair progressivamente da posição delicada de dependência. é essa a dependência que nos bloqueia e nos retira a liberdade e a dignidade duma nação soberana.

Para além de merecermos ser uma nação próspera como qualquer outra do mundo, o povo guineense merece igualmente ser tratado com muito respeito, carinho e honestidade por parte dos que dirigem o seu destino. Já foram muitos anos de traição e de sofrimento, mas ele foi sempre paciente e humilde. Mas, este Povo já deve estar cansado de ouvir discursos patrióticos e bonitos e de ler relatórios bem escritos. Este Povo agora só quer ver resultados concretos com incidências diretas e imediatas nas suas vidas quotidianas e no futuro da sua nação, a Guiné-Bissau.

Lassana Manélasmane@gmail.com

Montreal, Canadá

2 comentários:

  1. Há muitas ONG que ajudam a Guiné Bissau e fazem doações quer em espécie quer em materiais necessários ao desenvolvimento do Povo,sem quererem qualquer retorno. O governo Guineense deveria elaborar uma lista das necessidades mais prementes ás ONG s como a Ajuda Amiga ,Viver 100 Fronteiras, Missáo Dulombi ,Missao Sorriso,

    ResponderEliminar
  2. Todas elas trabalham e angariam donativos a título gratuito e a única coisa que esperam em troca é Amizade é o respeito que todas estas ONGs merecem.
    Portanto ajudem-nos a Ajudar

    ResponderEliminar