Numa escala de zero a 20, o sociólogo guineense, Dautarín da Costa dá nota máxima para a independência da Guiné-Bissau, “do ponto de vista simbólico”, mas olhando as “realizações conquistadas”, não duvida em “chumbar” o processo: “daria nota três”.
Dautarín da Costa, de 33 anos, diz que a miséria fala por si em qualquer canto do país e cita Amílcar Cabral, pai da independência: “na altura dizia que a conquista da independência era a tarefa mínima da revolução. A grande tarefa era a construção do progresso e esse é que tem vindo a ser amputado”.
Como em tantos outros cantos do mundo, a esperança renova-se e apesar das décadas de instabilidade, vive-se hoje novamente “um momento de grande esperança” na Guiné-Bissau.
“Há grande expetativa em relação a este momento histórico” em que novas autoridades tomaram posse, após as eleições gerais de 2014, que puseram fim a um período de transição iniciado com o golpe de Estado de 2012.
“Mas se formos muito criteriosos e tivermos a coragem de aprofundar a análise, ficamos muito inquietos com a situação”, porque, conclui, o país está refém de um sistema.
“Ficámos reféns de um sistema político que, em vez de promover o desenvolvimento, está vocacionado para a sobrevivência dos seus agentes”, alerta.
Ou seja, “quem quer entrar, tem que se apropriar das regras do jogo e a apropriação encaminha os agentes políticos a lutarem para manterem sua posição dentro do sistema, sobreviverem” em vez de serem “agentes pensantes, agentes transformadores que vão construir o tal progresso”.
A Guiné-Bissau está assim nas mãos de um sistema “vocacionado para tudo aquilo que é contrário” às expetativas de desenvolvimento – mesmo havendo “pessoas qualificadas na governação, acrescenta.
A falta de formação académica é um argumento recorrente para quem tenta explicar o falhanço da estabilidade política e das conquistas no dia-a-dia.
Mas Dautarín da Costa refere que “há muito tempo que esse problema não se verifica”.
“Se olharmos para o elenco dos últimos governos, estamos a falar de pessoas licenciadas, com habilitações académicas superiores e, no entanto, não se vê grande diferença”, diz.
E porquê? “Porque estamos colonizados por um sistema que promove tudo o que não é progresso, mas sim a sobrevivência dentro do pior sistema”.
Passados 42 anos de independência da Guiné-Bissau, esta e a situação “que mais preocupa” Dautarín da Costa.
“Não conseguimos fazer a rutura. Era preciso haver uma alternativa tal que se conseguisse fazer uma rutura com este tipo de sistema. Mas ele é de tal maneira forte que coloniza tudo em redor e não permite a criação de alternativas”. Pelo menos, assim tem sido.
O sociólogo acredita que a alternativa “tem que ser obra dos jovens”.
E cita um ditado africano que também era parafraseado por Cabral: “por mais que a água da fonte seja quente, não poderá nunca cozer o nosso arroz. Ou seja, por mais, que tenhamos boas referências e bons exemplos do exterior, quem cozinha o nosso arroz somos nós: somos responsáveis pelo nosso país”.No meio da caminhada para o desenvolvimento, Dautarín da Costa realça ainda a necessidade de haver um esforço de reconciliação na Guiné-Bissau.
“Eu duvido que haja alguma família, principalmente das pessoas que vivem em Bissau, que possam dizer que têm tudo resolvido em relação ao passado. Nós precisamos de facto de fazer a reconciliação com a nossa história”, realça.
“Temos que descobrir o que se passou no passado, como se passou, para podermos enterrar as feridas antigas”, acrescenta.
A questão afigura-se “pertinente para quase todos os guineenses”, uma vez que “todos têm uma história no passado, com um ou outro familiar, ainda por resolver. Coisas que, estando mal resolvidas, podem criar entraves no futuro e nas relações futuras”.
E o futuro precisa de ser construído sem armadilhas.
Lusa/Conosaba
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