Sejamos claros: a Guiné-Bissau e Portugal estão “condenados” a
entenderem-se.
É muito mais o que histórica e afectivamente nos une que o
que pontualmente nos possa episodicamente separar. E isso é algo que
nós, responsáveis políticos de ambos os países, temos obrigação de ter
presente na nossa actuação, mesmo quando por vezes, em defesa dos
interesses e das razões que assistem os nossos países, temos de aqui e
ali falar mais alto ou de forma mais firme.
Mas uma coisa é defender os
interesses que são nossos, expor as nossas razões e argumentos e
exercer o legítimo direito à indignação; outra coisa é sermos permeáveis
a interesses que não os nossos, virarmos costas aos princípios e sermos
porta-vozes de outrem.
Vem isto a propósito do facto de ter
existido quem, nos últimos dias, se tenha mostrado incomodado, quando
não mesmo até aparentemente chocado, com a forma veemente como me vi
forçado a defender a posição do meu país e o modo como levámos a cabo
uma investigação célere e até agora conclusiva do incidente que ocorrido
com o avião da TAP no aeroporto de Bissau. Existe um ditado popular bem
português que resume o sentimento dos guineenses no que diz respeito à
verdadeira onda de mentiras, falsidades e até calúnias que se tem dito e
escrito a propósito desse incidente – “quem não sente não é filho de
boa gente”.
Ninguém que seja responsável, que tenha conhecimento
do que realmente se passou com o embarque em Bissau dos 74 cidadãos
sírios com destino a Lisboa podia ficar impávido e sereno perante a
verdadeira campanha orquestrada que levou a que autoridades portuguesas,
algumas até com vasta e reconhecida experiência política, sem que os
factos tivessem sido ainda apurados e sem que tenham recolhido a
informação minimamente exigível, se precipitassem em declarações que sou
obrigado a rotular como francamente infelizes.
Ao longo destes
meses, não fomos nós, guineenses, que tomámos atitudes hostis ou
conducentes a um esfriar de relações entre os nossos países. Aliás
sempre nos habituámos, mesmo nos momentos mais difíceis, a encontrar em
Portugal um parceiro seguro na resolução dos nossos conflitos internos.
Não é preciso recuar muito. Basta lembrarmo-nos o que se passou em 1998,
aquando da guerra civil, e do papel fundamental que então o governo
português e nomeadamente o seu ministro dos Negócios Estrangeiros Dr.
Jaime Gama desempenhou. E como o fez – sem paternalismos, com um sentido
de Estado e com uma sensibilidade e tacto irrepreensíveis e notáveis!
Curiosamente
este governo – e acreditem que foi uma surpresa para mim que conheço
bem alguns dos seus principais “actores” – fez exactamente o contrário,
preferindo tomar partido por uma das partes (no caso por um ex-primeiro
ministro em cujo governo e sem que tenha ocorrido qualquer inquérito ou
pedido de investigação foi assassinado um Presidente da República em
exercício e democraticamente eleito, dois chefes do Estado-Maior General
das Forças Armadas e vários políticos que se lhe opunham) e virando-nos
as costas, pouco ligando aos interesses que são objectivamente os de
Portugal e quebrando assim laços de séculos, numa atitude que ainda
hoje, por muito que tente, não consigo entender.
Mas apesar
disso – do governo português ter optado por cortar todas as “pontes” com
vista a algum diálogo – o governo de transição da Guiné-Bissau (que
recorde-se, integra todas as forças políticas guineenses, incluindo o
próprio PAIGC do primeiro-ministro deposto) esteve totalmente disponível
para conversar com Portugal, obviamente em plano de igualdade e
respeito mútuo. Por diversas vezes e vias tentámos chegar à fala com
diversos responsáveis da cena política portuguesa. Eu mesmo, durante as
minhas passagens por Lisboa, desenvolvi diligências no sentido de
encontrar-me, a nível particular e sem qualquer divulgação pública, com
os meus homólogos; com um secretário de Estado da Cooperação; e com
representantes do primeiro-ministro e do Presidente da República a quem
mostrei a intenção de expor o nosso ponto de vista sobre o que
efectivamente se passa na Guiné-Bissau, esclarecer qualquer dúvida que
pudesse existir e colher opiniões que nos pudessem ser úteis neste
processo de transição. A única resposta que obtive, por interposta
pessoa, foi do secretário de Estado, que me comunicou a disponibilidade
de um responsável do Instituto Camões em receber-me. Como se o objectivo
da conversa que eu pretendia ter fosse discutir a entrada em vigor do
Acordo Ortográfico ou qualquer coisa do género...
Tem-se dito e
escrito muitas mentiras sobre a Guiné-Bissau. Há quem se tenha deixado
“embarcar” em campanhas que servem interesses que não são portugueses e
que apenas utilizam Portugal como pretexto e instrumento. E isso a mim,
particularmente a mim – que aqui vivi cerca de 30 anos, aqui estudei e
onde me ligam especiais laços a vários níveis – causa-me muita pena, até
porque conheço bem algumas das pessoas que se deixaram
instrumentalizar, sendo isso um péssimo serviço que estão a prestar a
uma história e um percurso de séculos que temos em comum e que, embora
aqui e ali possa ter sido marcado por alguns desentendimentos, soubemos
sempre ultrapassá-los e superá-los. Como estou certo iremos ultrapassar e
superar rapidamente. Exactamente em nome dessa mesma história e
percurso que temos em comum! É esse o nosso desejo e sei – tenho a
certeza – é o desejo dos nossos Povos.
Ministro de Estado e da Presidência, porta-voz do Governo de Transição da República da Guiné-Bissau
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