segunda-feira, 10 de abril de 2023

Artigo de opinião: PRINCÍPIOS, VALORES E DIGNIDADE

O pedido de demissão da ex-ministra da Educação Nacional da Guiné-Bissau veio expressar os princípios, os valores e a dignidade que um ser humano possa representar numa sociedade onde esses elementos imperam. Aliás, pelos elementos trazidos à tona, vieram traduzir naquilo que uma pessoa pode fazer, e sobretudo quando tal vem de uma mulher parece ter ainda mais significado.

Antes de entrarmos no conteúdo para a nossa reflexão, gostaríamos de chamar a atenção para duas situações que parecem normais na relação existente entre a imprensa guineense e o ato administrativo guineense. Em primeiro lugar, porque os gestores da administração pública da Guiné-Bissau parecem não saber distinguir os atos meramente administrativos dos políticos. A título de exemplo, como é possível uma carta de pedido de demissão da ex-ministra da Educação ser tornado público, ao ponto de ser publicado o seu teor para justificar que o pedido de demissão veio efetivamente da Sra. ministra? E, em segundo lugar, por questões éticas, nem a ex-ministra deveria disponibilizar o exemplar a quem quer que fosse e muito menos esse exemplar deveria ser partilhado pela equipa do gabinete do Primeiro-Ministro, dado que o conteúdo diz respeito aos assuntos do Estado, pelo que deveria ficar arquivado para ser recorrido, em caso de outras necessidades.

Intitulamos esta nossa reflexão de “Princípios, Valores e Dignidade” por vários motivos (que adiante vamos esclarecer).

Os fundamentos apresentados pela ex-ministra da Educação parecem reportar princípios, valores e dignidade, e, se preferirmos, acrescentamos ainda um outro adjetivo: carácter. É uma atitude nobre. Quando a ex-ministra refere na sua carta de pedido de demissão o seguinte:

Com base em factos e nos fundamentos seguintes: efetuei substituição de diretores de algumas escolas de Biombo, SAB [Setor Autónomo de Bissau], Oio e Gabu, movimentações, essas, motivadas por situações de diversa natureza, tendo umas a ver com o abandono do serviço para o estrangeiro, sem aviso, nem autorização… e outras tinham a ver com brigas entre o diretor da escola e os professores e o mau relacionamento com os pais e encarregados de educação, e outras tinham a ver com a corrupção, desobediência e desacato, com fundamento em inexistência do dever de obediência aos superiores hierárquicos, incluindo eu, ministra, mas, sim, a existência de obediência às formações políticas de que são militantes e provenientes. Assim, o referido Despacho não foi cumprido pelos diretores substituídos, que recusaram [passar testemunho], alegando terem recebido ordens partidárias para o não cumprirem. Recebi, na qualidade da ministra da Educação Nacional, a pressão por parte de altos dirigentes, no sentido de Revogar o Despacho em questão, com alegações de que estaria a perseguir militantes de uma determinada formação política e de querer impedir que esse partido ganhasse as próximas eleições. Atendendo a tudo isso, considero que a minha participação em Conselho de Ministros está condicionada à apresentação de um despacho de revogação do Despacho que substituiu os referidos diretores. Esses condicionalismos são atentatórias à minha honra e à minha carreira política de longos anos; assim, por uma questão de ética, coerência, da defesa da legalidade, dos princípios e valores que orientam a atividade governativa e administrativa…
  1. Se a substituição tinha a ver com o abandono do serviço. A nossa humilde pergunta é seguinte: Como seria possível manter o nome de uma pessoa ausente como responsável de uma instituição escolar? Como é possível a escola funcionar sem ter a quem responder diretamente ao diretor regional da Educação, sendo o elemento responsável em termos hierárquicos do Ministério da Educação, ao ato administrativo, etc.? Parece que nós, guineenses, não conhecemos ainda o valor da Educação. Falar e fazer são duas coisas distintas. A Educação deve ser acompanhada de ações concretas.
  2. Se a substituição tinha a ver com brigas entre o diretor da escola e os professores, e o mau relacionamento com os pais e encarregados de educação, perguntamos, afinal, para quê estar numa instituição como diretor onde não se é respeitado? Por que não existe na Guiné-Bissau uma cultura de pôr o lugar à disposição quando se sente que a sua honra é posta em causa?
  3. Se a substituição tinha a ver com a corrupção, desobediência e desacato, com fundamento em inexistência do dever de obediência aos superiores hierárquicos, incluindo à ministra; em contrapartida a existência de obediência às formações políticas de que são militantes e provenientes. Aqui concentramos a maior parte da nossa reflexão e chamamos à razão os nossos conterrâneos guineenses sobre certos princípios e valores que devem nortear a educação no seu pleno termo e o sistema educativo que almejamos para os próximos anos. Enquanto continuarmos com este doentio sistema camuflado educativo, em que se gratifica o fulano, sicrano ou beltrano (com nomeação da direção de uma escola), porque pretendemos retribuir-lhe as suas contribuições na campanha eleitoral, estaremos certamente longe, nos próximos 50 ou 100 anos, de alcançar o desenvolvimento que tanto desejamos. Com efeito, a educação é que pode mudar as mentalidades e contribuir para formar cidadãos ativos e conscientes que possam servir o país. As nomeações dos diretores pela confiança política está a minar por completo o nosso sistema educativo caduco, e sem falar da não preparação dos diretores que desempenham tais funções. Se tu não és do partido A ou B, independentemente das tuas capacidades, nunca poderás assumir funções diretivas. Pelo número de pessoas já formadas e capacitadas neste país, já é hora de os partidos políticos assumirem um compromisso sério com a população guineense. A educação deve ser mesmo um setor prioritário na governação. Por outro lado, o guineense deve aprender a respeitar a hierarquia, pois esse é um primórdio da gestão-administrativa.
A ex-ministra da Educação teve a honra de contrariar algumas normativas de há décadas para cá. A questão de desonrar a nossa consciência ao ponto de voltar atrás com uma decisão que, à partida, beneficiará o povo e a população estudantil, que é de pautar pela qualidade do sistema educativo através dos seus agentes, incluindo os diretores das escolas.

