terça-feira, 21 de março de 2023

Xi Jinping na Rússia mostra que "Putin não está assim tão isolado”

O Presidente chinês, Xi Jinping, inicia, esta segunda-feira, 20 de Março, uma visita que pretende dar um "um novo impulso" às relações entre os dois países. AP - Sergei Karpukhin

O Presidente chinês, Xi Jinping, iniciou esta segunda-feira, 20 de Março, uma visita à Rússia que pretende dar um "um novo impulso" às relações bilaterais. Isolado geopoliticamente pelo Ocidente, sancionado pelos americanos e europeus e pressionado na frente militar ucraniana, o chefe de Estado russo, Vladimir Putin, conta mais do que nunca com o apoio do principal "amigo", o homólogo chinês, como explicou à RFI a especialista da Rússia ligada à Universidade do Minho, Sandra Dias Fernandes.

RFI: Qual é a importância desta visita?

Sandra Dias Fernandes: Esta visita mostra que Vladimir Putin não está assim tão isolado. Há um isolamento por parte dos ocidentais, mas o mundo não é constituído apenas por ocidentais. Esta visita vem reforçar a imagem de uma condenação por parte do Ocidente, americanos e europeus, da invasão russa da Ucrânia, mas o resto do mundo, que cada vez mais chamamos de sub-global, não tem a mesma visão sobre o que está a acontecer na Ucrânia.

Esta visita de Xi Jinping tem esse pano de fundo mais alargado de mostrar que há mais mundo para além do Ocidente e que a Rússia tem amigos. Aliás, o Presidente Putin e o homólogo russo intitulam-se de “melhores amigos”. É essa narrativa que estamos a ouvir nesta visita do Presidente Xi Jinping a Moscovo, que terá a duração de três dias.

Estamos a assistir ao redesenhar de um novo paradigma geoestratégico?

É a grande questão. Como eu dizia, Xi Jinping apresenta-se como melhor amigo do Presidente Putin, mas tem reagido com moderação à guerra. Temos assistido a abstenções da China em votações nas Nações Unidas, associado ao facto do país não condenar a ofensiva russa na Ucrânia, referindo-se ao conflito como “crise”.

Há ainda o plano de paz que, apresentado pela China no mês de Fevereiro, fala num caminho para a saída da crise- não fala de guerra- mas, apesar de tudo, é uma reacção com alguma moderação.

A China tem procurado uma conjugação de equilíbrios, no sentido de apoiar o seu aliado russo, mas sem criar rupturas, nem sanções para ela própria, nesse apoio à Rússia.

A questão que coloca, de mudança de paradigma geopolítico, penso que podemos vê-la, de forma mais pragmática, no sentido de observar se a China vai sair dessa moderação.

É também por essa razão que os holofotes estão colocados nesta visita. Devemos lembrar que é a primeira visita do Presidente chinês a Moscovo desde que a guerra começou, a primeira em quatro anos. Veremos no final dos três dias se a China vai sair da moderação, que tem adoptado na forma de apoiar o seu amigo russo.

Nos círculos mais próximos do Kremlin, há esperanças de um acordo esta semana sobre a entrega de armas chinesas, potencialmente em troca da transferência de tecnologias nucleares russas de que Pequim precisa. A China está disposta a correr o risco de se expor a sanções ocidentais em caso de apoio ao seu aliado russo?

Se isso vier a acontecer, seria uma alteração profundo do “decurso” desta guerra e a China passaria de um apoio tácito à invasão russa a um apoio explícito, criando um nível de ambições completamente diferentes às que tem mantido até então.

Não creio que estejamos assim tão próximos de observar essa alteração, no entanto, é certo, que temos aqui sinais que nos podem levar a pensar que seja uma possibilidade.

Os norte-americanos, no passado mês de Fevereiro, começaram a dar a indicação, através do Secretário de Estado, Antony Blinken, de que a China estaria pronta para armar a Rússia. Uma das dimensões em que os russos têm fraqueza do ponto de vista logístico, por exemplo em termos de drones, sabemos que já há um certo apoio da China.

Temos aqui elementos que deixam essa porta aberta, mas que teria consequências muito profundas naquilo que é esta guerra e uma alteração do paradigma geopolítico. Não só a nível da guerra, mas também a nível mundial.

Pequim nega a possibilidade de vir a entregar armas à Rússia. Que papel pode desempenhar a China nesta guerra?

A posição que a China tem tomado tem sido muito criticada [pelo Ocidente], por ajudar a Rússia a contornar as sanções. A relação entre a Rússia e a China é fundamental para ambos. Moscovo precisa de tecnologia e Pequim de gás e petróleo. A China, como mediadora, não é completamente credível, mas se ouvirmos as reacções dos próprios ucranianos, é um espaço que é deixado em aberto. Considera-se que a China é um actor que pode ajudar num determinado momento de negociação, de saída da fase bélica do conflito.

O próprio Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, refere-se à proposta de paz apresentada pela China como “um texto interessante”.

Percebe-se que a China tem aqui um espaço a ocupar, embora a sua credibilidade seja posta em causa, nomeadamente com a propagação de mensagens que dão conta de que os ucranianos, com a ajuda dos ocidentais, têm laboratórios de armas químicas em território ucraniano.

A China não fala da central nuclear de Zaporíjjia e o que lá tem acontecido, ou seja, são elementos que descredibilizam o país no papel de mediador. Contudo, não podemos esquecer que a China é a terceira potência militar do planeta. Por estas razões, se Pequim quiser ocupar esse papel de mediador, é um papel que não se lhe pode ser retirado.

Esta visita acontece depois de o Tribunal penal Internacional ter emitido um mandado de captura internacional contra Vladimir Putin, acusado de crimes de guerra. É uma coincidência ou Xi Jinping quer enviar uma mensagem ao ocidente?

Eu julgo que esta visita foi previamente planeada. Todavia, o Presidente Xi Jinping tem descredibilizado o mandado de captura, denunciando uma política de dois pesos e duas medidas. Agora, o que está a acontecer quanto à identificação de crimes de guerra, que vão ser levados a crimes contra a humanidade, e que, a meu ver, vão permitir constituir matéria para um crime de genocídio, mostra o rosto desta guerra. Revela o rosto da Rússia nesta guerra, dificultado o papel da China ao se colocar demasiado perto do Presidente Putin.

Os dois líderes políticos devem assinar uma declaração comum. Que tipo de acordos se podem esperar desta visita?

Claramente, uma cooperação económica. Um apoio global diplomático, através de uma linguagem de paz, da amizade, da parceria. Não podemos esquecer que a Rússia e China já assinaram uma declaração para fortalecer os laços de amizade, duas semanas antes da guerra começar. Teremos aqui a continuidade dessa narrativa e o reforço da cooperação económica, pois é por aí que a China também consegue beneficiar os seus interesses, apoiando o parceiro russo. Sem ultrapassar a “linha vermelha” que lhe traria sanções e a condenação por parte do Ocidente.

Conosaba/rfi.fr/pt/

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