Antes de terminar esta nossa reflexão, gostaríamos de levantar algumas questões pertinentes que poderão interessar a qualquer guineense atento às manobras encobertas nas diversas formas políticas da Guiné-Bissau.

  1. Suponhamos que a tal pressão de que a Sra. Ministra falou, se viesse da formação política de que ela faz parte, será que renunciaria na mesma ao cargo de ministra?

  2. Será que a formação política de que a Sra. Ministra referiu receber pressão está comprometida com a educação, caso ganhasse as eleições de que está a alegar?

  3. Será que vale a pena dar a esta gente mais oportunidades de brincar com o nosso destino?

  4. Que partido político guineense está preparado para acabar com esta brincadeira de nomeação dos diretores de escolas, sendo esta a forma de satisfazer os compromissos eleitorais com estes?

  5. Não seria ideal os parceiros de desenvolvimento (por exemplo, Unesco, Unicef, Banco Mundial, ONG, entre outras entidades parceiras) definirem critérios que os próximos governos devem cumprir, sobretudo na categórica definição de perfil para cargos diretivos das escolas?

  6. Não seria ótimo a Assembleia Nacional Popular, sendo seu papel, neste contexto, através das suas comissões políticas especializadas na área de ensino, convocar os guineenses a uma reflexão séria para se discutir a questão da educação, onde os partidos políticos possam assumir a Agenda Nacional antes das eleições legislativas?

Por outro lado, a substituição constante de titulares de pasta do ministério da Educação parece travar por completo o desenvolvimento deste setor. Por exemplo, de alguns anos para cá, em média, por legislativa, o ministério troca de cadeira por três vezes os ministros. Se continuamos com esta dança de cadeiras, parece que o setor educativo está longe de se estabilizar, porque havendo mudança de ministro, esse cai com toda a sua equipa e todo o seu projeto educativo também cai por terra, estando num país em que não existe continuidade de projetos, todos conhecemos. A título ilustrativo, uma vez em que participei num seminário num dos hotéis de Bissau, os dois antigos ministros da Educação estavam-se a divertir, pois estávamos todos, incluindo eu, em tom de brincadeira entre eles, certamente, mas saiu uma conclusão muito interessante que podia sustentar a uma ampla Agenda Nacional para o Setor Educativo Guineense, que vos dou a conhecer, dizendo umas coisas parecidas com as que vou colocar à vossa disposição: Um diz «Quando fui exonerado de uma forma que não esperava, apesar de pensar que poderia começar a dar início a um conjunto de ações para desenvolver a educação, jurei que nunca mais voltaria àquele ministério» e o outro diz «Só voltaria ao ministério da Educação se colocassem o dinheiro do ministério no banco, onde o próprio ministério seria o responsável na gestão do mesmo, onde teremos os parceiros de desenvolvimento no acompanhamento de ações concretas de educação, porque o ministério das Finanças é o entrave deste setor. Mesmo havendo projetos interessantes, este não aceita financiá-los, alegando não existir dinheiro no tesouro público». Não acham que já temos uma frase slogan para um debate verdadeiro para alavancar o setor educativo?

As questões são muitas que parecem não caber neste artigo de opinião. Por forma a dar por concluída esta nossa reflexão, e de forma curiosa, estamos muito interessados em perceber quais serão os próximos passos da nova ministra da Educação. Foi a mando do partido que exerceu pressão sobre a antiga ministra para revogar o Despacho ou foi mesmo para criar expetativas e trazer à luz do dia as questões que têm travado o desenvolvimento do setor educativo guineense?

Em suma, os princípios, valores, dignidade, honra, coerência, ética, legalidade são elementos que resumem a nobre atitude da ex-ministra da Educação. Importa sublinhar que não conheço essa Sra. de lado nenhum. Aposto que nunca me encontrei com ela em qualquer evento académico e cultural (não falo de ria ou saída di fanadu e nem de toka-tchur), talvez neste último evento seria mais fácil de me encontrar com um qualquer político guineense. Devemos começar a deixar bons exemplos. Até nas outras galáxias!

Lisboa, 02 de abril de 2023

Prof. Luís Blak

radiosolmansi

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